Da REDAÇÃO
A decisão do ministro Alexandre de Moraes de decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro revelou não apenas as tensões entre Judiciário, Executivo e oposição, mas também evidenciou uma divisão expressiva no campo editorial da grande imprensa brasileira. A análise da cobertura dos dois principais jornais do país — Folha de S.Paulo e O Globo — mostra posições opostas sobre o mesmo fato. E mais: dentro da própria Folha, há dissonância gritante entre a coluna de Mônica Bergamo e o editorial publicado no mesmo dia.
O Globo: STF fortalecido diante da ameaça bolsonarista
A reportagem de Thiago Bronzatto, publicada em 5 de agosto em O Globo, faz uma leitura institucionalista da prisão de Bolsonaro. Para o jornal, a medida de Moraes é uma resposta necessária e fortalece o Supremo em um momento de ataque coordenado da extrema-direita:
“Agora o magistrado aglutinou, por ora, maior respaldo dos seus colegas por ter colocado a sua cabeça a prêmio, sobretudo no governo Trump.”
O texto reconhece que a medida pode acirrar o discurso da oposição e dificultar negociações com os Estados Unidos. Ainda assim, valoriza o gesto como uma linha de defesa diante do que chama de “insurreição” institucional promovida pelo ex-presidente e seus aliados.
Folha: Moraes criticado na coluna e desautorizado no editorial
Já a coluna de Mônica Bergamo, publicada no mesmo dia, apresenta a prisão como um equívoco. Segundo magistrados ouvidos pela jornalista, Moraes teria “exagerado” e estaria agora isolado dentro da Corte:
“A decisão foi exagerada, desnecessária e insustentável do ponto de vista jurídico.”
A coluna sugere que a decisão rompeu o consenso institucional que vinha se formando em torno da legitimidade do STF diante dos ataques de Trump e da família Bolsonaro. A aposta, segundo ela, é que o próprio Moraes pode ser pressionado a reconsiderar a decisão.
Mas é no editorial da Folha que a dissonância interna se torna evidente. Após descrever Bolsonaro como um “inimigo da Constituição” e um potencial ditador, o jornal defende que ele deveria ter pleno direito à liberdade de expressão, mesmo estando sob medidas cautelares por envolvimento com tentativa de golpe:
“Moraes erra ao mandar prender o ex-presidente por ter se comunicado com apoiadores em atos organizados pela direita.”
“A liberdade de expressão é direito que não abandona nem sequer quem cumpre pena.”
Entre coluna e editorial, a contradição interna da Folha
A contradição dentro da Folha de S.Paulo é explícita — e significativa:
- A coluna de Mônica Bergamo avalia, com base em fontes internas do STF, que a prisão domiciliar foi um erro estratégico e jurídico de Moraes, que enfraqueceu momentaneamente a Corte.
- Já o editorial institucional do jornal sustenta que Moraes violou a liberdade de expressão de Bolsonaro, sugerindo que mesmo um réu acusado de tentativa de golpe deve ter liberdade plena para falar em atos políticos.
Essa dissonância não é apenas de tom, mas de fundamento jurídico e político.
Enquanto a coluna ainda reconhece o risco golpista e a necessidade de contenção institucional, o editorial assume uma posição liberal absolutista, que, na prática, reforça a narrativa bolsonarista de censura — ignorando o fato de que Bolsonaro descumpriu medidas cautelares impostas legalmente.
Trata-se, portanto, de um choque entre a análise factual da repórter e o voluntarismo político do editorial, que termina por naturalizar o discurso de perseguição da extrema-direita, mesmo após reconhecer os crimes graves cometidos pelo ex-presidente.

O que está em jogo
Essas divergências não são apenas editoriais. Elas mostram uma hesitação da imprensa tradicional diante do desafio de lidar com uma figura política que atenta contra o Estado Democrático de Direito, mas que ainda mantém capital político.
Ao tentar evitar parecer “parcial”, parte da imprensa flerta com uma falsa equivalência, tratando Bolsonaro como um ator político legítimo, mesmo diante de evidências robustas de sua atuação golpista.
A crise da democracia brasileira não exige apenas vigilância institucional, mas também clareza editorial. E, nesse sentido, a grande imprensa ainda parece tropeçar entre o medo da polarização e a omissão diante da ameaça real.
Imagem da capa: gerada por IA ChatGPT: Jornalões O Globo e Folha de São Paulo em contradição.




