Uma das correntes mais influentes da Igreja latino-americana durante as lutas contra as ditaduras militares, a Teologia da Libertação ganha agora seu primeiro registro cinematográfico de fôlego. Evangelho da Revolução, dirigido pelo francês François-Xavier Drouet, começou a ser exibido no Brasil a partir do dia 26, com sessões no Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e outras capitais — todas seguidas de debates com o cineasta.
Em Porto Alegre, o filme será projetado neste domingo (30/11), às 16h, na Cinemateca Capitólio. Após percorrer festivais internacionais e estrear em diversos países europeus, o longa chega ao país que ajudou a moldar o movimento retratado, reforçando sua relevância histórica e política.
Memória ameaçada
A motivação de Drouet para realizar o documentário surgiu da percepção de que o tempo corre contra a memória da Teologia da Libertação. Muitos dos protagonistas desse período — religiosos, lideranças comunitárias e militantes — envelheceram ou já não estão mais vivos. O filme revisita a atuação dessas figuras que, inspiradas por uma leitura social do evangelho, se colocaram ao lado de trabalhadores, camponeses e perseguidos políticos em plena repressão.
O diretor relata que sua compreensão sobre a potência política da fé latino-americana ganhou profundidade ao conhecer a obra do sociólogo Michel Löwy. A partir daí, iniciou viagens pelo continente e encontrou uma história ainda pouco contada: a de comunidades cristãs que fizeram da espiritualidade um instrumento de transformação social, subvertendo o senso comum de que religião serve apenas para aplacar conflitos.
Religião como trincheira
O documentário recupera trajetórias de bispos, padres e agentes pastorais que desafiaram regimes autoritários, atuando como ponte entre movimentos populares e a proteção institucional da Igreja. Entre os entrevistados estão Frei Betto, Leonardo Boff e padre Júlio Lancellotti, além de registros históricos de Dom Óscar Romero, assassinado em 1980 por sua atuação em defesa dos pobres em El Salvador.
Apesar das pressões e punições sofridas durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI, Drouet lembra que a Teologia da Libertação jamais foi formalmente condenada. Seguiu viva nas comunidades e nas pastorais sociais, influenciando lutas por terra, direitos humanos e organização de base.
Raízes brasileiras
No Brasil, a Teologia da Libertação estruturou as Comunidades Eclesiais de Base e teve papel decisivo na criação de movimentos como o MST e o PT. Durante a ditadura, bispos como Dom Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns se tornaram referências na defesa de perseguidos políticos. Nas zonas rurais, a Comissão Pastoral da Terra acompanhou conflitos fundiários e ofereceu respaldo jurídico e espiritual às ocupações.
Esse cenário explica, para o diretor, por que a Igreja se tornou um dos principais redutos de resistência no país — um espaço que os militares não conseguiram dominar completamente. Em outras nações latino-americanas, porém, a violência foi ainda mais brutal, como mostram os casos de El Salvador e Guatemala.
Cinema como espaço de encontro
Produzido com apoio franco-belga, Evangelho da Revolução enfrentou dificuldades para ser comprado por emissoras e plataformas comerciais. A limitação acabou abrindo caminho para uma obra mais livre, centrada em arquivos, depoimentos e narrativas de quem viveu os acontecimentos.
A distribuição no Brasil segue a lógica da própria Teologia da Libertação: prioriza espaços coletivos e sessões acompanhadas de debates. O filme, por decisão do diretor, não estará disponível em plataformas gratuitas, justamente para preservar o diálogo presencial que sempre marcou o movimento.
Entre as exibições programadas, destaca-se a sessão na Fazenda Annoni, em Pontão (RS), onde ocorreram algumas das primeiras ocupações acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra. Para Drouet, retornar ao local é uma forma de reconhecer a importância daqueles que protagonizaram essa história.
Agenda de exibições
Sessões com debate e presença do cineasta
26/11 – Rio de Janeiro – Cinemateca do MAM – 18h30
27/11 – São Paulo – Cinemateca Brasileira – 19h30 (com Frei Betto)
28/11 – São Paulo – Casa da Solidariedade – 18h30
29/11 – Fazenda Annoni/MST (RS) – Instituto Educar – 20h
30/11 – Porto Alegre – Cinemateca Capitólio – 16h
02/12 – Salvador – Cine Glauber Rocha – 19h30
04/12 – Recife – Cinema da Fundação – 19h
05/12 – João Pessoa – Cine Bangüê – 19h
08/12 – Brasília – Cine Cultura – 19h
09/12 – Ouro Preto – Museu da Inconfidência – 18h30
11/12 – Belo Horizonte – Cine Santa Tereza – 17h
13/12 – Petrópolis – Cinemaxx Bauhaus – 17h (com Leonardo Boff)
Sinopse de Evangelho da Revolução
O documentário acompanha a trajetória da Teologia da Libertação, movimento que transformou a atuação da Igreja Católica na América Latina ao unir fé, justiça social e resistência política. A partir de arquivos raros e depoimentos de protagonistas — entre eles Frei Betto, Leonardo Boff, padre Júlio Lancellotti e imagens históricas de Dom Óscar Romero — o filme revela como comunidades cristãs enfrentaram ditaduras, protegeram perseguidos e ajudaram a formar alguns dos mais importantes movimentos populares do continente.
Dirigido por François-Xavier Drouet, Evangelho da Revolução reconstrói uma história marcada por coragem, espiritualidade engajada e disputas dentro da própria Igreja. A obra mostra como, apesar de pressões e perseguições, a Teologia da Libertação permaneceu viva nas bases, inspirando lutas sociais que seguem atuais. É uma viagem pela memória de um movimento que fez da fé um instrumento de emancipação e de transformação profunda da sociedade latino-americana.
Imagem destacada: Divulgação / l’atelier documentaire





Uma resposta
Poucas datas e poucos locais disponíveis. Essa preciosidade não pode ficar restrita a poucos. Por favor, disponibilizem em algum lugar, mesmo sendo pago.