Por ANGELO CAVALCANTE*
Perdoai, ó Pai, todos os nossos erros e nossas ofensas assim como nós devemos perdoar a quem nos tem ofendido”.
O Pai Nosso de Jesus , o Cristo.
Dos aprisionados pelo ardil da tentativa de golpe contra a democracia brasileira e perpetrado pelo detento Jair Bolsonaro e seus criminosos fardados ou não, a figura do general Augusto Heleno é, de longe, a mais emblemática e simbólica.
Na sua iminente prisão e que, de fato, está por um fio a partir de exames neurológicos e que irão, em definitivo, (quem sabe) comprovar seu Alzheimer, Heleno enfim, revela o que é… Um homem fraco, moralmente débil e que ergueu uma carreira militar orientada pelo golpismo, pela traição e pela entrega de companheiros de farda, sobretudo, aqueles respeitadores da lei, probos e inocentes, aos imundos e sanguinolentos cárceres da ditadura militar.
Heleno nasceu ‘ Augusto Heleno Ribeiro Pereira ‘ em Curitiba (tinha de ser!), a capital dos paranaenses, em 29 de outubro de 1947 e possui, portanto, para os dias de hoje, 78 anos.
Esse homem é, digamos assim, um naco temporal, uma intersecção de tempos; é um ser jurássico e que flanou triunfal desde o golpe “meia quatro” e que, bem sabemos, tratou de, desde as bases, implodir com nossas possibilidades democráticas; que torturou para mais de cinquenta mil brasileiros, matou, eliminou comprovadamente quatro mil concidadãos e empurrou o melhor da nossa militância de esquerda e progressista, militância, por sinal, política, teórica e analítica, às armas e ao aberto enfrentamento ante às forças regulares.
Isso foi Augusto Heleno! Mais ainda… Heleno foi um cão, um pitbull feroz, sumário e impiedoso!
Lambia os cadarços e coturnos do general Sylvio Frota (1910-1996), o mais pérfido, degenerado e incontido dos oficiais do golpismo.
Frota… Ora… Nem a vanguarda dos generais golpistas de 1964 suportava Frota. Como uma víbora, uma serpente, escorria silencioso, tramando, tecendo, fiando golpes por dentro de golpes e mais golpes.
O próprio general Geisel (1907-1996), já não suportando a incontida peçonha traiçoeira de Frota, pessoalmente trata de demiti-lo da condição de Ministro do Exército, exigindo por sinal, seu imediato afastamento físico e geográfico de todos os postos e locais de comando das forças armadas brasileiras.
Frota, um militar burocrata e fanatizado por certa “missão divina” das forças armadas na condução do Brasil rumo ao panteão das principais nações do mundo, escreve sua “magna opus”: Ideais Traídos ; um livro extremo, radical, obtuso, nonsense e em um sempre favor do golpismo, contra a democracia popular e criticando o submetimento das Armas ao império da lei; isso, esse amontoado textual é, na verdade um tratado em favor da traição nacional e da ruptura da normalidade democrática.
Um pavor!
Pois sim… Fora precisamente essa influência perversa e deletéria que constituiu o ethos profissional e militar de Heleno; foi esse mundo-cão, supersticioso e obscuro que recheou de sentido e perspectivas o ser militar de Heleno.
Reparem bem…
…Augusto Heleno era desses que visitava moedores e necrotérios de torturas e ao ver corpos dilacerados, abertos e entreabertos do melhor da nossa juventude, sorria para verdugos e carniceiros e, caloroso, lhes arremetia um sincero e sinistro: “Bom trabalho!”.
Jamais admitiu que sua linha dura pudesse perder para a abertura democrática e sinalizada pelo derradeiro general e presidente, João Batista Figueiredo.
Aliás, as bravezas de Figueiredo contra os que se opunham ao esforço da dita “abertura democrática, lenta, gradual e segura”, tinha endereço, nome e CEP; era destinada justamente aos sectarios “linha dura” da qual Augusto Heleno era ativa e entusiasmada parte.
A anistia veio, o regime militar se encerrou, exilados regressaram, presos políticos são liberados, mas o ódio de Heleno seguiu pulsando, latejando em seu peito, em sua subjetividade, em suas visões.
Nos governos civis e que daí advieram, Heleno ficou restrito às rotinas burocráticas dos quartéis e, não raro, fazia parte de delegações ou representações internacionais.
Em 2004, fora designado como comandante da “Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti” (MINUSTAH), um consórcio militar definido pela ONU a fim de ajudar na reconstrução política do país caribenho.
A missão era clara: garantir paz e apoio logístico nos esforços por reconstruir um devastado Haiti por incontáveis conflitos internos.
Heleno não só fracassou em sua missão como deixou um rastro de mortes e crimes na capital Porto Príncipe e que ainda hoje não fora esclarecido.
Ao fim de 2017, a MINUSTAH foi encerrada com um saldo negativo de mortes e abusos e que envergonhou o mundo. Cerca de 37.000 militares regressam, ao fim, ao Brasil.
Missão não cumprida!
As denúncias contra o pleito de Heleno variam de diversas e injustificadas chacinas nas periferias da capital, sobretudo nas margens de Cité Soleil , a maior periferia da capital, passando por estupros de adolescentes e invasões de residências e roubos sistematizados.
Esse é Heleno!
Retorna alvissareiro ao destaque político nacional justamente com o ascenso de um dos seus piores subordinados, um capitão medíocre, vaidoso e indisciplinado de nome Jair Messias Bolsonaro.
Aliás, há uma clara linha identitária, sucessória e auto-explicada que por fim, ata e enlaça Frota/Heleno/Bolsonaro.
Depois disso… Todos sabemos da história!
Heleno vira Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República de Jair Bolsonaro e, portanto, assessor direto e imediato das principais decisões e comandos de Bolsonaro e que, bem sabemos, irão afundar o Brasil numa onda de perseguições que lembrou o clímax, o gozo militaresco e efervescente de 1968 quando o golpe é renovado com o AI-5 (Dez/1968) e das maiores ondas de encarceramento da história do Ocidente.
Agora, pela mais legítima, autêntica e profunda ação do Supremo Tribunal Federal, Augusto Heleno, já condenado, aguarda a perícia médica para atestar sua torpeza demente a partir do Alzheimer para ser detido pelos próximos dezoito anos.
Bom… De certo, essa figura repulsiva estará comprometida com essa grave doença! Que vá para seu domicílio, que cumpra sua pena no seu lar, com cuidados médicos devidos e adequados; que o ódio que tanto tramou por toda sua vida, não o atinja; que não seja largado em uma cela úmida e fria, que tenha acesso pontual a todos os seus remédios; que, ao defecar, não fique com sua sujeira por 24/48 horas; que suas fraldas sejam trocadas permanentemente, que não tenha assaduras e outros ferimentos íntimos.
Que tenha acesso a água potável e perene, todo o tempo. Que seus aposentos estejam sempre higienizados, asseados e apropriados para seu decadente e terminal corpo.
Essa será nossa vingança: a DEMOCRACIA acontecendo no cotidiano de um assassino como Augusto Heleno.
Agora, o seu Alzheimer…. Esses serão os espectros fruindo pelas ondas dos tempos até ao juízo faltoso e fragmentário de Heleno; são os assassinados pela ditadura, são os pretos destruídos no Haiti; são as vítimas da COVID-19, esses anônimos que morreram pelo “MiMiMi”.
Peça perdão, Heleno… Peça perdão pública por todo o mal que fez porque agora, os “outros” entrarão em cena, em sua cena!
Que Deus tenha piedade!
*Angelo Cavalcante é economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara.
E-mail : angelo.cavalcante@ueg.br
Foto de capa: IA




