De Niro, 81 anos e sempre atual

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Por LÉA MARIA AARÃO REIS*

“Fatos são fatos. Fatos não constituem a verdade”. Este é um dos recados do ator Robert De Niro, aos 81 anos, um ícone cinematográfico e atualmente protagonista e produtor executivo da minissérie Dia Zero, que vem arrombando o número de acessos de espectadores no streaming, interpretando um ex-presidente do seu país*. Com seis episódios, o título Zero Day remete ao termo que aponta eventual falha de segurança em um software, explorada por hackers antes que os desenvolvedores do dispositivo tomem conhecimento do bug.

Com o formato de série de televisão, espécie conhecida no Brasil como telenovela, os personagens são perfilados superficialmente, as cenas rápidas têm a função de apenas religar situações deixadas para trás, e sequências sensacionalistas de multidões nas ruas funcionam para acordar o espectador entorpecido.

Mas Dia Zero traz de especial o trabalho envolvente, como de hábito, de um De Niro trabalhando pela primeira vez em séries e fazendo um ex-presidente dos Estados Unidos, (George Mullen), às voltas com uma conspiração política interna e barra pesada criada pelos autores da trama, Eric Newman, Noah Oppenheim e Michael Schmidt, e bastante familiar aqui e em outros países. A minissérie é dirigida por Lesli Linka Glatter.

O sucesso da série vem dos temas quentes que ela aflora nesses primeiros meses do tenso início de era Trump e dos sinais de declínio do imperialismo (“democracia para todos ou para poucos alguns?”) dos norte-americanos, implantado desde o segundo período da Guerra Fria.

No centro da história, é claro, se encontra o ex-presidente, ou seja, Robert De Niro. Um homem honesto, que foi amado pela população durante o seu mandato. Além da presidente do momento, uma Kamala Harris fictícia; uma chefe de gabinete ex-amante de Mullen; um assessor que nos deixa na dúvida: “é traidor ou fiel escudeiro?” E um líder da oposição no Congresso agindo nas entrelinhas da política suja. E, é claro, os bilionários francamente mafiosos financiando ações golpistas de seu interesse. Esses últimos, uma alfinetada de Zero Day no proprietário da Meta?

Como tempero da trama, a situação pessoal e complexa do presidente Mullen/De Niro envolvendo uma filha ressentida, deputada da oposição. E — como outra provocação a ex-presidentes da vida real —, a saúde mental do ex-presidente que se mantém estável apenas com o uso de remédios desde a morte, no passado, do filho adolescente.

O sucesso da série se origina também em outros aspectos da realidade. Robert De Niro é conhecido por pertencer ao grupo da indústria do cinema que detesta o personagem de Trump. Em maio do ano passado, em um discurso público, ao microfone diante do tribunal de Nova Iorque onde o ex-presidente era julgado por suborno a uma call girl, De Niro chamou-o de “palhaço” e de “tirano”. E mais: na sua previsão, apostou que o então réu se tornaria um “ditador vitalício” caso fosse eleito. Segundo o alerta do inesquecível ator de Taxi Driver e de O Poderoso Chefão, “a democracia não sobreviverá ao retorno de Trump.” Objetivo secundário do discurso era o de angariar votos para Biden.

Imerso nesse contexto de política suja e teorias de conspiração se encontra o recente sucesso de Dia Zero com o seu cenário de fundo, o do ataque cibernético que ameaça a segurança dos Estados Unidos e faz milhares de mortos.

Se durante os seus primeiros episódios pode irritar a sucessão de incidentes lugares-comuns no desenrolar da trama, nossa sugestão é aguardar a segunda parte da minissérie. O espectador acaba envolvido e maratoneando a saga de Michael S. Schmidt, jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer e um dos três autores da história que também contou com a colaboração do ex-agente do FBI, Clint Watts.

“Desinformação, política imunda e interesses ocultos de grandes empresas de tecnologia e das finanças, infelizmente, dão o tom desafinado do nosso tempo”. De Niro sabe disso.

Publicado originalmente no Fórum 21.

*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.

lustração de capa: Reprodução

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