Por CASTIGAT RIDENS*
Pedido transatlântico de Eduardo Bolsonaro: diplomacia legislativa ou circo internacional?
Pois bem, está lançado o mais recente espetáculo da conjugação “autoimportância + paranoia jurídica”: o deputado Eduardo Bolsonaro, exilado voluntário nos Estados Unidos desde fevereiro de 2025, decidiu que seu mandato em Brasília está demasiado ordinário para suas tarefas atuais. Assim, enviou ao presidente da Câmara, Hugo Motta, um ofício solicitando autorização para continuar como deputado — nos EUA, invocando excelsas razões como uma suposta perseguição política e comparando sua situação ao período da pandemia. Nas suas palavras:
“As condições atuais são muito mais graves do que as vividas naquele período. O risco de um parlamentar brasileiro ser alvo de perseguição política hoje é incomparavelmente maior do que o risco de adoecer gravemente durante a pandemia.”
Sim, o senhor Eduardo se acha tão ameaçado quanto um infectado por Covid — mas com mais “gravidade institucional”. E reforça seu papel de defensor moral do Brasil mesmo em terras estrangeiras. Em outro trecho digno de uma autoparódia, acrescenta:
“Desde o meu primeiro mandato, tenho feito da diplomacia parlamentar um dos focos centrais da minha atuação… rede de interlocução internacional que me tornou reconhecidamente o parlamentar brasileiro com maior respeitabilidade no exterior.”
“Maior respeitabilidade no exterior” — só faltou citar a fonte: o espelho.
E, como se faltar à Câmara desde 20 de julho — quando sua licença terminou — e ainda afirmar estar no exterior por segurança não bastasse, ele foi além: sugeriu nas entrelinhas que uma recusa de Hugo Motta poderia colocá-lo “na lista de sancionados” nos EUA, numa brincadeirinha ameaçadora com a lei Magnitsky e possíveis restrições de visto. Um gesto quase digno de chanceler europeu em negociação delicada — não fosse apenas mais um malabarismo retórico, desses que caberiam melhor numa postagem no X (antigo Twitter) do que num ofício parlamentar.
Oh, que sutileza diplomática. Digna de quem confunde Washington com o plenário da Câmara.
PL desiste da PEC da Blindagem: queriam impedir a Justiça, mas caíram na própria cilada
Enquanto Eduardo ensaia seu drama transatlântico, o PL de Sóstenes Cavalcante preferiu um papel de pastelão doméstico. Tentaram emplacar a PEC da Blindagem — aquela que oferecia capa protetora a parlamentares contra investigações e o STF. O povo batizou de PEC da impunidade. Mais justo seria chamá-la de PEC da bandidagem: a blindagem perfeita para corruptos e criminosos de colarinho branco.
O líder Sóstenes declarou que o partido “não será mais protagonista” nessa defesa corporativa, preferindo ser coadjuvante — se algum colega mais afoito quiser assumir.
Mas a cena não termina aí. Como bem observou o comentarista Otávio Guedes, da GloboNews, Sóstenes fez papel de bobo. Foi usado pelo Centrão, colocou a cara a tapa para defender a proposta e, na hora decisiva, ficou sozinho — abandonado pelos próprios aliados. Resultado? O mico histórico: o líder que saiu à frente e descobriu, tarde demais, que marchava sozinho.
Ironia pura: o partido que queria blindar parlamentares não conseguiu blindar nem seu próprio líder da chacota.
Nikolas Ferreira: fake news, Pix e o “braço financeiro” do crime organizado
Se Sóstenes virou piada no palco, Nikolas Ferreira brilhou no picadeiro digital. Em janeiro, o deputado espalhou nas redes sociais uma “denúncia” sobre um suposto monitoramento e até taxação do Pix — medida que jamais existiu. O alarme falso se espalhou como rastilho de pólvora no ecossistema bolsonarista e foi apontado como um dos motivos do recuo do governo em relação à proposta da Receita de ampliar a fiscalização das fintechs.
Essas mesmas fintechs, vale lembrar, são apontadas como um dos principais braços financeiros do PCC. Ou seja: em sua cruzada contra uma taxação imaginária, Nikolas conseguiu, de quebra, manter intacto um dos canais mais usados para lavagem de dinheiro do crime organizado.
Com seu figurino habitual de indignação performática, Nikolas conquistou o que queria: likes, engajamento e a narrativa de que havia “barrado” uma taxação inexistente. Já o país perdeu a oportunidade de reforçar um mecanismo essencial de combate às facções. Tem razão Lula quando critica esses deputados: não são apenas demagogos barulhentos, são obstáculos concretos à segurança nacional.
Ironia das ironias: o mesmo grupo que posa de “linha dura contra o crime” trabalhou, na prática, para proteger o caixa das facções. E tudo embalado em threads inflamadas e vídeos indignados para a plateia digital.
Conclusão sarcástica, mas real
Eis a cena: um deputado exilado em busca de um mandato transatlântico, um líder de partido que foi abandonado e ridicularizado pelo próprio bloco, e um garoto-propaganda de fake news que ajuda — ainda que por vias tortas — o crime organizado. Um trio afinado na arte de transformar política em circo.
Se isso não é a pura caricatura do que há de pior na vida pública brasileira, não sei o que é.
*Castigat Ridens é um pseudônimo criado a partir da expressão latina “Castigat ridendo mores” que significa “corrige os costumes rindo”, muito usada no contexto da comédia como instrumento de crítica social.
Ilustração da capa: Diplomacia da Disney – Ilustração gerada por IA ChatGPT
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