Por VALENTINA BRESSAN, do Matinal News*
Vereador propôs criar Frente parlamentar em defesa dos catadores, que ainda deve ser aprovada no plenário
Em reunião na Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana na Câmara de Vereadores nesta terça-feira (12), os donos de galpões de reciclagem da Vila dos Papeleiros foram acusados por um dos chefes de segurança do município de explorar os carrinheiros.
Sem apresentar provas, Rafael de Oliveira, secretário adjunto da Secretaria de Segurança Pública (SMSEG) – mais conhecido como “Rafão” –, afirmou que a prefeitura tem a intenção de “dar aos senhores uma inclusão social e libertá-los de pessoas que exploram através do aluguel de galpões e de carrinhos. É um aluguel de ‘craqueiros’, viciados, que todos sabem muito bem quem são aqui”.
O vereador Erick Dênil (PCdoB) refuta a acusação do adjunto. “O secretário alegou que todos ali eram marginais, bandidos – nas palavras dele”, descreveu. “Há uma narrativa da prefeitura de que ali o índice de criminalidade é muito alto. Mas não dá para desconsiderar que em várias comunidades há violência, em bairros de classe média e alta também. São argumentos para proibir os catadores de sair para trabalhar”, completa.
A Matinal mostrou que a prefeitura destruiu os carrinhos usados para recolher resíduos sólidos em 16 de julho. Na última sexta-feira (8), carrinheiros e moradores se organizaram em um protesto, solicitando o retorno dos carrinhos recolhidos e o fim das ações truculentas no bairro.

Protesto chegou a reunir cerca de 100 carrinheiros e moradores da comunidade | Foto: Valentina Bressan
Quanto à ação da SMSEG, Oliveira disse que “tivemos todas as cautelas necessárias, quatro ambulâncias, pedi o máximo de segurança em virtude das crianças e pessoas de bem. Mas também havia traficantes, pessoas do mal e que faziam dos senhores reféns”.
Oliveira chegou a acusar diretamente um dono de ferro-velho, Ismael Silva. “Não adianta vir chorar e contar história. Eu te conheço, eu sei de cada um”, disse. Para Ismael, esta foi mais uma forma de intimidar um morador da comunidade. “Eu já tive, sim, problemas com a justiça. Fui preso, no passado. Mas pensa: a pessoa foi sentenciada, pagou o que devia para a justiça. É uma pessoa livre, que trabalha com o que quer. Eu encontrei a estabilidade vivendo com a reciclagem. É uma criminalização da gente”.
Solicitamos um posicionamento da SMSEG quanto à postura do secretário adjunto na reunião. Em resposta, a assessoria disse que “a Secretaria de Segurança de Porto Alegre não vai comentar”.
Vereador pretende criar frente parlamentar em defesa da categoria
As audiências públicas foram marcadas pela demanda da categoria que surgiu após a operação que a Prefeitura de Porto Alegre realiza desde o início de julho no loteamento Santa Terezinha, mais conhecido como Vila dos Papeleiros.
A vereadora Karen Santos (PSOL), presidente da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (CUTHAB), que também recebeu os representantes na manhã desta terça (12), solicitou um levantamento quanto às denúncias de danos patrimoniais causados pela intervenção da prefeitura – que deverá também ser encaminhado ao Ministério Público do Trabalho. “A fiscal da pasta de Segurança alegou que várias notificações foram feitas antes das ações. Nós, como comissão, solicitamos também ter acesso”, completa.
O vereador Érick Dênil (PCdoB), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança da Câmara, propôs criar a Frente Parlamentar em defesa da reciclagem popular. Ainda não há data para que a frente comece a atuar, já que ela ainda precisa ser aprovada no plenário.
“Os trabalhadores estão dentro da lei: até o final do ano, estão autorizados a trabalhar com a reciclagem. Esse é um processo intimidatório, onde a prefeitura enviou a Brigada Militar e Guarda Municipal para uma operação quanto ao furto e venda de cobre, mas nenhum morador de lá foi preso na operação”, justifica Dênil quanto à importância da convocação da reunião. Ele lembra ainda dos carrinhos recolhidos “de forma ilegal, sem nenhum tipo de mandado”. Por ora, nenhum carrinho foi devolvido à comunidade.
O vereador cita registros de abordagens truculentas ocorridas na Vila desde o início da operação. “Há vídeos de menores de idade sendo intimidados pela polícia, moradores acordando com a polícia na porta de casa”.
Um dos encaminhamentos da reunião na Câmara é a criação de uma proposta de pacificação da região, com a criação da frente. “A partir dela, vamos criar uma negociação para estender o prazo, para não proibir a profissão, e saber se haverá cursos de qualificação, pressionar o poder municipal”.
Foram solicitadas também informações sobre moradores da Vila dos Papeleiros presos durante a operação, bem como informações sobre localização dos fios de cobre encontrados em galpões da vila durante a ação. Surgiu ainda a proposta de que a vila se torne patrimônio histórico do bairro.
Nesta semana, foi instalado um contêiner para atendimento social na Vila dos Papeleiros, com o objetivo de fornecer atendimento básico de saúde e serviços socioassistenciais. Ainda não há data para que os cursos de formação prometidos pela prefeitura para a categoria comecem. “O gabinete do prefeito afirmou que o programa será lançado até o final do ano”, diz Dênil.
Outra promessa da administração municipal é abrir um galpão para receber os materiais recicláveis recolhidos pelos carrinheiros, mas o local ainda não está operando. “Disseram que nesta semana, darão retorno sobre isso. Já estamos cansados de promessas”, diz Ismael Silva, que era dono de um pequeno ferro-velho no bairro.
A comunidade critica algumas propostas da prefeitura para que os carrinheiros troquem de ocupação. “Tem gente na categoria que trabalha há muitos anos com isso. Entendemos que tem que fazer cursos para os jovens, dar assistência para quem está em vulnerabilidade, mas nem todos querem mudar de profissão”, declara Ismael.
A tônica foi a mesma no protesto realizado pela comunidade na última semana. Na sexta-feira, cerca de 110 pessoas caminharam com os carrinhos de reciclagem pelas ruas do bairro Floresta e da Vila dos Papeleiros. Marli Amorim, carrinheira há mais de 20 anos, defendeu a permanência da categoria. “Somos todos trabalhadores, queremos continuar trabalhando. Cada um aqui luta pelo seu direito de trabalhar, conquistar, escolher o que queremos ser”, disse. Segunda ela, a estimativa da comunidade é de que os carrinheiros recolham quatro vezes a taxa de lixo retirada pela coleta seletiva do município.
Políticos apontam PPP do lixo e Plano Diretor como justificativa para ações
Para Karen, é necessário enxergar a ação da prefeitura na Vila dos Papeleiros como pano de fundo maior nas negociações do plano de concessão dos serviços de reciclagem – a parceria público-privada (PPP) dos resíduos sólidos – e da revisão do Plano Diretor. Uma nova reunião está prevista para o dia 26 de setembro para discutir como esses projetos afetam os moradores da Vila dos Papeleiros.
“As principais preocupações da comunidade tem a ver com o direito a morar e trabalhar na região. A gente sabe que a justificativa da prefeitura quanto à abordagem, em torno do uso de drogas, crime organizado e roubo de fios, é uma cortina de fumaça de questões mais profundas do Plano Diretor e da concessão de resíduos. O mandato se preocupa que a gente consiga colocar essa discussão num contexto maior de disputa pela cidade”, explica a vereadora.
O vereador Érick Dênil (PCd0B), que convocou a reunião, partilha da opinião. “No meu entendimento, o processo está alinhado à especulação imobiliária da cidade. Primeiro, proíbem o trabalho da comunidade, depois, derrubam casas, o plano de fundo é fazer com que todos saiam dali, deixando a área livre para negócios. Na Vila dos Papeleiros e na Vila Farrapos há um processo de gentrificação, de higienização desses cartões postais de Porto Alegre”.
Ismael Silva conta que a comunidade teve entraves para participar da audiência pública do Plano Diretor, realizada no último sábado. “Estava difícil se inscrever. Foi só quem tinha dinheiro”, aponta.
*Valentina Bressan é jornalista do Matinal News – Esta matéria foi publicada originalmente no Matinal News.
Foto da capa: montagem sobre fotos de Valentina Bressan e vídeo nas redes sociais.
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Tags:
catadores, recicladores, Vila dos Papeleiros, Porto Alegre, reciclagem popular, PPP do lixo, gentrificação, Erick Dênil, Karen Santos, Câmara Municipal, direito ao trabalho, carrinheiros, Plano Diretor





Respostas de 2
Já existem os caminhões que recolhe o lixo em Porto Alegre, Essa entrada de Porto Alegre tem que ser linda, e não um lixão, cada um tem que ter um outro trabalho. A cidade tem que melhorar. Não milhões de furto de fios, galpões velhos em pleno centro, está errado e pronto. Estou com o prefeito Mello o único que em todos esses anos vem transformando essa cidade, coisa que nenhum prefeito,nem um político fez em cinquenta anos. Tem que terminar com essa bagunça,com esse lixo, e dar cursos para essas pessoas, e mudarem de lugar, para não tirar o direito das pessoas de ir e vir, as pessoas tem que fazer um outro caminho por medo de ser assaltado. Estão tirando o direito de ir e vir das pessoas. O lugar de pessoas para dormir não é na rua, cada um tem que ter o seu espaço dentro de uma casa.
Acredito que a Prefeitura poderia organizar e regular o trabalho tão necessário, da coleta do lixo seco ou reciclável. E esse trabalho de coleta poderia ser feito regularmente e levado para locais onde as pessoas que hoje usam estes carrinhos, fossem contratados para seleção. Acredito que traria uma melhora nas condições de trabalho e vida dessas pessoas.