De “minuta descartada” a “distanciamento político”: as estratégias da defesa no julgamento do 8 de janeiro

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Brasília (DF) 03/09/2025 STF realiza o segundo dia do julgamento dos primeiros oito réus da trama golpista  Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O segundo dia do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 trouxe ao plenário uma série de sustentações de defesa de Jair Bolsonaro e de ex-integrantes de sua gestão. A sessão desta quarta-feira (3) deu continuidade ao processo histórico em que oito réus, incluindo o ex-presidente, respondem por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa armada.

Se no primeiro dia os ministros ouviram a leitura do relatório pelo relator, Alexandre de Moraes, e o parecer da Procuradoria-Geral da República, o segundo foi marcado pela busca dos advogados em desconstruir o cerne da acusação: a existência de uma trama articulada para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e perpetuar Bolsonaro no poder.

Defesa de Anderson Torres: “Atuou para demover Bolsonaro

A primeira defesa a se pronunciar foi a do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres. Seus advogados afirmaram que Torres não apenas não participou de uma conspiração, como teria atuado para tentar dissuadir Bolsonaro de cogitar qualquer ruptura institucional.

Segundo a defesa, documentos como a chamada “minuta do golpe”, apreendida pela Polícia Federal, não passavam de um rascunho descartado, sem validade prática ou operacional. A peça jurídica teria sido utilizada de maneira “indevida” para incriminar o ex-ministro, quando na verdade não teria ultrapassado o campo de meras hipóteses.

A narrativa buscou reposicionar Torres não como conspirador, mas como contraponto interno a eventuais pressões golpistas.

Defesa de Augusto Heleno: distanciamento político e divergências

Na sequência, a defesa do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, sustentou que ele não pode ser incluído no núcleo central de articulação do suposto golpe, uma vez que havia se afastado politicamente de Bolsonaro.

O advogado Matheus Milanez destacou que esse distanciamento se intensificou sobretudo após a filiação do ex-presidente ao PL. Embora não tenha havido um rompimento explícito, Heleno teria reduzido sua participação nas decisões de governo, mantendo reservas públicas e privadas sobre algumas ações.

Para reforçar a tese, a defesa apresentou uma anotação pessoal do general em que constava a frase “Presidente deve vacinar”, usada como evidência de divergência em relação à postura negacionista de Bolsonaro na pandemia. O gesto buscou não apenas dissociar Heleno do ex-presidente, mas também aproximá-lo de valores constitucionais e da defesa da saúde pública.

Além disso, a defesa fez críticas diretas ao relator Alexandre de Moraes, acusando-o de adotar postura inquisitorial. O advogado afirmou que Moraes teria feito 302 perguntas ao réu, contra apenas 59 da Procuradoria-Geral da República, sugerindo desequilíbrio processual e excesso de protagonismo da acusação.

Defesa de Jair Bolsonaro: ausência de provas e críticas à delação de Cid

Por fim, a defesa de Jair Bolsonaro apresentou o que chamou de “inexistência de provas” contra o ex-presidente. O advogado Celso Vilardi negou de forma categórica qualquer vínculo de Bolsonaro com os planos denominados “Punhal Verde e Amarelo” e “Operação Luneta”, bem como com os ataques de 8 de janeiro.

“Não há uma única prova que vincule o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à Operação Luneta e ao 8 de janeiro”, afirmou Vilardi.

O ponto central de sua argumentação foi a contestação da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Segundo Vilardi, o militar apresentou versões contraditórias em diferentes depoimentos, o que tornaria seu relato pouco confiável. “Se a delação é inconsistente em parte, não pode servir de alicerce para uma acusação dessa magnitude”, argumentou.

A defesa também questionou o fato de o processo estar sendo julgado pela Primeira Turma do STF, e não pelo Plenário, alegando que um caso com tamanha repercussão institucional exigiria análise pelo conjunto dos ministros da Corte.

O segundo dia de julgamento deixou claro que as defesas, cada uma a seu modo, tentam desfazer a imagem de uma articulação coordenada para um golpe.

  • Torres aparece como quem buscou dissuadir Bolsonaro;
  • Heleno, como um general que se afastou do núcleo de poder e se manteve institucionalista;
  • Bolsonaro, como alguém sem provas diretas contra si e vítima de uma delação considerada frágil.

Essa estratégia coletiva aponta para um esforço de individualizar responsabilidades e diluir a ideia de um complô centralizada, numa narrativa defensiva baseada mais na ausência de provas materiais robustas do que na negação plena de intenções golpistas.

Confira o resumo do primeiro dia do julgamento aqui.

A Rede Estação Democracia (RED) transmite ao vivo do julgamento da trama golpista, com cobertura em tempo real e análises especiais.

Foto destacada de Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

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