Por ADELI SELL*
Eu leio e sei quem vai longe na escrita. Aprendi boas coisas nas aulas de Letras da UFRGS.
Quando da publicação de “A Língua de Medusa” (2022) escrevi uma resenha. Mostrando as qualidades literárias de Gabriela Leal. Tinha certeza que seria uma obra premiada. E foi. Desta feita, adianto que será novamente premiada. Seu “Leopardo”, lançado mais uma vez pela ZOUK, fará sucesso.
Jorge, Miguel e Lorena: três guerreiros. Jorge, certamente o mais forte, morre. Leiam. Reflitam.
Miguel que derrotou alguns diabos, mas não teve a força de derrotar alguns de seus fantasmas e medos.
á Lorena, se não vence tudo, é uma que pode levantar a taça da coerência, da força e da determinação.
Personagens não caem do céu. São difíceis construções. Para parar de pé, andar por aí, viver, serem aceitos pelo leitor têm que ser complexos, ter substrato. Personagens planos/rasos são insossos, não apaixonam o leitor em geral. Ninguém gosta muito dos seus iguais. Quem lê quer mais. Queremos essência, como sorvete de pistache, tem que sentir aquela sementinha adocicada. Não basta o leite condensado.
A técnica de Gabriela Leal em “Leopardo” é inovadora. Como diz Caroline Joanello na orelha: “(…) impecável a escolha de Leal em narrar Miguel em terceira pessoa, e dar a Lorena toda a liberdade de pegar a caneta e contar a própria história”.
Gabriela se utiliza de cartas para dar voz e peso à sua personagem central, Lorena, escrevendo para o “Querido Leopardo”, o gato, por sinal bem posto na capa. De fera para fera, ela provoca o “Leopardo” por vezes, para poder expor de forma mais feroz sua visão de mundo. Na verdade, a cada frase temos reflexões de alto teor psicológico ou filosófico: “Quem ama a juventude poderá amar a velhice?” E na veia: “Se não fosse o gato, Miguel teria sucumbido à depressão”.
No parágrafo final temos o resumo de um enredo fascinante, que pede uma “leitura SELVAGEM”, como a autora anotou na dedicatória a mim e para a Rosângela:
Ela escrevendo ao “Leopardo” diz para arrematar tudo:
“Se não fosse pela minha teimosia, estas cartas para você nunca teriam existido, Leopardo, porque esse homem ainda estaria lá, no corredor do hotel, adestrado pelo próprio medo, sem dizer uma palavra, decerto sobrevivendo a si mesmo, com o caralho duro marcado na calçada e o livro tremando na mão.”
Por isso, concordo com a Nathalia Protazio que, na contracapa, nos diz que é “uma ode à contemporaneidade: ser ‘nômade para ser livre, é impossível dominar uma mulher em movimento’.”
Nem poderia deixar de citar Luciano Mattuela, também na contracapa: “Um livro como uma fera, na hora do ataque, nos despedaça com a certeza de que o erótico é a forma mais visceral e crua de se dizer a verdade”.
Além deste dualismo Lorena/Miguel não se pode deixar de pensar na vivência dela com Jorge, que ela perde quando os gêmeos são muito pequenos, o lugar dos “tios”, como também devemos atentar para a personagem Camila, a mais típica das típicas, “plana”, “rasa”, que Miguel aceita, pela falta de coragem como Lorena descreve ao final do livro.
O bom é que a gente sai gostando mesmo é da Lorena, “mulher de verdade”, “dona de seu nariz”.
*Adeli Sell é professor, bacharel em Direito.
Foto de capa: Instagram da autora




