Crise Brasil–EUA expõe tradição intervencionista estadunidense e reforça defesa da soberania

translate

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante evento em Linhares (ES)  • Ricardo Stuckert / PR

Por BENEDITO TADEU CÉSAR*

Neste sábado, dia 9 de agosto de 2025, o vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, Christopher Landau, acusou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de “destruir” a relação histórica entre Brasil e EUA. Segundo Landau, um único magistrado estaria usurpando prerrogativas constitucionais, ameaçando os demais Poderes e estendendo de forma extraterritorial a jurisdição brasileira para silenciar indivíduos e empresas em território norte-americano.

O Itamaraty respondeu com firmeza, qualificando a declaração como “novo ataque frontal à soberania” e reiterando que o Brasil — que recentemente derrotou uma tentativa de golpe de Estado — não cederá a pressões externas.

Uma tradição de ingerência

O episódio não é um caso isolado, mas sim o mais recente capítulo de uma longa tradição intervencionista estadunidense. No século XIX, os EUA promoveram guerras e anexações, como o conflito contra o México (1846-1848), que resultou na incorporação de mais da metade do território mexicano, e a guerra hispano-americana (1898), que lhes deu o controle sobre Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas. A chamada Emenda Platt transformou Cuba em um protetorado informal, enquanto as Banana Wars levaram tropas americanas a ocupar Nicarágua, República Dominicana e Haiti para assegurar interesses econômicos e estratégicos.

Golpes e desestabilização

No século XX, a ingerência assumiu a forma de golpes de Estado apoiados diretamente por Washington. No Brasil, o exemplo mais marcante foi o de 1964, quando a ditadura militar foi instalada com suporte logístico e político norte-americano. A operação Brother Sam mobilizou navios de guerra e aviões para apoiar os conspiradores e garantir o sucesso da ruptura institucional. Antes disso, o governo dos EUA já havia financiado candidaturas opositoras e utilizado o Programa Aliança para o Progresso para favorecer aliados regionais, alimentando a instabilidade política.

Mais recentemente, a estratégia estadunidense migrou para métodos de guerra híbrida, como nas ações de desestabilização durante a Primavera Árabe no Oriente Médio, na Ucrânia e, segundo a análise de especialistas em relações internacionais respeitados, no Brasil durante o governo Dilma Rousseff.

Da força militar à pressão econômica

Se antes a pressão se exercia com tropas e frotas, hoje se manifesta por meio de tarifas punitivas e sanções econômicas. O caso mais recente é a imposição de taxas de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada pelo governo Trump sob o argumento de que o país promove uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro — que responde por tentativa de golpe. Essas medidas, somadas às declarações de Landau, são a expressão contemporânea de uma velha postura autoritária e neocolonialista: utilizar o peso econômico e a retórica diplomática para interferir em processos internos de outras nações.

Soberania como princípio inegociável

A democracia brasileira não pode se curvar aos caprichos de pseudo-imperadores globais. Negociar é parte da diplomacia, mas a soberania não é moeda de troca. Ao Brasil cabe reafirmar sua autonomia política, proteger a independência de suas instituições e resistir a toda forma de coerção — militar, econômica ou simbólica. A história mostra que as nações que cedem à imposição externa comprometem não apenas o presente, mas o futuro de sua própria democracia.


Benedito Tadeu César é cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em democracia, poder e soberania, integra a Coordenação do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e é diretor da RED.

Foto da capa: Lula usa boné Brasil é dos Brasileiros durante evento em Linhares (ES)  • Ricardo Stuckert / PR


Tags: intervenção americana, soberania nacional, Alexandre de Moraes, golpe de 1964, Operation Brother Sam, tarifas Brasil, neocolonialismo.

Receba as novidades no seu email

* indica obrigatório

Intuit Mailchimp

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia..

Gostou do texto? Tem críticas, correções ou complementações a fazer? Quer elogiar?

Deixe aqui o seu comentário.

Os comentários não representam a opinião da RED. A responsabilidade é do comentador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress

Gostou do Conteúdo?

Considere apoiar o trabalho da RED para que possamos continuar produzindo

Toda ajuda é bem vinda! Faça uma contribuição única ou doe um valor mensalmente

Informação, Análise e Diálogo no Campo Democrático

Faça Parte do Nosso Grupo de Whatsapp

Fique por dentro das notícias e do debate democrático