Artigo 2/7 da série Porto Alegre sob cerco
Da REDAÇÃO
A arma institucional: como a Comissão de Ética virou instrumento contra a oposição
A Comissão de Ética da Câmara Municipal de Porto Alegre, tradicionalmente destinada a avaliar condutas parlamentares em situações excepcionais e de caráter grave, tornou-se, em 2025, protagonista de uma disputa política que ameaça a integridade do Parlamento. Sob a presidência da vereadora Comandante Nádia (PL), o órgão passou a ser utilizado como mecanismo de pressão e intimidação da oposição, transformando divergências políticas em supostas infrações disciplinares e criando um ambiente que distorce o propósito institucional do processo ético.
O episódio mais significativo ocorreu após a presidência da Câmara proibir que vereadores oposicionistas utilizassem a sala de imprensa para apresentar informações relativas à CPI do DMAE. Diante da proibição, os parlamentares realizaram uma coletiva no Plenário Otávio Rocha — espaço que, por definição, pertence ao exercício da atividade legislativa. Ainda assim, a presidente da Casa protocolou uma representação na Comissão de Ética pedindo a cassação de 12 vereadores de oposição por “uso irregular” das dependências da Câmara.
A acusação rapidamente foi considerada desproporcional por juristas, especialistas em direito parlamentar e entidades democráticas. O Plenário é o espaço central da atividade legislativa; sua utilização para comunicar à população decisões ou análises é prática comum em assembleias e câmaras de todo o país. A própria razão de ser do Parlamento implica a presença pública, e não o confinamento de suas atividades a salas controladas pela presidência.
Apesar disso, a Comissão de Ética aceitou a tramitação da representação e enviou notificações aos parlamentares, que passaram a ter prazo para defesa. Para oposicionistas, a medida não apenas não tem fundamento jurídico, como constitui uma forma clara de retaliação política.
O caso gerou forte reação dentro e fora da Câmara. Vereadores afetados classificaram a iniciativa de Comandante Nádia como “uma tentativa flagrante de silenciar o contraditório”. Entidades de direitos humanos e movimentos sociais alertaram para o uso abusivo de instrumentos institucionais com o objetivo de enfraquecer a pluralidade política. Especialistas também destacaram que o Decreto-Lei 201/1967 — frequentemente citado em acusações desse tipo — exige condutas dolosas, graves e incompatíveis com o exercício do mandato, não atos de rotina como uma coletiva de imprensa.
Para além da disputa jurídica, o que se observa é um movimento mais profundo: a tentativa de transformar a Comissão de Ética em um instrumento disciplinar, subordinado aos interesses conjunturais da presidência da Casa. Trata-se de uma distorção perigosa, pois sugere que mecanismos projetados para defender a institucionalidade podem ser convertidos em armas para sufocá-la.
O episódio adquire contornos ainda mais preocupantes quando contextualizado no conjunto de práticas adotadas em 2025. A mesma administração que acionou a Comissão de Ética contra parlamentares é aquela que determinou repressão policial dentro da Câmara, fechou as galerias ao público e promoveu medidas que restringem a atuação de movimentos sociais e de trabalhadores urbanos.
O padrão se repete: a oposição é tratada como elemento indisciplinado; a crítica, como ameaça; e o instrumento institucional, como ferramenta de coerção. Em outras palavras, a Comissão de Ética sai de seu papel protetivo e passa a funcionar como aparelho de controle político.
A jurisprudência e a literatura sobre direito legislativo são claras: cassações ou ameaças de cassação não podem ser usadas como mecanismos de intimidação política. O mandato pertence ao eleitor e não à presidência da Casa. Qualquer tentativa de usurpar essa soberania popular configura desvio de finalidade.
O impacto político é imediato. A incerteza sobre a integridade dos processos dentro da Câmara abala a confiança pública, provoca apreensão entre parlamentares e cria um ambiente de permanente vigilância. Vereadores oposicionistas relatam que a simples possibilidade de uma nova representação provoca autocensura, receio de pronunciar-se livremente ou de utilizar espaços institucionais, o que compromete a função fiscalizadora essencial ao Legislativo.
Para movimentos sociais, a situação não é apenas disputa interna do Parlamento, mas parte de uma estratégia maior de silenciamento da crítica. A escalada de tensionamentos, somada ao uso punitivo da Comissão de Ética, revela uma Câmara que se afasta de sua missão pública e se aproxima de práticas associadas à erosão democrática.
A história do municipalismo brasileiro mostra que as instituições locais são particularmente vulneráveis a ciclos de autoritarismo difuso, em que pequenos atos administrativos e decisões aparentemente técnicas constroem, aos poucos, um ambiente hostil ao dissenso. O que se vê em Porto Alegre, em 2025, é um exemplo vivo desse risco.
A RED segue avaliando os desdobramentos da representação contra os vereadores e cobrará transparência total do processo. A integridade da Comissão de Ética — e sua capacidade de resistir ao uso político — é fundamental para preservar a pluralidade e o equilíbrio de forças dentro do Parlamento.
A série continua. No próximo artigo, analisaremos as propostas legislativas e administrativas que visam restringir atividades de catadores e trabalhadores urbanos, revelando como a agenda de higienização se articula ao controle social e à exclusão política.
Leia também os artigos anteriores da série:
• Escalada autoritária na Câmara de Porto Alegre: RED denuncia ataques à democracia local
• Repressão dentro da Câmara: violência policial marca ruptura democrática em Porto Alegre
Ilustração da capa: Imagem gerada por IA ChatGPT




