Crise institucional, hiperjudicialização e futuro do presidencialismo: os alertas de Flávio Dino no Fórum de Lisboa

translate

arzh-CNenfrdeitjaptruesyi
Ilustração gerada por IA ChatGPT sobre foto/divulgação: Ascom/TJMA

Da REDAÇÃO

Ministro do STF analisa o papel do Judiciário, o esvaziamento do presidencialismo de coalizão e os desafios do processo orçamentário brasileiro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, fez uma ampla e contundente análise sobre o sistema político brasileiro, a crise institucional e os dilemas do presidencialismo de coalizão durante o Fórum de Lisboa, evento informalmente conhecido como “Gilmarpalooza”. Em palestra sob o título de “Governança Orçamentária e Democracia em Regimes Presidencialistas” , Dino abordou o papel crescente do STF em decisões orçamentárias, o esgarçamento das bases do presidencialismo brasileiro e a hiperjudicialização dos conflitos políticos, econômicos e sociais no país. A palestra de Flávio Dino foi realizada diante de Hugo Motta, presidente da Câmara Federal brasileira, que a ouviu visivelmente incomodado.

O STF como juiz do orçamento e a crise das emendas impositivas

Flávio Dino afirmou que o Supremo tem sido forçado a ocupar um papel inusitado: o de árbitro de temas orçamentários que, originalmente, deveriam ser tratados pelo Executivo e pelo Legislativo. Segundo o ministro, o aumento do protagonismo do STF ocorre em razão da desorganização do devido processo legal orçamentário, em especial no que diz respeito às emendas parlamentares impositivas, que hoje comprometem cerca de 20 a 25% das despesas discricionárias da União.

Ele criticou a falta de uma nova Lei de Finanças Públicas, lembrando que a atual, de 1964, está defasada. Ao assumir a relatoria de ações constitucionais sobre o tema, Dino se descreveu como um “juiz travão”, papel impopular, mas necessário diante da ausência de consenso político e normativo sobre os limites das emendas.

A controvérsia sobre o IOF e a função do STF

Dino também comentou a judicialização da recente polêmica sobre o aumento do IOF, cuja decisão liminar foi proferida por Alexandre de Moraes. Ele ironizou o caráter jurídico da questão, dizendo que alunos do primeiro período de Direito saberiam resolvê-la, e criticou a elevação do tema a uma disputa constitucional.

“Se nós fizéssemos uma banca de concurso de Direito Tributário com alunos do primeiro período da graduação de Direito, todo mundo saberia a resposta sobre essa controvérsia. Ela não tem nada de profundo juridicamente, pelo contrário, ela é rasa” — disse o ministro.

O ministro reiterou que a vocação do Supremo não é construir o futuro, mas arbitrar litígios pontuais — e que transformar o tribunal em instância permanente de conciliação política fragiliza tanto o Judiciário quanto a democracia.

A erosão do presidencialismo de coalizão

O ministro identificou uma transformação estrutural no sistema de governo brasileiro. Segundo ele, os pilares do chamado presidencialismo de coalizão ruíram. Entre os fatores que contribuíram para esse colapso estão a substituição do financiamento privado por fundos públicos, a explosão do chamado “centrão”, a fragmentação do sistema partidário e os efeitos desagregadores da internet sobre o debate público e a institucionalidade.

Dino destacou que o Brasil vive hoje uma espécie de interregno institucional: nem o modelo de coalizão se sustenta, nem há regras eleitorais e orçamentárias adequadas para uma governabilidade estável. “Esse presidencialismo que temos hoje não é compatível com a forma federativa de Estado, tal como configurada na Constituição”, afirmou.

A internet como espaço de guerra e a politização do Judiciário

Para Flávio Dino, a internet funciona como um ambiente de “beligerância e extermínio simbólico”, contrário à lógica do diálogo democrático. Essa dinâmica tem corroído os canais tradicionais de articulação política e favorecido a judicialização excessiva das controvérsias. “A internet monetiza o conflito. Se não houver litigância levada à enésima potência, não dá dinheiro”, criticou.

O ministro reconheceu os riscos da hiperjudicialização e do ativismo judicial, mas também alertou para o perigo oposto: a omissão do STF diante de situações-limite. Usando a metáfora de “salvar Inês”, Dino argumentou que o Supremo não pode se recusar a agir diante de violações de direitos ou disfunções institucionais graves. No entanto, reiterou que o protagonismo judicial não é a solução estrutural para os problemas da democracia brasileira.

Reformas estruturais ou ruptura do modelo

Dino concluiu sua intervenção com uma provocação institucional: diante do desajuste entre o atual sistema de emendas parlamentares, a forma federativa de Estado e o presidencialismo, o Brasil terá que escolher entre reformar profundamente suas regras orçamentárias ou rever seu modelo de governo. Segundo ele, a convivência entre um Executivo fragilizado e um Congresso com poderes crescentes sobre o orçamento cria um impasse político e jurídico que mina a governança.

“Esse padrão orçamentário não é compatível com o presidencialismo. Ou mudamos as regras, ou mudamos o regime”, sentenciou. Para Dino, o STF não pode carregar sozinho essa tarefa: “Não contem com um Supremo absenteísta. Mas também não esperem que ele salve Inês sozinho.”


Veja a íntegra da fala do ministro Flávio Dino.

Ilustração da capa gerada por IA ChatGPT sobre foto/divulgação: Ascom/TJMA

Tags: Flávio Dino, STF, Fórum de Lisboa, Gilmarpalooza, presidencialismo de coalizão, hiperjudicialização, emendas impositivas, Supremo Tribunal Federal, orçamento público, crise institucional

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia..

Gostou do texto? Tem críticas, correções ou complementações a fazer? Quer elogiar?

Deixe aqui o seu comentário.

Os comentários não representam a opinião da RED. A responsabilidade é do comentador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress