Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Há quem diga que a China ultrapassou o comunismo e instituiu na economia do mundo uma espécie da capitalismo de Estado. Nesse modelo, o governo estaria em todos os negócios e definiria prioridades de negócios e investimentos, sendo sócio de todo mundo. Esteja ou não o Estado chinês envolvido nas empresas, a verdade é que a forte expansão das empresas do país no Brasil já começa a produzir uma forte competição entre elas nos mercados que domina. Isso está claro na indústria automobilística, na produção dos carros elétricos. A entrada no mercado brasileiro das montadoras GAC e GWM abriu uma pesada concorrência com a BYD, que hoje é a principal fábrica de elétricos no Brasil, e já teve um crescimento de mais de 300% no Brasil.
Interesse
O presidente da China, Xi Jinping pode não ter vindo para a reunião do Brics, que terminou na segunda-feira (7). Mas isso está longe de significar uma diminuição do interesse chinês no Brasil. Que está longe de se relacionar somente com o mercado de automóveis elétricos.
Hospital
A China, por exemplo, está financiando a construção do primeiro hospital digital de referência do Brasil. O hospital será construído em São Paulo, com mais de 800 leitos. E com tecnologia totalmente chinesa para cirurgias à distância e outros procedimentos de ponta.
Interesse da China em ferrovia para o Peru é grande
BYD estacionou carro em frente ao Alvorada | Foto: Ricardo Stuckert/PR
A construção da ferrovia saindo do porto de Ilhéus, na Bahia, e indo até o Peru é outro projeto com grande chance de sair do papel. Na segunda, foi assinado um acordo de parceria para a sua construção. A China investiu pesado no porto de Chancay, no Peru, e certamente não foi somente para transportar dali produtos daquele país. A ferrovia irá cortar o Brasil pelo meio, saindo da Bahia, passando pela região Centro-Oeste, forte produtora de grãos, chegando até o Peru, e daí até o Oceano Pacífico e finalmente à China. Estima-se uma redução de 40 para 28 dias no deslocamento. Parte importantíssima da “Nova Rota da Seda”.
Política
Os chineses são bem agressivos no jogo econômico. Mas não costumam interferir nas disputas políticas internas dos países dos quais têm interesse. Quem atua com empresas chinesas no Brasil, acha que continuarão não interferindo. Embora haja novos fatores em questão.
EUA
As declarações de Donald Trump em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e as ameaças de sobretaxação de produtos brasileiros mostram que, ao contrário, os Estados Unidos poderão intervir pesado. E, aí, esse tipo de interferência, ao contrário, é tradição dos EUA.
Conflito
No caso, os interesses são frontalmente conflitantes. O aumento da presença chinesa não apenas no Brasil mas em todo o sul do planeta viabilizando a “Nova Rota da Seda” contrasta interesse com os planos dos EUA. A briga política brasileira pode virar internacional.
Economia
De qualquer modo, se não houver interferência direta, que é mesmo improvável, pode haver aquela que tem a cor e o cheiro do dinheiro. A negociação chinesa não é ideológica. E não são poucos os empresários brasileiros que a observam e têm interesse direto nela.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congreso e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade.
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Jinping não veio agora. Mas interesses são grandes | Ricardo Stuckert/PR