Entre a Impunidade e a Chamada PEC da Bandidagem

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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Apresento o roteiro satírico do Auto da Impunidade, uma peça farsesca em quatro atos, no estilo de teatro político popular. É um roteiro para um programa de auditório da TV Câmara.

 Conta com os seguintes personagens:

 Cajado Mandado – o Relator da Madrugada, servo fiel do rebanho oligárquico.

 Filho Pródigo – o Deputado Traidor da Pátria, quinta-coluna coroado líder para expiação de pecados patrióticos.

 Dr. Crime Organizado – traficante engravatado de terno risca de giz, com arroubos de sinceridade.

 Dr. Crime Engravatado – político veterano, já blindado por tradição e cinismo.

 Povo – uma figura coletiva, vestida em farrapos, só observador e comentarista.

 Narrador – voz sarcástica para apresentar os atos.

 Ato I – O Chamado da Meia-Noite

(No palco, Cajado Mandado dorme. Um telefone gigante toca. É o Presidente da Câmara, o Marmota, em voz off.)

Narrador: – Foi na calada da noite, como convém aos segredos indecentes. Cajado Mandado foi convocado às pressas. O ex-relator pudico não quis manchar seu currículo. E quem herda o peso do pecado? Claro, Cajado Mandado!

Cajado Mandado (bocejando): – Se é blindagem o desejado, blindagem terão. Pois não há prazer maior senão calar a Justiça, a ditadura do STF, chega de Constituição! Temos de blindar os nobres da bandidagem!

(Entra o Dr. Crime Engravatado, arrumando o desgastado paletó e a surrada gravata.)

Crime Engravatado: – Bravo, relator! Tu és sempre a argamassa da muralha jurídica protetora de nós! Com tua pena, faremos da Constituição uma espécie de cofre suíço com senha secreta para nos proteger de quaisquer críticas levianas de nossas emendas secretas para a base eleitoral – e daí para nossos bolsos e campanhas eleitorais. 

Ato II – Filho Pródigo, o Líder Ausente e Vendilhão da Pátria

(Som de trombetas anuncia o aparecimento no monitor do amante do Imperador Donald com a faixa de “Líder da Minoria”.)

Narrador: – Eis que surge o Filho Pródigo do Capachonaro, não com arrependimento, mas com promoção. Por trair a pátria, ganhou liderança do Partido Liberal (!); por endossar intervenção gringa, recebeu milhões em dólares. Na República da Blindagem, o crime de traição nacional é mérito.

Filho Pródigo (erguendo o dedo): – Não necessitam me perdoar, colegas, pois jamais pequei nos States, fora amar o adorável e irresistível Imperador Donald. Mas lembrai-vos: sempre fui fiel ao enriquecimento do meu clã! Em vez de exílio, recebo a liderança como uma homenagem ao meu sucesso de impor um tarifaço à bancada do Boi, do Café, da Soja. Não é esta a verdadeira política tropical?

(O Povo entra, rindo envergonhadamente.)

Povo: – Milagre “pra nóis” não acontece: a luz na conta de energia não abaixa como quer o Lula, a isenção do imposto de renda como enviado ao Congresso não é aprovada, apenas o foro privilegiado desce sobre vós, uma praga de engravatados.

 Ato III – Casamento dos Crimes Organizados na Câmara dos Deputados

(Luzes vermelhas piscando e sirenes. Entra o Dr. Crime Organizado, de terno risca de giz, carregando uma pistola dourada.)

Dr. Crime Organizado: – Caro mano, Dr. Crime Engravatado, estou chegando! Se vós tendes blindagem, eu também quero. Será fácil fundar um partido sob ordem da milícia para as assinaturas necessárias, comprarei diretório e serei um legítimo presidente partidário e… intocável!

Dr. Crime Engravatado (abraçando-o): – Vinde, caro mano das quebradas! Na Casa da PEC, não há distinção: todo crime, quando bem votado, vira virtude constitucional.

(Eles dançam uma valsa macabra. O Povo observa em silêncio, depois grita.)

Povo: – Cínicos! A blindagem é vossa, mas a conta sobra prá nóis!

 Ato IV – O Epílogo do Narrador

(Todos no palco, rindo e brindando. O Povo é empurrado para o fundo.)

Narrador: – E assim se cumpriu o Auto da Impunidade, vulga PEC da Blindagem ou Bandidagem: o crime se casou definitivamente com a política, o Congresso assinou a anistia para todos os criminosos, inclusive, e o povo, mais uma vez, foi convidado apenas para pagar o banquete.

(Cortina se fecha. Voz final em off do Narrador.)

Narrador: – No Brasil, a Justiça é cega, mas a política enxerga longe.


*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Foto de capa:  Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

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