Em uma das semanas mais turbulentas da atual legislatura, a Câmara dos Deputados contrariou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e manteve, nesta quarta-feira (10), o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). Presa na Itália desde julho e condenada criminalmente pelo STF, a parlamentar escapou da cassação por 227 votos a 170 — abaixo do mínimo de 257 votos necessários para a perda de mandato.
A decisão ampliou a crise entre Legislativo e Judiciário e expôs um racha dentro da própria Câmara, sobretudo entre o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e parte expressiva das bancadas do centro, esquerda e até da direita.
Plenário desautoriza CCJ e rejeita cassação de Zambelli
Mais cedo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) havia aprovado parecer do deputado Claudio Cajado (PP-BA) recomendando a cassação da parlamentar, seguindo a determinação do STF. Zambelli foi condenada em maio a dez anos de prisão e à perda do mandato por envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o hacker Walter Delgatti Neto.
Mesmo detida na Itália, para onde fugiu após a condenação, Zambelli participou por videoconferência da sessão da CCJ. No plenário, sua defesa foi apresentada pelo advogado Fábio Pagnozzi, que afirmou que a deputada pretenderia renunciar ao mandato caso fosse absolvida pelos colegas — promessa que não se confirmou até agora.
Entre os deputados, pesaram fatores como corporativismo e crescente insatisfação com o Judiciário. Aliados clássicos do PL também atuaram para evitar a cassação, embora parte do próprio bolsonarismo visse vantagem política em afastar Zambelli, considerada por esse grupo uma das responsáveis pela derrota eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022 — sobretudo após o episódio em que perseguiu um homem negro com arma em punho na véspera do segundo turno.
Reviravolta: Glauber Braga escapa da cassação e recebe suspensão de 6 meses
No mesmo dia, outra votação pegou o comando da Casa de surpresa. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que enfrentava processo de cassação por chutar um militante do MBL, terminou punido com suspensão por seis meses, aprovada por 318 a 141 votos.
Antes disso, por 226 a 220, a Câmara decidiu votar a pena mais branda antes da cassação — movimento articulado pela esquerda e apoiado por partidos do centro, contrariando novamente o roteiro do presidente Hugo Motta.
A situação de Glauber havia se agravado na véspera, quando o deputado ocupou a cadeira da presidência em protesto e foi retirado à força pela polícia legislativa. Mesmo assim, ele recebeu apoio de parlamentares contrários ao que chamaram de “punição desproporcional”.
A ala mais dura do Centrão, especialmente do PP e da União Brasil, defendia a cassação como forma de reagir às críticas de Glauber às emendas sem transparência e à gestão Arthur Lira — ex-presidente da Casa e padrinho político de Motta.
Articulações, derrotas e recados: Motta sai enfraquecido
As duas derrotas sucessivas — manutenção do mandato de Zambelli e suspensão em vez de cassação de Glauber — deixaram Hugo Motta politicamente abalado.
Fontes ouvidas pelo g1 e pela Folha afirmam que:
- Motta pretendia cassar um deputado da esquerda e um da direita, criando uma falsa simetria e amortecendo efeitos da aprovação, um dia antes, da redução de penas de condenados por 8 de janeiro.
- A estratégia fracassou após articulações da esquerda, do PL e de setores do centro.
- O PL, apesar de dividido sobre Zambelli, entendeu o episódio como derrota dupla do presidente da Câmara.
- O governo Lula também entrou no tabuleiro: André Ceciliano, assessor da ministra Gleisi Hoffmann, pediu votos para a suspensão de Glauber — o que irritou Motta, embora Ceciliano negue ter oferecido liberação de emendas.
Com o resultado, líderes partidários avaliam que Motta:
- Enfrenta desgaste com o PL, maior bancada da Casa.
- Irritou o governo, ao acusá-lo publicamente de interferência indevida.
- Comprou briga com setores do Centrão, que esperavam mais previsibilidade e acordo nas votações.
- Abriu nova frente de conflito com o STF, já que PT e aliados devem recorrer ao Supremo argumentando que a Câmara descumpriu decisão judicial no caso Zambelli.
Próximos capítulos: Ramagem e risco de nova crise institucional
A crise tende a se aprofundar. Na semana que vem, a Câmara deve votar o caso do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), também condenado e cuja cassação deveria ter sido simplesmente homologada pela Mesa Diretora.
Imagem destacada: Antônio Cruz/ Agência Brasil




