Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Ao proferir seu voto no julgamento da 1a Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino resumiu o que, de fato, pareceu a estratégia dos advogados dos sete integrantes daquilo que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, classificou como o “núcleo crucial” da tentativa de golpe. Dino observou que os advogados, mesmo o do ex-presidente Jair Bolsonaro, não questionaram a “materialidade” do que estava sendo julgado a partir da acusação de Gonet. Traduzindo do juridiquês: nenhum dos advogados argumentou que não houve tentativa de golpe. Segundo Dino, trataram de “afastar autorias”. De novo, traduzindo: todos concentraram-se em dizer que seus clientes não tramaram nem participaram do golpe.
Mensalão
No fundo, é uma situação que remete ao outro importante julgamento penal do STF: a Ação Penal 470, conhecida como Mensalão. Nenhum dos 11 ministros, mesmo o mais brando deles, que foi o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou a existência do fato.
Dosimetria
Assim, advogados que acompanham o julgamento observam que outra vez tudo indica que a discussão irá se concentrar, como no Mensalão, na dosimetria das penas. Tendo o relator Alexandre de Moraes como o mais rigoroso, e Luís Fux como seu contraponto.
Abolição violenta e golpe: ficarão as duas acusações?
Delação de Mauro Cid pode ser questionada | Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Uma discussão que já foi ensaiada nos votos dos ministros agora refere-se a se manterão ao final as condenações pelos dois crimes: abolição violenta do estado democrático de direito e tentativa de golpe. Fux, por exemplo, deixou claro que fará questionamentos sobre se tentativa é mesmo execução. E Dino chegou a dizer que “tentativa de golpe” só se daria a partir do momento em que Bolsonaro não era mais presidente, já que o grupo não daria um golpe para destituir seu próprio governo. Pode ser que as duas imputações só aí estejam para aumentar as penas. Uma prevê entre quatro e oito anos de prisão. A outra, três a dez anos.
Pleno
Fux ainda sinalizou críticas ao fato de o julgamento se dar na 1a Turma, e não no plenário do STF. Mas talvez ele não venha a questionar isso de novo. Quando o STF passou as ações penais para as turmas, ele já tinha sido voto vencido. Sua posição agora não prevaleceu.
Delação
Outro ponto que apresentou fragilidades é a manutenção ou não dos benefícios ao tenente-coronel Mauro Cid por sua delação premiada. Houve algumas sinalizações no sentido de que talvez não seja líquido e certo que ela venha a lhe garantir uma redução de pena.
Nove versões
Mauro Cid fez nove versões diferentes da sua delação, acrescentando pontos e corrigindo outros. Fux foi o que mais questionou, mas não apenas ele. O que ficou claro, porém, é que a acusação não se sustenta na delação: há diversos documentos e outras provas.
Anulação
Assim, ainda que o acordo de delação premiada venha a ser anulado, ele, a essa altura, não invalidaria a acusação. A delação foi, como disse Cármen Lúcia, um “meio de obtenção de prova”. Então, surgiram minutas, conversas de celular, planos, documentos, anotações em agendas…
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Dino: ninguém negou a “materialidade” da acusação | Rosinei Coutinho/STF