Chacina no Rio, uma Operação Sincronizada

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Por EDELBERTO BEHS*

O mega resultado da Operação Contenção, que matou 121 pessoas nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, foi uma ação sincronizada da extrema direita, que está um tanto perdida e sem um projeto nacional articulador com vistas às eleições do próximo ano. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, seguidor do bolsonarismo e que classificou a operação como “um sucesso” (se teria morrido duas vezes mais pessoas nas favelas seria, então, um super sucesso), se prestou a essa articulação. Governadores da extrema-direita, ao prestarem solidariedade a Castro, anunciaram a criação de um “Consórcio da Paz” (quanta ironia).

O próprio governador Castro revelou que a operação vinha sendo preparada há mais tempo. Há mais tempo? Para ser deflagrada a poucos dias do início da COP30, quando o Brasil está numa visibilidade positiva nas vitrinas do mundo, é isso? A Operação Contenção colocou uma tarja escura nessa exposição. Depois, mais um detalhe dessa articulação: tramita no Congresso projeto de lei (PL 12833/2025) que quer enquadrar organizações, tipo Comando Vermelho, como “narcoterrorismo”. Cláudio Castro se referia, na entrevista coletiva após o massacre, aos “narcoterroristas”.

O crime de terrorismo, nessa perspectiva, pode envolver as Forças Armadas, e também intervenções estrangeiras, como o governo de Donald Trump está fazendo no mar do Caribe, bombardeando barcos que supostamente transportam drogas, uma operação que até o momento, na escala de Cláudio Castro, não alcançou o sucesso, pois nem chegou a eliminar 100 pessoas.

O sincronismo continua. Não é que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) sugeriu a intervenção dos Estados Unidos para que jogassem algumas bombas na Baia da Guanabara, assim com o fazem no Caribe! Fora de sincronia, mas em tempo oportuno, a operação macabra desencadeada no Rio veio bem a propósito do, até aqui, sucesso da diplomacia brasileira que está negociando as mega tarifas de importação com os Estados Unidos. A química produzida entre Lula e Trump estragou a estratégia bolsonarista.

O interessante é que o “narcoterrorismo” só encontra campo de combate em favelas pobres. Como destacou o prof. Dr. José Cláudio Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em entrevista para o portal IHU, “o Projeto Antifacção é meramente uma dimensão de descarga punitiva das leis. O sistema judiciário pune quem? Os mais pobres, os favelados, os periféricos. E os caras que estão nas fintechs da Faria Lima? Os que são do agronegócio e os políticos que recebem tanta grana por causa do tráfico? O Antifacção vai chegar no cara do topo, que financia tudo e isso e tem interesse nos 2 milhões de dólares (cerca de 10,8 milhões de reais) de cocaína que chegam no Rio de Janeiro? O cara que pega cocaína na Bolívia e na Colômbia, que está financiando tudo isso, vais ser identificado e trazido para prestar esclarecimentos?”

Serão massacrados?

Certamente há métodos menos macabros que recorrem à inteligência policial para combater o tráfico de drogas do que enviar 2,5 mil policiais pros morros. Não tem como fiscalizar a entrada de cocaína pelo Rio de Janeiro? Não tem como sufocar a movimentação de dinheiro das gangues do crime? Não tem como combater a venda de armamento para as gangues? Aliás, foi Bolsonaro, enquanto presidente, que queria a população armada! As gangues aproveitaram essa brecha. Não tem como atacar a outra ponta, a dos consumidores? E se ao invés dos 2,5 mil policiais o Estado do Rio enviasse 2,5 mil professores/as e agentes de saúde para os complexos? Como lembra o sociólogo Loïc Wacquant, quando o Estado social se retrai, o Estado penal se impõe.

Essas operações policiais, que ocorrem às centenas todos os anos no Rio de Janeiro, “não têm efetividade nenhuma e a própria polícia e o governo do Estado sabem muito bem disso”, disse a socióloga Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense em entrevista ao IHU. Ações como essa “evidenciam o descaso do poder público estadual no Rio de Janeiro, como o direito à vida da população pobre, moradora de favelas e periferias de maioria negra, que são as principais vítimas dessa política de extermínio que é adotada na cidade”.

A professora pontua ainda que essas falas visam capturar capital eleitoral nas eleições de 2026. “O que eu observo é que o Cláudio Castro está apostando nos retornos eleitorais a partir desse massacre”, afirma. “Historicamente, a prática de chacinas tem servido para atrair atenção e votos dos setores mais conservadores, porque autoridades públicas têm se aproveitado do medo, da sensação de insegurança da população face ao crime, para oferecer ‘soluções fáceis’ para a criminalidade e propagar o ódio, adotando discursos que costumamos chamar de populismo penal”, complementa.

Então, por que acontecem? Na análise de José Cláudio Alves, o grupo político da extrema-direita “está empastelado e não está conseguindo reagir. Vejo a operação como uma necessidade de manter as fileiras deles unificadas em torno dos discursos ‘bandido bom é bandido morto’, ‘temos que fazer operações porque estamos combatendo o crime’”. As pessoas que entram nesse discurso nem fazem ideia do que está acontecendo, agregou.

O aproveitamento político dessa situação chega ao exagero de um senador da República pedir a intervenção bélica e militar dos Estados Unidos nas águas da Guanabara. Como se os Estados Unidos fossem uma nação sem crimes e criminosos, uma nação mergulhada na paz e na tranquilidade. Se Trump precisa bombardear pequenas embarcações no mar do Caribe supondo que são capitaneadas por traficantes de drogas, é um atestado de que ele não consegue combater o crime no seu próprio território. E o que dá poder a Trump de se intrometer em problemas alheios, quebrando a autodeterminação dos povos?

Mas o importante é que, agora e a partir da chacina, o Rio de Janeiro está muito mais tranquilo, as pessoas não têm mais receio de sair às ruas, o tráfico acabou!


*Edelberto Behs é Jornalista, Coordenador do Curso de Jornalismo da Unisinos durante o período de 2003 a 2020. Foi editor assistente de Geral no Diário do Sul, de Porto Alegre, assessor de imprensa da IECLB, assessor de imprensa do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, em Porto Alegre, e editor do serviço em português da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC).

Foto de capa: Mauro Pimentel/AFP

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