Equívocos do Assessor Econômico de Donald Trump

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Um problema monetário difícil de se superar é o da dupla assimetria cambial: a moeda nacional apreciada (barateadora de importação) diante outra moeda nacional depreciada (favorável à exportação do seu país) como a da China. Evita a inflação importada no Brasil, mas as indústrias transnacionais aqui instaladas não conseguem gerar aumentos de produtividade capazes de superar as vantagens de preço conferidas por altos diferenciais de câmbio entre as moedas dos países.

Os Estados Unidos parecem sofrer o mesmo problema. Mas têm um diferencial: o dólar e/ou os Treasuries (títulos de dívida pública norte-americana) ser a principal moeda de reserva para todos os países do mundo. A globalização econômica da Era Neoliberal provocou a nova divisão internacional do trabalho: os norte-americanos consomem importações baratas e o resto do mundo financia o déficit no balanço de transações correntes principalmente devido ao balanço comercial.

Um artigo de Stephen Miran, A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System, publicado em novembro de 2024, pouco antes de ele ser nomeado para presidir o Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos EUA, Donald Trump, é chave para entendimento da sua política econômica. Propõe inverter as prescrições de política macroeconômica simplesmente reivindicando uma variável de força diferente à qual outras variáveis responderiam.

Segundo seu diagnóstico, a raiz dos desequilíbrios econômicos norte-americanos reside na persistente sobrevalorização do dólar. Ela impede seu equilíbrio diante o comércio internacional.

Essa sobrevalorização seria impulsionada pela demanda inelástica por ativos de reserva. Se o PIB global cresce, supostamente pelos superávits comerciais dos exportadores para os EUA, torna-se cada vez mais pesado para esta potência financiar a provisão de ativos de reserva e os setores manufatureiro e de bens comercializáveis enfrentarem a competição com os custos lá superiores.

O documento de Miran aborda as tarifas, observando elas fornecerem receita e, se compensadas por ajustes cambiais, apresentarem pequenos efeitos colaterais na taxa de inflação, de acordo com a experiência de 2018-2019. Embora a compensação cambial possa inibir ajustes nos fluxos comerciais, ela sugere as tarifas serem, em última análise, financiadas pela nação tarifada, cuja riqueza e poder de compra real diminuem, e a receita arrecadada pelos EUA melhora o compartilhamento de encargos para a provisão de ativos de reserva.

Por isso, as tarifas têm sido implementadas de maneira profundamente interligada com as preocupações de segurança nacional. A Constituição dos EUA atribui a autoridade sobre o comércio externo e a tributação apenas ao Congresso. As ordens tarifárias de Trump invocam a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (International Emergency Economic Powers Act – IEEPA, na sigla em inglês), de 1977.

De acordo com Aziz Huq, professor de Direito na Universidade de Chicago, a IEEPA não apoia as tarifas atuais de Trump. Um presidente pode declarar “emergência nacional” para lidar com uma ameaça estrangeira “incomum ou extraordinária” à “segurança nacional, política externa ou economia” dos EUA. Estes poderes adicionais valem apenas à emergência em questão; não podem ser usados para “qualquer outro fim” como é o caso atual.

A visão convencional do motivo pelo qual os Estados Unidos têm déficits comerciais crônicos é eles gastarem demais, refletindo em grande parte em seus déficits fiscais. No caso, o gasto seria a variável de força. Mas a verdadeira variável de força, contra-argumenta Miran, é a acumulação do resto do mundo de ativos financeiros dos EUA, especialmente Treasuries, em suas reservas cambiais.

Daí surge a hipótese esdrúxula de Miran: os EUA [coitados] tiveram de ter grandes déficits fiscais para atender a essa demanda exorbitante! Os fluxos de capital resultantes mantêm o dólar forte demais para os exportadores dos EUA competirem, levando a déficits comerciais persistentes. Snif, snif…

O argumento não é convincente, segundo Raghuram G. Rajan, ex-governador do Reserve Bank of India, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional e professor de Finanças na Booth School of Business da Universidade de Chicago, por várias razões. Primeiro, os EUA começaram a ter um déficit comercial crescente, em meados da década de 1970, pelo choque do petróleo.

Em paralelo, seu déficit fiscal ficou relativamente estável, com exceção do fim da década de 1990, quando os impostos sobre ganhos de capital e o consumo privado dispararam por causa da bolha das pontocom. O efeito riqueza mudou temporariamente o locus dos gastos excessivos dos EUA do governo para as famílias consumidoras de bens importados.

A acumulação de dólares por Bancos Centrais estrangeiros realmente começou a decolar somente após a crise financeira asiática de 1997. Foi quando as economias periféricas, diante as duras condições impostas a elas pelo Fundo Monetário Internacional, acumularam reservas para se proteger contra paradas repentinas no financiamento.

O Brasil, por exemplo, se aproveitou do boom das commodities, principalmente depois da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 11 de dezembro de 2001. Em menos de duas décadas, o país aumentou as reservas em moeda estrangeira, de US$ 53,26 bilhões em janeiro de 2004 para US$ 388 bilhões em junho de 2019. Estavam em US$ 362 bilhões em dezembro de 2024.

O déficit comercial dos Estados Unidos em bens atingiu um recorde de US$ 1,21 trilhão em 2024, um aumento de 50% em relação a 2017. Obtiveram um superávit líquido em serviços de quase US$ 300 bilhões em 2024. Coloca em questão se as tarifas do presidente Donald Trump podem atingir um de seus principais objetivos políticos declarados: o equilíbrio do balanço de transações correntes.

Embora os números gerais do comércio possam refletir um grande déficit, os EUA estão longe de ser uma vítima. Suas empresas transnacionais ganham muito mais com a pré-produção de software e a pós-produção com comércio eletrônico em vez de arcar com grandes gastos com as produções de seus bens em países com mão-de-obra mais barata.

O Congresso dos EUA decide ou não o governo gastar como quer, contando com o resto do mundo para comprar Treasuries para financiar aquilo cujas receitas fiscais domésticas não podem cobrir. Os Estados Unidos têm déficits fiscais para acomodar a necessidade mundial de Treasuries?! É uma inversão ilógica!

O Congresso dos EUA poderia decidir o governo ter déficits menores, fazer os estrangeiros disputarem entre si a compra da emissão menor de Treasuries e, com a alta dos preços dos títulos de dívida pública, obter taxas de juros mais baixas nos EUA. Uma maior alavancagem financeira propiciaria maior produção nos EUA somente se fosse do interesse de suas transnacionais lá fabricar…

Se criar ativos de reserva é um fardo tão exorbitante, por qual razão Trump recentemente ameaçou o grupo BRICS de grandes economias emergentes por sequer ousar contemplar acordos separados de pagamento sem dólar?

Os EUA pode punir países estrangeiros ao saírem de seu comando, se impor um imposto seletivo sobre os pagamentos de juros por seu Tesouro.

As tarifas sobre importação ajudariam os fabricantes americanos a superar um dólar supervalorizado? Não serão parcialmente compensadas por um dólar mais valorizado com as depreciações das demais moedas nacionais? Ao fim e ao cabo, o dólar caro não prejudicará as exportações dos Estados Unidos?

Ao “dar um tiro no pé”, os EUA estão se voltando contra a globalização construída por ele próprio. A alegação de a força do dólar ser um fardo em vez de um privilégio não é convincente, especialmente quando os assessores econômicos de Trump com tais argumentos não o levam a renunciar ao fardo.

Se os EUA se enxergar como uma vítima, disposta a infligir tarifas a aliados próximos, poderá sim tal comportamento reduzir a atratividade do dólar como moeda de reserva. Neste caso, ele e o déficit fiscal realmente se tornarão um fardo. Não será um futuro almejado por qualquer contribuinte americano lúcido. O Pato Donald é um personagem de desenho animado de Walt Disney conhecido por ser travesso, temperamental e ter uma fala difícil de entender. Será o Donald Trump um pato antropomórfico ao grasnar os conselhos equivocados desse assessor econômico



*Fernando Nogueira da Costa é professor Titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Ex vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/.

Foto de capa: Annabelle Gordon / AFP/21-03-2025

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