Bolsonaro: No Intervalo Entre o Calendário Político e o Julgamento Jurídico

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Por LISZT VIEIRA*

Há alguns meses, escrevi um pequeno texto dizendo que o tempo corria a favor de Bolsonaro. Quanto mais tempo demorar o processo judicial, mais ele se fortalece e angaria apoios. O tempo político muitas vezes entra em conflito com o tempo jurídico. A lógica e o objetivo são diferentes.

O tempo político é um tempo de busca por resultados imediatos, de urgência das decisões pela pressão da opinião pública e pelo calendário eleitoral. A ação política deve ser rápida e eficaz para manter ou alcançar o poder. Em política, o momento de fazer uma coisa pode ser tão importante quanto a coisa em si. A oportunidade pode ser tão importante quanto a substância da coisa a ser feita. Uma medida eficaz, fora do momento certo, pode perder o efeito previsto.

Já o tempo jurídico se baseia na coleta de provas, no contraditório e nas formalidades processuais. O rigor processual é necessário para garantir a segurança jurídica. Ele é lento para evitar erros judiciais e é baseado em ritos, prazos e procedimentos, com o objetivo de promover a justiça de forma imparcial e assegurar direitos. O tempo político é o tempo da ação e da eficiência, o tempo jurídico é um tempo de reflexão, garantia de direitos e legitimidade formal.

O Código Penal é de 1940, mas sofreu diversas alterações e atualizações ao longo do tempo. O Código de Processo Penal é de 1941, e também foi alterado e atualizado desde então. Mesmo assim, esses Códigos estão desatualizados e dificilmente conseguem dar conta das rápidas transformações na vida social, econômica e política. A velocidade dessas transformações, como ocorre nos costumes e na comunicação digital instantânea, por exemplo, gera novos delitos e crimes não previstos na legislação, muitas vezes impotente ou demasiado lenta para processar e julgar tais delitos.

Enquanto isso, o tempo político continua cada vez mais acelerado. E os conflitos não resolvidos na esfera política, muitas vezes são levados à esfera judicial. Essa judicialização da política tem sido frequente no Brasil. E a lentidão, que é um elemento constitutivo do processo judiciário, acaba contaminando a correlação de forças políticas que repercutem e podem influenciar a decisão judicial.

Este é exatamente o caso do processo contra os crimes cometidos pelo ex-presidente Bolsonaro. Ele é acusado dos seguintes crimes:

Organização criminosa armada;
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
Golpe de Estado;
Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
Deterioração de patrimônio tombado.
Após dois anos e oito meses da tentativa de golpe contra a democracia no Brasil e de cometer os crimes relacionados acima, Bolsonaro vem obtendo mais apoio político do que pouco depois de haver cometido esses crimes. Uma considerável mudança na qualidade e peso desses apoios foi a eleição do presidente pedófilo dos EUA que, em 2021, dois anos antes da insurreição da extrema direita no Brasil invadindo e demolindo as sedes dos três poderes em Brasília, havia apoiado diretamente a invasão do Capitólio, sede do Poder Legislativo nos EUA.

Conquistado o poder, Trump e seus asseclas vêm estimulando a organização e ação da extrema direita no mundo, com ênfase na família Bolsonaro que se tornou incansável lambe-botas do tirânico presidente criminoso dos EUA, em marcha rápida para se tornar ditador. Adotando como prioridades a defesa intransigente das empresas norte-americanas e o ataque ao BRICS, pela ameaça a médio prazo ao dólar, Trump apoia seu aliado brasileiro que, como ele, tentou dar um golpe de Estado contra a democracia.

É nesse contexto político e econômico que deve ser analisada a guerra comercial decretada por Trump contra o Brasil, taxando de 50% a importação de produtos brasileiros, depois suavizada com dezenas de exceções. No tarifaço contra o Brasil, Trump agregou um ingrediente político que não aplicou na taxação de outros países: a exigência de anistia a Bolsonaro e a sanção decretada contra o Ministro Alexandre de Moraes.

O apoio da família Bolsonaro e dos bolsonaristas a Trump constitui um atentado à democracia e à soberania nacional. Esses quinta colunas são traidores da pátria, cometeram crime de traição contra a segurança nacional do Brasil, previsto na legislação penal. E, do ponto de vista político, caiu a máscara: o patriotismo proclamado aos quatro ventos pelos bolsonaristas revelou-se ser a defesa dos EUA contra o Brasil. Uma minoria de bolsonaristas, porém, recolheu-se sem entender que os “patriotas” estão a favor de um país estrangeiro contra o Brasil, defendido pelo presidente Lula, pela esquerda e até por políticos do centro.

Breve teremos o julgamento final do processo contra Bolsonaro, previsto para setembro, se não houver pedido de vista por parte do direitista Ministro Luís Fux. Neste caso, que pode não ocorrer, ele teria três meses para devolver o processo. Tudo indica que Bolsonaro será condenado pela Primeira Turma do STF. Será uma decisão coletiva, desmoralizando a demonização do Ministro Alexandre de Moraes pelos bolsonaristas e a absurda sanção aplicada por Trump segundo a Lei Magnitsky.

Resta saber se Trump vai dobrar a aposta e reforçar seu ataque à soberania nacional e à democracia no Brasil. O objetivo, além de defender as Big Techs e ter acesso às Terras Raras, é colocar o Brasil em permanente defensiva e dificultar ou impossibilitar o Brasil de assumir liderança no BRICS ou em qualquer outro fórum internacional. Para isso, Trump conta com o apoio da extrema direita bolsonarista e de seus aliados no Congresso e na Midia.

Mas o prestígio de Trump despenca nos EUA. Segundo uma pesquisa Atlas, realizada entre 13 e 17 de julho, sua taxa de aprovação caiu de 50,1% registrado em janeiro para 44,3%. Sua rejeição aumentou de 49,7% para 54,9%. (apublica.org, 5/8/2025). Trump representa bem o declínio da hegemonia unilateral do império norte-americano que ainda vai provocar muitos conflitos e guerras para tentar impedir o multilateralismo que, no quadro geopolítico mundial, já começou a se formar.


*Ļiszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.

Foto de capa: Gustavo Moreno/STF

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