Democracia Brasileira Sob Ataque: Como Instituições Reagiram às Crises Entre 2012 e 2025

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Democracia brasileira sob ataque - Imagem gerada por IA ChatGPT

Da REDAÇÃO, com base em artigo de autoria de Cláudio Couto, Rogério Arantes e Fernando Abrucio

Análise mostra como Congresso, STF e entes federativos se adaptaram a ataques autoritários e disputas institucionais, preservando a democracia brasileira.

Entre 2012 e 2025, a democracia brasileira foi colocada à prova por uma sequência de crises que atravessaram os Três Poderes, testaram os limites institucionais do presidencialismo de coalizão e ativaram os mecanismos de defesa do Estado Democrático de Direito. Ao longo de pouco mais de uma década, escândalos de corrupção, polarização ideológica, ascensão do populismo autoritário e uma pandemia global desafiaram profundamente as estruturas políticas do país.

O artigo “Transformação e resiliência institucional na democracia brasileira (2012-2025): polity, politics e policy em interação“, assinado pelos cientistas políticos Cláudio Couto, Rogério Arantes e Fernando Abrucio, e publicado na Revista de Sociologia e Política v. 33, e010, 2025, realiza uma análise aprofundada dessas transformações a partir de um modelo teórico que articula três dimensões fundamentais: polity (as regras e instituições que estruturam o regime), politics (a competição entre os atores e os conflitos políticos) e policy (as decisões de governo e os resultados das políticas públicas). Esse enquadramento busca compreender como esses elementos se influenciam mutuamente em contextos de estresse democrático.

Conceitos-chave: polity, politics e policy

A proposta central do artigo é analisar a democracia como um sistema composto por três dimensões interdependentes:

  • Polity: refere-se à estrutura institucional do regime político. Inclui as regras constitucionais, os arranjos institucionais e as normas formais que definem como o jogo político deve ser jogado. No caso brasileiro, isso abrange o presidencialismo de coalizão, a divisão federativa e o funcionamento do sistema de justiça.
  • Politics: diz respeito à dinâmica entre os atores políticos: partidos, lideranças, movimentos sociais, opinião pública. É o campo do conflito e da disputa por poder. Inclui eleições, coalizões, alianças e enfrentamentos institucionais.
  • Policy: trata das decisões concretas que resultam em políticas públicas. É a dimensão das escolhas de governo e dos seus impactos sociais e econômicos. Também é um campo de disputa, em que atores tentam influenciar a direção das políticas.

A inovação do artigo está em mostrar que essas três dimensões se afetam mutuamente, em múltiplas direções. Políticas públicas podem mudar a competição política (policy determines politics), conflitos políticos podem alterar as instituições (politics determines polity), e novas regras institucionais podem transformar as políticas (polity determines policy). Essa abordagem quebra a visão linear e propõe um modelo mais realista da dinâmica democrática.

Crises e mutações no sistema de governo

A mudança mais significativa observada no período foi no funcionamento do sistema de governo. Com o impeachment de Dilma Rousseff, a fragilidade de Michel Temer e a abdicação de Jair Bolsonaro de liderar uma coalizão no Congresso, consolidou-se o que os autores chamam de “governo congressual”.

Nesse modelo, o Congresso Nacional passa a exercer papel central na formulação de políticas e na gestão do orçamento, enfraquecendo a centralidade do Executivo tão característica do presidencialismo de coalizão. Emendas constitucionais como a EC 86/2015 (emendas impositivas), EC 100/2019 (emendas de bancada) e EC 105/2019 (emendas Pix) consolidaram esse novo arranjo.

Os dados são expressivos: entre 2020 e 2022, o volume de emendas parlamentares subiu 117% em relação aos anos anteriores. As emendas de relator, antes instrumento técnico e discreto, transformaram-se em mecanismo de barganha política, com valores saltando de R$ 5,8 bilhões por ano (média 2003-2018) para R$ 26,2 bilhões no governo Bolsonaro.

A nova dinâmica permitiu que partidos do chamado centrão apoiassem o governo em votações pontuais, sem assumir responsabilidades ministeriais ou composição estável. Isso fragilizou a noção de coalizão e reforçou a autonomização do Legislativo.

STF: do ativismo judicial à contenção do autoritarismo

No campo da justiça, o Supremo Tribunal Federal passou de árbitro institucional a protagonista político. O julgamento do mensalão, a Lava Jato e o combate ao bolsonarismo radical ampliaram a presença do STF na arena pública.

As reformas promovidas pelo Judiciário incluem a fidelidade partidária, o fim das doações empresariais a campanhas e a imposição da cláusula de barreira. Essas medidas diminuíram a fragmentação partidária e tiveram efeitos duradouros sobre o sistema político.

A partir de 2019, com os ataques do governo Bolsonaro à ordem institucional, o STF passou a exercer papel de contenção. Diante da omissão da Procuradoria-Geral da República, abriu inquéritos, julgou lideranças golpistas e atuou para proteger direitos e estruturas democráticas.

A Emenda Regimental 58/2022 foi uma resposta do próprio tribunal às críticas sobre decisões monocráticas e uso excessivo de pedidos de vista. O STF buscou reafirmar sua legitimidade com maior colegialidade.

Federalismo: protagonismo subnacional e resistência

Durante o governo Bolsonaro, o federalismo cooperativo enfrentou tensões. O Executivo federal tentou concentrar decisões e desresponsabilizar-se por políticas essenciais, especialmente na pandemia. Estados e municípios reagiram com protagonismo, fortalecendo consórcios regionais e a atuação direta em políticas de saúde, educação e meio ambiente.

O Consórcio Nordeste, por exemplo, liderou compras de respiradores e vacinas. O Estado de São Paulo impulsionou a produção da vacina CoronaVac. A Justiça, novamente, garantiu a competência concorrente dos entes subnacionais.

Não houve mudanças formais no federalismo, mas houve adaptação comportamental e aprendizado institucional. O resultado foi um novo equilíbrio na relação entre os níveis de governo, com maior autonomia subnacional e necessidade de coordenação intergovernamental.

Democracia sob estresse e capacidade de adaptação

A contribuição mais relevante do artigo é mostrar como a democracia brasileira passou por transformações institucionais significativas, não apenas para sobreviver a crises, mas para se adaptar a elas. A interação entre polity, politics e policy produziu mudanças de comportamento, ajustes normativos e novas formas de governar.

O Brasil não saiu incólume. O sistema político se tornou mais fragmentado, mais judicializado e mais dependente de negociações orçamentárias. Mas, ao mesmo tempo, criou-se uma arquitetura institucional capaz de conter ameaças autoritárias, preservar o funcionamento das políticas públicas e manter o processo eleitoral sob regras democráticas.

Um modelo explicativo para democracias em crise

O caso brasileiro é apresentado como um exemplo relevante para o estudo comparado de democracias sob pressão. Em vez de rupturas ou colapsos, o que se observou foi uma reconfiguração: mudanças estruturais em resposta a ameaças reais. Esse modelo de resiliência institucional, ancorado na interação entre as três dimensões analisadas, pode servir de base para interpretação de outros contextos democráticos.

Ressalvas sobre o governo Lula (2023-2025)

Embora o artigo adote um recorte temporal que vai até 2025, os autores não desenvolvem uma análise específica ou aprofundada sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo iniciado em 2023 é mencionado de forma pontual e aparece como contexto mais recente da transição institucional pós-bolsonarismo, mas não é objeto de avaliação sistemática.

Não há análise de medidas, disputas ou resultados do atual governo sob a ótica do modelo polity-politics-policy. Assim, a interpretação sobre o período 2023-2025 permanece aberta, sendo os primeiros anos do governo Lula tratados mais como parte do “rescaldo institucional” do período anterior do que como fase com características próprias analisadas em profundidade. A ausência de tal análise não compromete os achados principais do artigo, mas aponta para a necessidade de estudos futuros que contemplem esse novo ciclo de governo.


Ilustração da capa: Democracia brasileira sob ataque – Imagem gerada por IA ChatGPT

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