Por RUDOLFO LAGO*, do Correio da Manhã
Há dois clássicos da distopia que sempre impressionam pela capacidade de antecipar o que acabou de fato acontecendo com a humanidade. “Admirável Mundo Novo” foi escrito em 1932 por Aldous Huxley. “1984”, obra de George Orwell, é de 1948. O final da década de 1980 parecia que faria prevalecer o mundo de Huxley: os bebês de proveta tornavam realidade o que ele profetizara sobre inseminação artificial, e aquele momento de suposta vitória do capitalismo apontava para um mundo dominado pelo hedonismo, pelo consumismo e pela ilusão provocada pelas drogas da felicidade. Esta segunda década do século 21, no entanto, faz prevalecer Orwell. Não pela esquerda, como ele imaginava, mas pela extrema direita.
Vigilância
As tecnologias que fazem com que celulares, Alexias e outros aparelhos nos vigiem o tempo todo lançam uma era de Big Brother. Mas é principalmente pela distorção da verdade, que inverte significados e crenças que a distopia de George Orwell parece ter se instalado.
Verdade
O mundo de Orwell antecipava um triunfo do stalinismo. Mas, hoje, a reconstrução da verdade ganhou muito maior sofisticação com as redes sociais surgidas nos Estados Unidos, a meca do capitalismo, que hoje abriga a raiz da nova extrema direita.
Orwell inverteu 48 por 84. Aqui, invertemos 2025

Quanto tempo a onda leva até Lavras Novas? | Foto: Rudolfo Lago/Correio da Manhã
No mundo de Orwell, os ministérios tratavam de fazer justamente o oposto do que diziam suas nomenclaturas. O Ministério da Paz cuidava da guerra. E o Ministério da Verdade tratava de distorcer os fatos fazendo prevalecer a mentira. A Londres de Orwell bem poderia ser a Brasília de hoje. Sob o argumento de defesa da pátria, atacam-se os interesses nacionais. Com o propósito de defesa da família, de um modo geral, defende-se uma única família. A desculpa de condenar abusos do poder Judiciário serve para blindar parlamentares do julgamento dos seus crimes. Quem defende pichadoras de batom é mesmo nelas que está pensando?
Voto
Orwell talvez tenha imaginado em 1948 uma ascensão stalinista pelo caminho tradicional da revolução. A distopia do 2052, porém, se dá pela própria vontade, pelo voto do cidadão. Por um lado, um caminho mais perigoso. Por outro, uma rota que pode ser corrigida.
Blindagem
É ingênuo imaginar que a simples presença de Chico Buarque ou Caetano Veloso tenha levado multidões às ruas contra a PEC da Blindagem. Até porque não foi só no Rio de Janeiro. O que parece ter movido as pessoas é essa percepção da inversão de fato dos valores.
Reflexos
Até onde, porém, irão os reflexos dessa reação é difícil prever. As férias que esta coluna tirou justamente quando o turbilhão acontecia em Brasília acabaram virando uma lição. O que acontecia nos grotões enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro era julgado e condenado?
Vida
Pelos caminhos da Estrada Real, onde boa parte da história brasileira foi escrita, a vida seguia. E muito pouco do que movia a capital do país parecia emocionar ou impressionar. O tempo do efeito dessas ondas não é fácil de prever. Quanto tempo leva para 2025 virar 2052
*Rudolfo Lago é jornalista do Correio da Manhã / Brasília, foi editor do site Congreso e é diretor da Consultoria Imagem e Credibilidade.
Publicado originalmente no Correio da Manhã.
Foto de capa: Num mundo à Orwell, o ministro da Pátria | Lula Marques/ Agência Brasil




