Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
A China, via um Capitalismo de Estado ou um Socialismo de Mercado sempre está em busca de solucionar o problema de oferta de empregos suficiente para o pleno emprego de sua imensa população (total de 1,409 bilhão pessoas em 2024). Deixado apenas para um livre-mercado, dependeria de tecnologia, produtividade, espírito empreendedor e crédito para a alavancagem financeira da rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio.
O uso capital de terceiros emprestado dependeria das despesas financeiras abaixo do lucro operacional, propiciado com a economia de escala na maior produção com custos fixos relativos mais baixos. Por sua vez, a demanda de empregos dependeria de fatores demográficos, capacidade profissional adquirida com ensino e educação e necessidades sociais.
O tema revela a diferença entre o pacto social implícito no capitalismo liberal (pleno emprego como consequência casual de iniciativas privadas) e a forma como a China busca responder ao mesmo dilema de maneira planejada e/ou com regulação do mercado. Organizo a análise em três camadas complementares: lógica geral, instrumentos de política e problemas a serem enfrentados.
Em termos lógicos, tanto o Ocidente quanto a China partem da mesma explicação para o desemprego: oferta e demanda são independentes e se encontram ou ao acaso do mercado (aqui) ou por planejamento estatal (lá). A oferta de empregos está ligada à tecnologia, à produtividade, ao investimento, ao crédito e à expansão de empresas. A demanda por empregos, por sua vez, liga-se à demografia, à qualificação e às necessidades de renda. São fatores independentes.
Ao contrário do capitalismo liberal, no qual “a mão invisível” deveria alinhar oferta e demanda – e rara e circunstancialmente geraria pleno emprego –, a China busca planejar politicamente esse alinhamento. A solução chinesa está em articular Capitalismo de Estado, com uso de empresas estatais, bancos públicos e planejamento estratégico para direcionar investimentos, e Socialismo de Mercado com espaço para capital privado, inovação empreendedora e competição, mas sempre subordinado ao objetivo macro de estabilidade social e pleno emprego.
A China não “escapa” de depender também de tecnologia, produtividade, crédito e espírito empreendedor. Mas ela organiza esses instrumentos práticos de forma centralizada e seletiva, garantindo a oferta de empregos não depender apenas da rentabilidade privada imediata.
A Oferta de Empregos é estabelecida por meio de, primeiro, planejamento quinquenal: fixa metas setoriais e regionais, garantindo investimentos em infraestrutura, indústria e serviços de alto valor agregado. Empresas estatais absorvem mão de obra em setores estratégicos e funcionam como amortecedores de desemprego em crises.
Crédito direcionado (via bancos públicos) financia a expansão de setores de interesse nacional (tecnologia, energia limpa, urbanização). Economia digital e empreendedora é estimulada em áreas urbanas dinâmicas, mas regulada, para evitar monopólios destrutivos de emprego.
A Demanda de Empregos se relaciona, em longo prazo, às políticas demográficas: após o fim da Lei do “Filho Único”, há políticas para equilibrar envelhecimento populacional e absorção de jovens. Um processo de urbanização planejada absorveu a transferência de milhões de camponeses para áreas urbanas com geração de novos empregos em serviços.
Foi necessária a educação massiva e técnica com expansão de universidades, ensino profissionalizante e capacitação tecnológica, inclusive pela formação do maior número de estudantes de pós-graduação nos Estados Unidos em anos seguidos. O Estado atua também como provedor de segurança social mínima com aposentadoria, assistência à saúde e habitação sustentando o consumo interno.
Porém, há problemas estruturais a serem superados. Primeiro, a economia de escala e a automação aumentam a produtividade, mas reduzem a necessidade de trabalho — daí a ênfase em serviços urbanos, inovação e economia digital.
Permanece a dualidade urbano-rural: ainda existe um exército de reserva no campo — e a transição para empregos urbanos de qualidade é desigual. Da mesma forma, a qualificação é desigual: nem toda a população acompanha o ritmo de modernização tecnológica.
Além disso, somam-se tensões geopolíticas. A desaceleração global e as restrições externas (EUA/Europa limitando semicondutores, IA etc.) pressionam a capacidade de criar empregos de qualidade internamente.
Enquanto no capitalismo liberal o pleno emprego é promessa implícita, mas raramente cumprida, a China trata o emprego como variável política central. Por isso, organiza a interação entre oferta e demanda de empregos por meio de planejamento estatal, empresas públicas e crédito direcionado.
Ao mesmo tempo, permite o dinamismo privado. O desafio está em equilibrar produtividade crescente com absorção de mão de obra, em um contexto de transição demográfica e tecnológica.
Vou sistematizar as estratégias da China para, em julho de 2025, a taxa de desemprego pesquisada na China estar em 5,2% em termos de oferta e demanda de empregos.
Tecnologia e Produtividade Investimento estatal em inovação (5G, IA, energia verde), combinado com transferência de tecnologia via empresas estatais e joint ventures, absorvem mão de obra em setores novos. Exige formação de engenheiros, técnicos e cientistas para acompanhar a demanda por competências avançadas.
Para despertar “o espírito empreendedor “, há estímulo a pequenas e médias empresas (PMEs) privadas e plataformas digitais. Zonas econômicas especiais oferecem incentivos. Jovens formados são incentivados a abrir startups e políticas locais apoiam incubadoras e aceleração de negócios.
Quanto ao crédito e financiamento, o sistema bancário estatal garante crédito direcionado, reduzindo risco de falência e ampliando investimentos produtivos. Trabalhadores são beneficiados, indiretamente, pela geração de novos postos de trabalho sustentados por crédito barato.
A economia de escala em megaprojetos de infraestrutura (ferrovias, cidades e energia) absorve milhões de trabalhadores direta e indiretamente. Dada a necessidade de migração interna do campo para cidade, ajusta a oferta de trabalho a esses projetos.
O controle demográfico – “política do filho único” até 2015, depois flexibilização – moldou ritmo da entrada no mercado de trabalho. O atual envelhecimento populacional pressiona pela qualificação dos jovens e pela inclusão de idosos em novas funções.
Quanto à educação e capacitação profissional, os massivos investimentos em ensino técnico, superior e pesquisa aplicada. Coloca ênfase em STEM: sigla em inglês representativa das áreas de estudo de Ciência (Science), Tecnologia (Technology), Engenharia (Engineering) e Matemática (Mathematics). Esse conjunto de disciplinas interligadas promovem o desenvolvimento de habilidades como o pensamento crítico, a inovação e a resolução de problemas, sendo fundamental para preparar os alunos para carreiras na economia atual e futura. A crescente demanda por Educação Superior gera mão de obra mais qualificada, mas cria problemas de absorção para todos os formados.
As necessidades sociais se referem à construção de habitação, saúde pública, segurança alimentar e serviços urbanos e criam empregos intensivos em mão de obra. A população exige melhoria de condições de vida e o Estado chinês responde gerando setores de bem-estar social como grandes empregadores.
Há uma política estatal direta, porque empresas estatais mantêm empregos mesmo em baixa de rentabilidade, funcionando como “amortecedores sociais”. Programas de redistribuição e seguridade (mínimos ainda limitados) tentam reduzir desigualdade entre regiões urbanas e rurais.
A China não elimina a lógica de tecnologia, produtividade, empreendedorismo e crédito – elementos também presentes no capitalismo ocidental –, mas integra esses fatores dentro de um arcabouço de planejamento estatal com vista a reduzir o risco de desemprego estrutural. Assim, o “socialismo de mercado” funciona como um mecanismo de coordenação política da oferta e demanda de trabalho, em vez de deixar esse ajuste apenas às forças “espontâneas” do mercado.
Bradford DeLong, ex-secretário adjunto do Tesouro dos EUA (Valor, 29/08/2025), afirma ser possível uma síntese sino-americana.
“A elite tecnocrática de engenharia da China resolve problemas com concreto, aço e escala, isto é, com estradas, pontes, usinas de energia e outros projetos gigantescos. O mesmo impulso se estende à sociedade, refletido na notória política do filho único e na repressão ao Tibete e Xinjiang. A tecnocracia chinesa valoriza a ordem, o controle e as conquistas visíveis.
Em contrapartida, a elite legalista dos EUA resolve problemas atribuindo direitos à propriedade e à segurança. Isso cria as condições para as pessoas viverem como desejam – e o empreendedorismo e a inovação surgem de forma natural. A resposta reflexiva a qualquer problema é estabelecer outro direito ou privilégio, atraindo mais pessoas para as estruturas necessárias para o acordo e a aprovação.”
*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
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