Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Corre entre alguns procuradores da República uma impressão de que, diante da robustez da denúncia feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, na denúncia da tentativa de golpe, e da gravidade do fato, os demais inquéritos que há contra o ex-presidente Jair Bolsonaro acabem ofuscados, e talvez nem mesmo levem a uma condenação. Bolsonaro começará a ser julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira. E ele ainda responderá em algum momento por falsificação de atestado de vacina contra a covid e por venda de patrimônio público, na história das joias que recebeu de presente. Esses dois outros casos, porém, talvez sirvam para reforçar a natureza autoritária do ex-presidente.
Poder absoluto
Uma sensação de Bolsonaro de que o poder que o mandato lhe dava seria absoluto, acima do respeito a qualquer regra. Que ele podia usar o aparelho de Estado e seus subordinados para falsificar certificado de vacina ou vender os presentes que ganhava.
Denúncias
De qualquer modo, há no Ministério Público quem avalia que as outras duas denúncias seriam mesmo mais fracas. No caso das joias, ajuda Bolsonaro o cavalo de pau que o Tribunal de Contas da União (TCU) deu no seu entendimento quando aos presentes recebidos.
Ficar com os presentes talvez seja diferente de vender
Aparelho de Estado usado para vender as joias | Foto: Reprodução
A partir de um posicionamento do ministro Jorge Oliveira, que Jair Bolsonaro indicou para o TCU, o tribunal mudou o entendimento que tinha até então. Antes, um acórdão determinava que só poderiam ficar com objetos de uso “personalíssimo”. Ao julgar, porém, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva podia ficar ou não com o relógio Cartier Santos que recebeu de presente do governo da França em 2005, Oliveira argumentou que não há lei específica. E que, não havendo, Lula poderia ficar com o relógio. Ora, se Lula pode ficar com o Cartier Santos, Bolsonaro poderia vender o que ganhou. Mas pode haver uma diferença.
Uso do Estado
A diferença poderá estar no fato justamente de Bolsonaro ter usado a estrutura do Estado e seus servidores ao vender as joias que ganhou. Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de Ordens, embolsando com isso cerca de R$ 500 mil.
Venda
A venda das joias envolveu funcionários do Estado, como o próprio Mauro Cid e seu pai, o general Lourena Cid. Ou o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, que tentou entrar no país com as joias ganhas da Arábia Saudita sem declarar na alfândega.
Presidente
Quando tudo isso aconteceu, Bolsonaro era ainda presidente. Então, avalia-se que todas essas situações envolvendo o Estado e servidores possa agravar sua situação, mesmo que haja uma mudança de entendimento quanto à natureza da posse dos presentes recebidos.
Vacina
No caso do certificado de vacina, Bolsonaro alega que nunca pediu a falsificação. E talvez Mauro Cid não tenha mesmo como provar que recebeu a ordem. Mas, aí, há outro ponto: foi a partir da vacina que o tenente-coronel viu-se abandonado. E resolveu delatar.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congresso em Foco e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Mauro Cid e outros servidores teriam sido usados | Lula Marques/Agência Brasil