Bolsonaro deve agradecer à democracia por prisão sem torturas

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Por NUBIA SILVEIRA*

Na quinta-feira, 4, o jornal O Globo publicou, num pé de página (ao final da página), onde as notícias, em geral, são menos lidas, informações sobre a saúde do réu Jair Bolsonaro. Um dos médicos que o acompanha informou que o paciente sofre com falta de ar, e já teve, inclusive, dificuldade para completar frases. O mesmo texto reproduz a mensagem do Zero Dois, publicada no X. O vereador Carlos Bolsonaro afirmou que a saúde do pai está “cada vez mais debilitada”. Ele incita os seguidores do Capitão a continuarem firmes, apoiando o mito. “Não se trata – diz o vereador – de ser de direita ou esquerda, mas sim de humanidade”.

Ao ler esta notícia, fiquei pensando nos milhares de brasileiros que morreram asfixiados, durante a epidemia de Covid-19, por falta de oxigênio, que o Estado não forneceu aos hospitais. Pessoas das quais o, então, presidente debochou, sem piedade. Todos nós, brasileiros, “não se trata de ser de direita ou de esquerda”, testemunhamos Bolsonaro rindo e imitando pacientes que não conseguiam respirar. Afinal de contas, afirmava, a Covid era apenas uma “gripezinha”. Naqueles momentos de tristeza e dor pela perda diária de dezenas de pacientes, o “imorrível, imbrochável e incomível” não demonstrou nenhuma humanidade com os doentes. Humanidade da qual seria, agora, merecedor, segundo o Zero Dois.

A fragilidade demonstrada pelo ex-presidente, nos últimos dias, enquanto no STF corre o julgamento contra os cabeças do golpe de 2023, contrasta com a do homem que levantava a voz contra jornalistas, ministros da Suprema Corte e adversários. Que se exibia em motociatas e carreatas, elogiava a ditadura e os torturadores. Pelo passado de Bolsonaro, criador de inúmeras fake news, podemos imaginar que o mal que o atinge, agora, se chama covardia. O que me lembra um dos mais sanguinários ditadores da América Latina, o general chileno Augusto Pinochet. Ele também se acovardou e usou a saúde como justificativa para fugir da prisão.

Em As Garras do Condor, o jornalista Nilson Mariano recorda como Pinochet, acusado pelo juiz espanhol Baltasar Garzón de ser responsável pela eliminação de 700 cidadãos espanhóis, escapou do julgamento. Em 1998, Garzón pediu a extradição do ditador para a Espanha. Pinochet estava em Londres, tratando da saúde, que serviu de justificativa para que não fosse extraditado. Os advogados do chileno argumentaram que o réu não tinha condições físicas nem mentais de suportar o julgamento. Mariano relata: “A imagem era de um idoso enroscado na cadeira de rodas, bengala ortopédica à mão, rosto pendente e demonstrando alheamento”.

Ao desembarcar no Chile, livre das garras, não da Operação Condor, cuja criação liderou, mas das de Baltasar Garzón, a imagem de Pinochet era outra. Ele estava transfigurado. “Tão logo pisou em solo pátrio – conta Mariano -, levantou-se da cadeira de rodas, caminhou por conta própria, abraçou familiares, acenou para amigos.” Um exemplo para autoritários que querem fugir da prisão.

Está claro para os brasileiros que Bolsonaro teme ser preso, como todo covarde. A cela a qual será recolhido, no entanto, difere em muito daquelas às quais a ditadura militar jogou os chamados subversivos. O Exército já prepara os locais a que os militares e ex-militares, como o capitão, serão recolhidos, após condenação: quartos com banheiros, cama, armário, mesa com cadeira, televisão e frigobar. Um luxo, se comparado com os cubículos fétidos, destinados aos “criminosos”, muitos dos quais jamais foram julgados.

Bolsonaro não precisa temer a prisão. Ele, que atacou a democracia, para permanecer no Planalto com poderes ditatoriais, não sofrerá qualquer tortura, diferentemente, do que aconteceu com os presos políticos, durante os 21 anos do regime militar. É também Mariano que lista, em As Garras do Condor, 18 tipos de torturas utilizadas pela tirania. Entre as torturas aplicadas por homens como o coronel Carlos Aberto Brilhante Ustra, ídolo do mito, estão: submergir os presos em tanques de água suja e com excrementos, até quase o afogamento; aplicar choques elétricos, principalmente, nas parte sensíveis, como órgãos genitais, gengivas e orelhas; suspender o preso durante horas em um cavalete (pau-de-arara), numa barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos e arrancar as unhas das mãos e dos pés com alicates ou furadores.

Bolsonaro, seus filhos e seguidores devem, portanto, agradecer ao seu deus por estarmos vivendo na democracia, que eles não conseguiram golpear.


*Nubia Silveira é jornalista

Foto de capa: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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Respostas de 6

  1. Extraído do texto “…sofre com falta de ar, e já teve, inclusive, dificuldade para completar frase…” Comentário: curioso que um sujeito que não tomou vacina por ter histórico de atleta, agora tenha falta de ar. Em quanto à dificuldade pra completar frases, aquele discurso dos 200 anos mostra que é o normal da criatura.

  2. É isso aí, Nubia. Eu não consigo compreender a idolatria a um canalha cujo filho prega a submissão aos Estados Unidos. Me indigna o silêncio da Câmara pobre ele exercer o
    mandato â distância.

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