Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Os lindos versos do Fado Tropical, declamados por Ruy Guerra no disco Calabar, promovem um interessante diálogo entre Chico Buarque e seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda. O personagem dos versos é o “homem cordial” descrito por Sérgio Buarque. E o “cordial” usado pelo historiador nada tem a ver com gentilezas. O sentido é de passionalidade. Um homem movido pelo coração. Que age, então, como Chico escreve no Fato Tropical: “Mais que depressa a mão cega executa, pois que se não o coração perdoa”. Assim vai o “homem cordial” brasileiro. Sua sina parece sempre alternar momentos de exceção e violência a outros de perdão. E, assim, o “homem cordial” acaba um homem frustrado.
Construção ou ruína

Erros de Moro levaram à anulação da Lava Jato | Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Então, outros versos geniais, esses de Caetano Veloso, resumem a sensação que fica dessas idas e vindas do “homem cordial” brasileiro: “Aqui, tudo parece construção é já é ruína. Ou, nesses também genais de Cazuza: o Brasil se torna, assim, “um museu de grandes novidades”. Há alguns anos, a “mão cega” do então juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná, executou o que seria a maior ação de combate à corrupção brasileira.
História do golpe repetirá a Lava Jato?
Na Lava Jato, o Brasil viu serem presos grandes empresários e altas autoridades do país. A construção, porém, virou ruína quando se descobriu que Moro combinava as ações com os procuradores do Paraná, de modo a que eles levantassem as acusações que depois ele transformaria em sentença. Após essa descoberta, praticamente tudo o que a Lava Jato fez se desfez pela anulação dos processos. Agora, o Brasil executa sua maior ação contra outra triste mania política: o golpe que interrompe por vezes o nosso avanço democrático.
Será que tudo se arruína de novo?
Será que, mais uma vez, antes de ser construção, tudo irá virar ruína? Será que outra vez a “mão cega” da punição será seguida pelo “coração” que perdoa? Será que outra vez as ações e os seus executores verão o que fizeram questionados, outra vez levando a que tudo seja desmontado? No cerne, os questionamentos contra o ministro Alexandre de Moraes.
Moraes
A essa altura, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes já produziu duas notas para tentar explicar suas relações e as do escritório de sua mulher, Viviane Barci, com o Banco Master. Não há provas de irregularidades, mas o caso desgastou imensamente o relator do golpe.
Esqueletos
Dizíamos por aqui que a grande preocupação do presidente do STF, Edson Fachin, é com os “esqueletos no armário”, que podem ser usados para justificar eventuais processos de impeachment contra ministros caso de forme um Senado ainda mais hostil após as eleições de outubro do ano que vem.
Dilma
O caso do impeachment de Dilma Rousseff demonstra que tais processos de afastamento não precisam necessariamente de provas cabais. Bastam indícios. Apesar da cara de julgamento, processos de impeachment são políticos, até porque, no caso, os juízes são parlamentares. São senadores.
Damares
Na terça-feira (23), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) protocolou um pedido de impeachment de Alexandre de Moraes. Talvez esse primeiro pedido venha a ser fadado ao fracasso pelas suas circunstâncias. O Congresso está em recesso, só retorna às suas atividades em fevereiro. Até lá, tudo irá depender de como as coisas evoluirão.
Apuração
Pelo que se sabe até agora, o contrato do Master com o escritório de Viviane não se concretizou, até porque o banco faliu. Mas ele previa um pagamento mensal de R$ 3,6 milhões durante três anos para a defesa do banco. Infelizmente, muitas vezes os julgamentos políticos invertem o ônus da prova.
Diálogo
Moraes nega que tenha falado com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, sobre o Master quando esteve com ele. Nada disso tem a ver com a tentativa de golpe de Estado. Mas desgasta o dono da “mão cega”, abrindo espaço para que o coração perdoe. E para que outra vez a construção termine em ruína.
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congreso e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade.
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Ação contra o golpe: de novo a construção vira ruína? | Valter Campanato/Agência Brasil




