Por JOÃO BATISTA MEZZOMO*
Investindo ao som dos canhões
Queremos tratar do Bitcoin, porém, nada no mundo existe em separado e qualquer assunto, quando aprofundado, pode nos conduzir ao “umbigo do mundo”, ou à essência. Ademais, a verdade está no todo, se queremos nos aproximar da verdade (que é o mesmo ou talvez parenta próxima da essência) temos de aturar alguma “mistura”. No caso do Bitcoin, o seu surgimento permitiu o enriquecimento de milhares de pessoas, sendo que o valor total existente em bitcoins hoje representa algo em torno de 1% da riqueza financeira global. A questão inicial, que ocorre a muitos é: de onde vem esse valor?
Pelo ponto de vista tradicional da economia, que reproduz o próprio senso comum, o que alguns ganham outros devem perder. O exemplo clássico disso são as conhecidas pirâmides financeiras, onde os primeiros ganham, mas em determinado momento muitos perdem. Neste caso, o que alguns ganharam, outros perderam, pois a pirâmide financeira não cria valor, apenas o distribui. Mas será que o Bitcoin é assim também? Será que ele não cria valor e, então, o que alguns ganham outros perdem? E, no caso de ele criar valor, como se daria isso?
Numa visão preliminar, tudo se dá como se o Bitcoin efetivamente criasse valor, senão vejamos. Quando a demanda por bitcoins é maior que a oferta, o seu preço tende a subir. Entre os compradores e os vendedores não há criação de valor no momento da transação, apenas uma troca de uma moeda (Bitcoin), por outra qualquer (reais, dólares, euros, etc.). Porém, se depois da transação o Bitcoin subir de preço, o comprador ganhará, mas não podemos dizer que o vendedor perdeu. E junto com o comprador, todos os que detém Bitcoin aumentam a sua riqueza, de modo que o 1% da riqueza financeira global representada pelo Bitcoin não custou aos seus detentores o seu valor atual em outras moedas, mas bem menos do que esse valor, visto que seu valor cresceu muito ao longo do tempo. Repetindo então: efetivamente, tudo se passa como se o Bitcoin criasse valor, do nada. O mesmo raciocínio vale, de modo inverso, para quando o preço do Bitcoin cai.
Ocorre que esse fenômeno de aparente criação de valor a partir do nada (e destruição “para” o nada) não começou com o Bitcoin, o mesmo ocorre, por exemplo, com as ações de uma empresa. Se a ação sobe de valor, a empresa passa a valer mais, e seus sócios se tornam mais ricos; se a ação cai, ocorre o contrário. Ou seja, há uma aparente criação ou destruição de valor que não tem uma necessária relação com a empresa. Mas isso não ocorre só com papéis como as ações, ou com moedas, mas também com bens materiais como ouro, prata, produtos e mercadorias em geral: se eles sobem de valor, quem os detém fica mais rico. Será então que quem cria valor são os produtos e mercadorias, assim como os títulos e moedas?
Pra elucidar essa questão devemos aprofundar um pouco o assunto. O primeiro que teorizou sobre a origem do valor foi Aristóteles, há 2400 anos atrás: o “estagirita” falou que o valor se origina do trabalho[1]. Isso parece óbvio, pois para agregar valor a alguma coisa, como um pedaço de madeira, temos de transformá-la em algo útil, como uma mesa, por exemplo, e isso somente pode ser feito mediante trabalho. Na Idade Média Tomas de Aquino divergiu de Aristóteles, ponderando que o valor das coisas deve obedecer a um “preço justo” que se originaria da utilidade e valoração por parte da sociedade (mercado). Após o fim da Idade Média, o assunto foi retomado quando a economia como ciência começou a surgir. No início, os fisiocratas franceses defenderam que todo o valor vem da natureza, ou seja, da atividade agrária, sendo que as atividades ligadas à burguesia e proletariado nascentes – comércio, indústria, bancos – não passavam de parasitárias à única atividade que cria excedentes de valor, à ligada à terra. Depois deles, no início da Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra, Adam Smith retomou Aristóteles e afirmou que o valor vem do trabalho. Depois de Smith, David Ricardo concordou: o valor vem do trabalho. Depois dele Marx também concordou: o valor vem do trabalho. Porém, Marx acrescentou um questionamento que mudou tudo: se o valor vem do trabalho e todos trabalham, por que alguns (burguesia) acumulam um excedente de valor enquanto outros (proletariado) não possuem o suficiente para uma vida digna? O questionamento de Marx criou certo problema para o sistema, pois ele dizia que o proletariado industrial era roubado de parte do valor criado por ele pela burguesia, o que justificaria que tomasse os meios de produção, os quais teria sido ele mesmo que fizera, e extinguisse a burguesia, por desnecessária. Ora, a história não é movida simplesmente por ideias, nem mesmo por justiça, ela parece ter suas próprias ideias e sua própria justiça, que não coincidem necessariamente com as de cada um, seja a maioria ou não. A burguesia obviamente não concordava com Marx e os acontecimentos posteriores mostraram que ela não era desnecessária: nos países do mundo onde ela foi eliminada ou combatida a produtividade se ressentiu e mesmo estagnou, o proletariado e o estado se mostraram incapazes de competir com ela na busca do aumento da produtividade, movido, sim, pelo desejo de lucro. Justo para ela era o direito à propriedade, condição para a sua atividade de empresariar. Assim, ela manteve a sua importância no mundo real e resistiu inclusive no campo das ideias e da economia, como costuma acontecer. Em parte como decorrência disso, surgiu uma formulação melhor elaborada sobre a origem do valor, a teoria marginalista, a qual preconizou que o valor vem da utilidade. Ou seja, não adianta nada usar trabalho se ele não cria utilidade e quem cria utilidade é a empresa. Logo, o valor pertence também ao empresário capitalista, que junta criatividade (segredo da indústria), capital, trabalho e cria valor. De qualquer modo, as duas teorias do valor continuaram e continuam até os dias atuais, sendo que, grosso modo, a teoria do valor trabalho justifica o socialismo e a teoria do valor utilidade justifica o capitalismo, duas coisas que duvidamos que ainda existam no mundo real. Já a teoria do valor como oriundo da atividade ligada à terra, dos fisiocratas, justificava o “antigo regime”. Em que pese ter sido abandonada pela teoria econômica, ela até hoje existe e justifica o mundo que tem no centro o dono da terra, e se coaduna com a visão dos ditos “ruralistas”, visão até hoje existente em todos os quadrantes do mundo, sempre ligadas de algum modo ao campo, sendo que no Brasil ela é representada politicamente pela “bancada BBB”. Para compreender tudo isso, convém não julgar, pois, quando nós procuramos o bem e o mal no mundo, eventualmente poderemos alcançar o paraíso (o que é muito duvidoso), mas não a compreensão fria possível do próprio mundo.
Atendo-se apenas às teorias do valor trabalho e valor utilidade, será que elas explicam toda a formação do valor, inclusive as referidas no início, quando algo como uma mercadoria, moeda ou mesmo criptomoeda sobe de valor? Aparentemente ambas são deficitárias para explicar todo e qualquer valor, por exemplo, ambas as teorias não explicam de maneira convincente por que o dono de uma criptomoeda torna-se milionário. A teoria do valor trabalho deveria apelar para explicações complexas, como fez o próprio Marx, dizendo que há um valor trabalho médio que muda com o avanço da produtividade, de modo que aquele que introduz uma inovação, como uma nova máquina, apropria-se do trabalho numa taxa mais alta do que a média de seu tempo, mas tudo viria do trabalho e pertenceria ao proletariado. Ou seja, Marx partiu de um dogma – que todo o valor vem do trabalho – e sua “ciência” tentou meter os fatos dentro dessa camisa de força depois, algo não muito raro na ciência do Século XIX e mesmo na de hoje. No caso das criptos, o enriquecimento de seus proprietários teria de se dar pela subtração indireta do valor de quem trabalha, pois o valor total criado viria do trabalho e, então, os que alguns ganham outros devem perder, ou deixar de ganhar. Já a teoria do valor utilidade teria de conceder utilidade às criptomoedas, mas na verdade a sua utilidade consiste meramente em ter valor, ou seja, teríamos de forçar o conceito de utilidade para além do que ele de fato é na própria teoria marginalista. Além do mais, algo pode ter demandado trabalho, ter utilidade, mas mesmo assim não acrescentar qualquer valor às coisas antes de serem modificadas pelo trabalho humano ou mesmo por máquinas. Por exemplo, podemos fabricar máquinas de escrever. Elas demandarão trabalho para serem fabricadas e no final terão uma utilidade (escrever), mas não acrescentarão valor ao material utilizado, pelo simples fato de que ninguém se disporia a pagar por ela mais do que os custos de fabricação. Então, não é o mero trabalho nem a mera utilidade que criam valor, é preciso algo mais. O que seria esse algo mais então? Ora, seria a valoração, que só o ser humano, inserido no “maldito mercado”, pode conceder.
Dizer que quem cria valor é a valoração parece uma redundância, uma espécie de tautologia ou mesmo uma brincadeira de criança. De fato, é tudo isso ao mesmo tempo, o que não significa que não explique a essência da formação do valor. Vejam, o valor não vem do trabalho ou utilidade, antes disso, ele as antecede. O equívoco aqui se deve, em parte, à economia – repetindo o senso comum – confundir produção com valor, mas o valor tem uma natureza diferente da produção, apesar de costumar “andar junto” dela, a supera. Existe um excedente de valor que não é gasto, logo, não possui equivalente na produção. Além disso, para que sejam fabricadas coisas úteis, utilizando o trabalho, é preciso que antecipadamente esse algo já tenha sido valorado pelas pessoas. Por exemplo, quando fabricamos algo como um relógio, é por que ele já tem um valor de mercado superior aos seus custos de fabricação. Este valor não veio da fabricação, mas a antecedeu. Quem inventou o relógio usou inicialmente somente a sua inventividade. Uma vez e só depois que tal invento foi desejado, valorado, num nível superior aos seus custos de fabricação, foi possível a sua fabricação. Por isso se alocaram os recursos necessários e ele começou a ser produzido, pois o que possibilita a fabricação é a valoração, que a antecedeu. Do mesmo modo, o valor de uma criptomoeda não vem do trabalho, nem da utilidade, mas da mera valoração das pessoas inseridas no mercado. Se as pessoas deixarem de valorar as criptomoedas, esse valor de aproximadamente 1% da riqueza financeira global desaparecerá sem que ninguém ganhe nada por isso, do mesmo modo que ninguém perdeu nada quando esse valor se formou, por mera valoração.
Vejam, esse modo de justificar o valor pela mera valoração pode explicar toda e qualquer formação de valor, e este é o motivo de nos parecer uma mera tautologia, redundância ou brincadeira. A explicação disso requer um aprofundamento filosófico, mas eu acredito que ele seja muitíssimo importante de ser feito, por isso vou usar algumas linhas. O mundo, do ponto de vista da essência, é uma mentira, por isso quando falamos, quando delineamos um “discurso racional”, a “verdade”, que é incompreensível para a razão, nos escapa. Esse é o sentido do texto de Nietzsche “Sobre verdade e mentira no sentido extramoral”. Também neste sentido, e antes de Nietzsche, Hegel nos disse que “quando nos aproximamos da verdade nos fogem as palavras”. Ou seja, se a verdade está oculta pela racionalização que fazemos do mundo, racionalização a qual divide o mundo em um sem número de partes separadas, a verdade se mostra nos pontos em que a linguagem entra em contradição e nos parece nada. E nos parece uma brincadeira pois, sim, a essência é coisa de criança e somente se abre aos pequeninos e a sisudez de nosso mundo de adultos sérios encerra uma mentira: o próprio mundo de palavras e coisas, pois a essência é indizível e invisível aos olhos. Mas, possivelmente, é de onde tudo vem e é ela que comanda tudo.
Mas se tudo pode vir da essência, da essência pode vir tudo. No que se refere ao valor, se compreendermos plenamente a sua formação, todo o valor poderá ser alcançado ao ser humano, pois a essência é infinita. Saindo das metáforas, se pudermos inicialmente alcançar valor a quem precisa dele para viver, num segundo momento para viver melhor, num terceiro melhor ainda, tal valor se transformará em demanda e tal demanda, em produção. Não existem óbices reais para aumentar a produção do mundo hoje. Enquanto algumas décadas atrás se previa o fim do petróleo, hoje o problema da indústria petrolífera é a escassez de demanda, e isso ocorre com a ampla maioria ou quiçá com a totalidade das ditas commodities, os seus preços só não caem em função dos produtores restringirem a oferta. Ou seja, nos dias atuais é possível conceder valor mesmo aos que não trabalham para que possam consumir, sem que necessariamente alguém tenha de pagar por isso, diminuindo os seus ganhos. Pelo contrário, se a produção aumentar, aumentarão todos os seus componentes, como lucro, salários, impostos e consequente gastos públicos. No limite, a economia poderá deixar de ser a ciência da escassez, para tornar-se a da abundância. É possível mesmo que todos as habitantes do planeta venham a se tornar ricos, pois ser rico é ter o suficiente para consumir o que quiser e ainda ter uma reserva de valor[1].
Colocado dessa forma, abrem-se diversas questões, que mereceriam ser mais aprofundadas do que faremos no presente texto, mas aqui abordaremos de forma resumida, pela necessidade que temos de olhar o todo. A primeira delas: por que isso nunca se fez, se é tão fácil? Isso nunca se fez pois não era possível, mas hoje é, ou pode se tornar possível, em face do grande desenvolvimento da técnica. Enquanto a produção era altamente dependente do trabalho humano, não havia condições de estender um bom padrão de vida a todos. Se se fizesse isso, haveria inflação de preços, pela escassez de oferta. Contudo, mesmo mantendo a maioria em severa escassez, era necessário – de um ponto de vista da história, que não é um ponto de vista moral – haver concentração de recursos, e também hierarquia entre classes sociais, regiões do mundo e países, pois era necessário desenvolver as forças produtivas, e o motor desse desenvolvimento é a “egoísta” busca do lucro. Uma vez que a produtividade necessária foi alcançada, e também por isso, a abundância passou a ser possível.
É bom entender que abundância não é o mesmo que igualdade de riqueza. Os ricos possuem muito mais do que o necessário para a abundância em suas vidas, mas eles consomem apenas uma parte de sua renda, o resto é mero valor que se acumula. A possibilidade de consumo de uma pessoa é limitada, a de riqueza não. Já o restante da sociedade precisaria poder ter acesso a maior consumo para atingir a abundância. O crescimento da produção global (produtos e serviços) que assistimos nas últimas décadas, acima do próprio crescimento da população, indica que os mais pobres estão, aos poucos, obtendo um maior consumo, pois os ricos sempre consumiram o que quiseram. Nesta perspectiva, abundância equivale a igualdade de consumo, não de riqueza, num nível em que não haja escassez de consumo para ninguém, a não ser por opção.
A segunda questão é: será que “eles vão deixar”? Essa questão pode parecer irrelevante, mas na verdade muitos ainda acreditam, sem refletir muito à respeito, que o capitalismo é a causa de todos os males, que “enquanto houver capitalismo não haverá solução” e que o capitalismo se baseia na exploração, logo, jamais a “classe dominante” deixará que tal exploração termine. Ou seja, para o capitalismo seria imprescindível a existência de explorados, pois, mais uma vez, o que uns têm de menos é o que outros têm de sobra. Não necessitamos de muitos argumentos para desfazer essa crença, basta ver o que ocorre quando um governo distribui renda e melhora a situação econômica das famílias mais pobres: os ricos ficam mais ricos, pois a demanda agregada aumenta e com ela a produção e os lucros agregados. “Eles nunca ganharam tanto” dizia Lula a respeito disso, e era verdade. Mas há quem creia (talvez mesmo o próprio Lula hoje) que apesar de terem ganho tanto, depois “eles” se voltaram contra o governo do PT e o derrubaram no impeachment de Dilma Roussef. Vejam, essa é uma questão de suma importância para a esquerda, que talvez eu venha a tratar com mais profundidade num artigo futuro, aqui somente digo que não foi a burguesia que derrubou a ex-presidente Dilma, mas sim a classe rural. Quem duvida disso deve pensar na ação da bancada BBB, sigla que significa Boi, Bala e Bíblia, ou seja, é a própria representação atual de como o mundo era quando os donos de terras estavam no poder, no feudalismo. Os proprietários de terras (Boi), o regime de força (Bala) e um “Deus acima de tudo” (Bíblia). A burguesia (comércio, indústria e bancos), que sucedeu o dono de terras, busca o lucro, não o poder. A classe rural, ao contrário, busca o poder, não o lucro. Por isso se diz em regiões dominadas pelo espírito rural que “mais vale um gosto que um tostão no bolso”. Sem julgamentos morais, por mais lucros que os ruralistas venham a ter, eles jamais aceitarão as leis da burguesia e do proletariado, eles apenas as toleram, pois para eles o trabalho deve ser servil e a terra, em sua visão, exige dedicação plena e dá sustento ao que trabalha nela sem necessidade de salário e direitos adicionais. Quanto mais lucro auferem, mais eles rejeitam os governos democráticos e que promovem igualdade e distribuição de renda. E foi neste meio que o antipetismo nasceu e prosperou, levando ao impeachment e à prisão de Lula. O mundo da burguesia é o mesmo mundo do proletariado, por isso ela não busca o poder, ela já está no poder, mas o proletariado, que forma a maior parte da sociedade, também está, ambas as classes sociais lutaram pela sociedade de mercado (um nome mais apropriado para o capitalismo). Quando a burguesia encolhe, encolhe junto o proletariado e avança o mundo rural, com retrocesso civilizatório. Burguesia e proletariado disputam a renda criada pela atividade dos dois, como servos e senhores disputavam no feudalismo, mas não foram os servos que derrubaram o antigo regime, pelo contrário, o mundo de servos e senhores foi suplantado quando burguesia e proletariado impuseram o seu. O proletariado não quer ser burguesia, nem quer acabar com ela, ele quer o melhor padrão de vida possível em uma atividade não extenuante, com uma jornada de trabalho que lhe permita tempo livre e lazer. E apesar de ter sido deposto, o regime de senhores e servos não morreu, apenas se tornou um opositor mais ou menos oculto, muito em função de simplificações como as considerações de bem (proletariado) contra o mal (burguesia, capitalismo, mercado). Para que o processo avance, é importante que o que foi oculto seja trazido à luz de nossa consciência. De modo que, saber se “eles” vão ou não deixar que a exploração acabe, e se “eles” possuem força suficiente para isso nos dias atuais, depende de quem a gente está falando quando falamos “eles” e de como encaramos e esclarecemos os interesses em jogo. “Eles” podem não querer, mas se não for o seu momento de voltar, azar o “deles”. Não vejo que o mundo de servos e senhores possa retornar a liderar o processo, mas isso não se deve a questões morais, de bem e mal, certo e errado, mas apenas aos interesses da história, e ela parece querer ir sempre para mais “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, não para menos. Ainda que no momento tais setores e ideias tenham voltado à evidência, inclusive movendo guerras, o interesse da história não parece ser travar o processo, pelo contrário, ela certamente terá interesse em continuar e ir até o fim, pois a história não anda para trás. Portanto, a esquerda deveria revisar a fundamentação de seu pensamento e ação para não colidir com o movimento da própria história, a qual não é movida por considerações morais de grupos específicos, mas por desejos de liberdade, consumo e felicidade, vistos como iscas que ela pôs em nosso caminho, e nós mordemos e morderemos.
A terceira questão: o planeta resistiria a concessão de riqueza material para todos, se hoje, quando estamos longe disso, ele já apresenta sinais de colapso? Se entendermos que o planeta é limitado em recursos naturais e um aumento considerável no consumo poderá representar um perigoso desequilíbrio de um sistema que já se encontra no limite de sua capacidade, se todos tiverem um bom padão de consumo o planeta não resistiria. Será? Vejam, apesar de ser um consenso da maioria e da própria ciência e tudo indicar que é isso, a ideia acima é uma suposição, a qual pode perfeitamente estar errada. Ou seja, nós não sabemos se o planeta resistiria ou não, só com um aumento expressivo da produção e do consumo global poderemos saber. No entanto, nada existe de muito concreto a sinalizar isso. Na questão dos recursos naturais necessários, já dissemos, quanto mais passa o tempo mais o fim das reservas parece distante. O próprio aquecimento global, que tem como uma de suas principais causas o aumento do consumo, é uma mudança que não sabemos se conduzirá a um nível insalubre ao ser humano, ou, pelo contrário, no final conduzirá a um novo equilíbrio planetário, o qual possibilitaria uma produção maior sem prejudicar a vida humana. Não se trata de negar a ciência, mas de reconhecer os seus limites. São tantas as variáveis em jogo que é praticamente impossível prever onde o processo vai parar. No final da última era glacial, quando a maior parte da humanidade vivia numa pequena parte do planeta, diante do aquecimento que resultou no degelo e na ampliação do espaço disponível à vida humana, as pessoas poderiam pensar que o mundo iria continuar a aquecer até se tornar completamente inadequado para a vida, mas isso não aconteceu. Em determinado momento o planeta alcançou um novo ponto de equilíbrio e parou de aquecer[1]. A mudança no final trouxe uma melhora, pois possibilitou a expansão da vida sobre a terra. A fuga da abundante fauna para lugares mais distantes obrigou as populações humanas, que eram carnívoras, a irem atrás da caça de modo a se espalhar por todo o planeta. Quem garante que não será assim também desta vez? Imensa quantidade adicional de água está sendo disponibilizada pelo degelo, isso poderá provocar uma maior evaporação, mais quantidade de chuvas, talvez tornando fértil continentes inteiros, como a África, que tem limitações produtivas por causa da escassez de água. A camada de nuvens poderá se constituir num novo filtro para os raios solares. Ao mesmo tempo, imensas extensões de terras muito férteis que ainda estão cobertas pelo gelo ficarão disponíveis para serem cultivadas. Evidentemente, muitas regiões sofrerão com as mudanças, principalmente enquanto não se chegar a um novo equilíbrio planetário, mas devemos olhar para isso sem se aferrar a um planeta que possivelmente não voltará a ser o que era, talvez por determinações às quais nos escapam os controles. Até por que, se depender do ser humano entrar em um acordo para deter a mudança climática, acredito que possamos todos esperar o fim do mundo sentados, pois tudo indica que isso não vai acontecer tão cedo. De modo que é uma hipótese bem viável diante da consideração da história pregressa que a mudança climática seja uma imposição, e que visa a um fim, justamente, a extensão de um padrão de consumo abundante para todos, o qual resulta impossível na configuração atual do planeta. A mudança climática, como tudo o que já aconteceu no passado, não é “culpa” do ser humano, pois foi a própria natureza que criou o ser humano e não faz sentido pensar em “ser humano versus natureza”. É muita pretensão o ser humano achar que depende dele a salvação da natureza, já que ele está na mão dela, e nem a compreende no seu todo. Pelo mesmo motivo, é inadequado pensar numa sociedade ideal com um ser humano que seja diferente do que ele é, pois o desejo de consumo e felicidade lhe é inerente e não foi ele que criou a si mesmo. A sensação de culpa, neste caso, é mais o resultado da imaturidade, uma espécie de culpa pela expulsão do paraíso, mas não poderíamos ter feito ou mesmo fazer de outra forma. Em que pese nossas promessas de restringir o consumo (geralmente o dos outros), tudo indica que não deixaremos de ser individualistas, egoístas, ávidos por consumo e felicidade. Em vista disso, ao invés de restringir o consumo, talvez a história (ou “natureza”) tenha uma ideia melhor: ela estaria mudando a configuração do palco para que o drama passe a um novo ato.
Se o planeta tem recursos limitados e está à beira do colapso, o que poderíamos fazer para evitar tal colapso? Manter uma parte da população no sub consumo? Reduzir o consumo de todos? Fazer um planejamento familiar de modo a limitar ou reduzir a população terrestre? Mudar os nossos hábitos centrados em um consumo cada vez maior? Qualquer dessas hipóteses é viável, mas muito difíceis de serem implementadas, pois não há uma concordância geral a respeito e nem sabemos que, se houvesse tal acordo, seria possível travar ou mesmo diminuir o ritmo das mudanças. Pois o aumento do consumo não se deve à concentração de riqueza, ou ao aumento do consumo dos ricos, mas sim à melhora de vida da maioria das pessoas, a qual continuará a ocorrer e não há o que a freie, pois é do interesse de todos. A riqueza acumulada crescente não é consumo, ao contrário, é retenção de consumo por parte dos ricos. Os ricos consomem mais em valores monetário, mas “o vinho do rico” consome mais ou menos os mesmos recursos naturais que o do pobre, de modo que ambos os “vinhos” contribuem de modo igual para o aquecimento global, e quem passou recentemente e a cada dia mais a “tomar vinho” são os mais pobres, os ricos sempre tomaram. A minoria que se preocupa com isso procura soluções com base no raciocínio da escassez. Acaba concluindo que o aumento do consumo (dos outros) deve ser brecado (ainda que, contraditoriamente, se comemore o aumento do PIB). Haveria algo de errado nessas considerações com base em bem e mal e em um mundo escasso? Absolutamente nada de errado, nada mais humano do que isso. Porém, devemos ver que a história talvez ria diante disso, como rimos olhando as ilusões de uma criança. Mas a criança se torna adulto e a humanidade também deverá se tornar.
De mais a mais, o caminho que leva a hábitos mais frugais passa por vencer o estado de escassez, por contraditório que possa parecer. Pesquisas baseadas em planos de distribuição de renda, como o Bolsa Família, já mostraram que (ao contrário do que supunha a economia nos tempos de Ricardo e Maltus), pagar melhor os pobres não multiplica o número de pobres, pois a melhor maneira de fazer uma mulher ou mesmo um homem desejar menos filhos é fazê-lo melhorar de vida. Quando as pessoas melhoram de vida elas se tonam mais egoístas, mas de um egoísmo salutar, pois as levam a se sentirem incluídas e a se centrarem mais em si mesmas. Os filhos em alto número muitas vezes são modos inconscientes de resistir a uma vida de abandono. Além do mais, a escassez dá status a quem consegue fugir dela tonando-se rico, e o acesso aos produtos e serviços concedem este status dentro do grupo social. Mas se os bens e serviços tornarem-se abundantes, tudo muda, e o ser humano fatalmente se voltará mais ao essencial[1]. Inclusive, numa sociedade de abundância se tornará mais fácil discutir um redimensionamento da população terrestre num nível que seja adequado ao planeta, se isso for necessário. Enquanto houver escassez, isso se torna muitíssimo mais difícil, pois prepondera o individualismo e a competição e as iniciativas nesse sentido acabam se constituindo em “ricos” recomendando quantos filhos os “pobres” devem ter. Independentemente de ser uma recomendação razoável ou não, provavelmente os “pobres” não a seguirão, a não ser num regime autocrata. É verdade que poderíamos, todos, ter uma vida mais simples, mas a complexidade de fora é resultado do vazio de dentro. E como venceríamos esse vazio?
…. Retornado ao Bitcoin, não podemos prever o seu futuro, mas é bem possível que seu valor ainda venha a crescer muito de modo a criar ainda muitos milionários (isso não é uma sugestão de investimento). Os motivos são vários, o primeiro deles é justamente a dificuldade da maioria das pessoas e da própria economia fundada na escassez de compreender como ele cria valor. Assim, a maioria não acredita e não investe as suas economias em Bitcoin, apenas poucos fazem isso. Contudo, seu eventual sucesso não depende de entendermos ou não o seu funcionamento pois, a rigor, não entendemos o funcionamento de nada; quando algo se repete por longo tempo, passamos a considerar “natural”. E o valor do Bitcoin tende a subir ao longo do tempo pois a quantidade dos que a aceitam aumenta ao longo do tempo, de modo que, se no futuro todos se acostumarem a guardar suas reservas em Bitcoin, inclusive os bancos centrais dos países, seu valor fatalmente subirá ainda muito em relação ao valor atual. Como o Bitcoin é uma moeda sem lastro, ou seja, ele não é vinculado a nenhum ativo material, suas possibilidades de subida (e descida) são ilimitadas e não há limite para esse crescimento (e queda). E a vantagem prática de guardar as economias em bitcoin é imensa, pois fugimos da complexidade de escolher o ativo correto em determinado momento e das questões geopolíticas, que impactam os investimentos. Podemos dizer que o mundo globalizado precisa dele, pois ele poderá simplificar imensamente os negócios e a própria vida das pessoas. De modo que o Bitcoin aos poucos parece se tornar a moeda de reserva de valor para muitas pessoas e a tendência é que esse número aumente ao longo do tempo.
Vejamos como ele opera e porque seu valor algumas vezes costuma “disparar”. Quando ele cai, ele cai até esgotar a venda dos “traders” (pessoas que compram para vender com lucro, no curto prazo) e os que ainda tem dúvidas a respeito. Como ele não tem lastro, ele pode cair muito, mas quando chega no ponto em que não há mais, de forma significativa, os que desejam vender, qualquer movimento de compra o leva a valores muito superiores ao que estava, sem necessidade de haver muito volume de recursos envolvidos. E o surgimento de demanda por Bitcoin possivelmente venha a acontecer ainda muitas vezes, pois trata-se de uma moeda escassa e a riqueza global acumulada só aumenta, e não adianta lutar contra isso, até por que, isso não tem relação com o mundo real, de mercadorias e serviços. A riqueza é uma bolha de valoração, ela pertence a “um outro mundo” e só interfere no mundo real quando os seus possuidores resolvem consumir ou investir, mas os seus possuidores em sua maioria já consomem o que querem e a eventual destinação de seus recursos para investimentos reais depende de haver crescimento da demanda, ou seja, depende muito mais das condições dos “pobres” do que das dos “ricos”.
Segundo a teoria econômica, uma moeda possui três atributos, a saber, 1 – meio de troca (a moeda é usada para comprar algo), 2 – medida de valor (fixação do preço das coisas) e 3 – reserva de valor (a moeda é usada para acumular riqueza, em casa, num banco, em títulos nominados na moeda, como ações, CDBs, etc.). Com o surgimento do Bitcoin, muitos esperavam que, com o tempo, ele desenvolvesse os três atributos, ou seja: 1- o Bitcoin seria usado para comprar coisas, como qualquer moeda; 2 – as coisas seriam nominadas em Bitcoin; e 3 – o Bitcoin seria utilizado como reserva de valor, ou seja, as pessoas transformariam em Bitcoin todo o excedente de valor que obtivessem – no popular, elas usariam o Bitcoin como a sua poupança – assim como os países transformariam as suas reservas em Bitcoin. Porém, na prática, apenas o último está ocorrendo – o Bitcoin está virando ou mesmo já virou a moeda de reserva do mundo globalizado. Se isso for verdade, por que isso estaria acontecendo?
Bem, pela nossa hipótese, isso deve-se ao fato que já falamos, que o mundo não é governado pelas ideias e expectativas das pessoas, nem por aquilo que as pessoas acham razoável, ele tem seu próprio planejamento. No caso do Bitcoin, ele não desenvolveu os dois primeiros atributos da moeda, pois isso não é necessário e nem mesmo o desejável para o mundo globalizado, que apenas iniciou o seu curso. Nele, no futuro, é mais interessante para todos que cada país ou cada cultura mantenha a sua moeda, assim como mantém e manterá a sua língua, pois elas fazem parte da cultura de cada região específica do mundo e a felicidade (que em nossa hipótese a história tem como fim) não é a igualdade, mas a igualdade na diversidade. Uma moeda única que seja usada como meio de troca e designação de preços não é necessária nem desejável, pois enfraqueceria as culturas, diminuindo o contraste do mundo, sua diversidade, mas uma moeda única que seja reserva de valor para todos não o diminui, mas o iguala pelo lado do valor, que a história deseja justamente igualar. Mas será que o mundo que nos precedeu não queria igualmente igualar? Claro que ele queria, mas não conseguiu, pois não haviam ainda surgido os pressupostos dessa igualação, os quais são, em suma, o máximo desenvolvimento das forças produtivas. A concentração de riqueza, assim como a divisão do mundo em países estanque, foi necessária para atingir o desenvolvimento das forças produtivas no nível atual, mas agora não são mais necessárias. O surgimento do Bitcoin se deu no e por esse contexto. A respeito disso, no pós-guerra Keynes preconizou a necessidade de uma moeda internacional, que ele chamou Bancor. Ele percebera como o uso de uma moeda de um país como a moeda internacional prejudicava o pleno desenvolvimento econômico, pois atrelava todos os demais países a questões atinentes àquele país específico, ao mesmo tempo em que concedia àquele país certo poder de “comprar o mundo” em sua própria moeda (mas com limitações à economia desse próprio país), como ocorrera durante muito tempo com a libra esterlina emitida pela Inglaterra. Porém, a libra esterlina conseguira essa supremacia no tempo do laissez faire, ou seja, quando não havia uma ação mais determinante do estado na economia e nem um acerto entre os países e agora, após a Segunda Guerra Mundial, procurava-se esse acerto para que não houvessem mais crises nem disputas, ao menos entre os países ocidentais. Porém, os EUA, que haviam se tornado o país dominante e o possuidor da quase totalidade das reservas de ouro, não aceitaram a ideia de Keynes e ofereceram o dólar para ser a moeda internacional, o que acabou sendo aceito pelos demais países como solução, pois não havia outra[1]. No entanto, nos anos seguintes, o uso do dólar apresentou dificuldades, pois os EUA não conseguiram manter a paridade dólar-ouro, como combinado e o dólar tornou-se uma moeda flutuante, mas se manteve sempre como moeda internacional. Hoje se discute a substituição do dólar, mas as soluções propostas são todas do tipo “mais do mesmo”, ou seja, as propostas são de adoção de uma outra moeda nacional, como o euro ou o yuan ou a criação de uma moeda do BRICS, todas elas soluções que privilegiam uns em detrimento de outros, o que não estancaria o problema e não levaria, em nossa avaliação, ao “que quer a história” para esse momento[1].
Ocorre que o que servia aos desejos da história até agora, hoje não serve mais. Se até agora a concentração de renda, a divisão do mundo em países estanques e a supremacia de uns sobre outros era inevitável e mesmo desejável, agora não é mais. Do ponto de vista da história, esse tempo passou e o que se assiste hoje em grande parte deve-se ao “esperneio” do velho mundo que está a morrer, enquanto o novo nasce e se fortalece, em meio à estupefação geral. A estupefação ocorre enquanto o novo não é “compreendido”, em todos os sentidos da palavra compreensão, notadamente no sentido não moral de entender com frieza o que se passa. E uma das coisas que se passa, em meio a inúmeras outras, é que o valor se revela como algo que tem sua origem em alguma “instância alhures”, ou seja, ele tem, como tudo, um componente metafísico, que é a sua essência. Com base na compreensão disso, a humanidade poderá criar um valor infinito e a bolha de riqueza nunca virá a “estourar”. Para obter esta clareza, talvez seja importante ir mais fundo sobre a origem metafísica do valor, pois essa origem é a mesma de tudo. Marx chegou a esbarrar nessa consideração do valor como tendo uma fonte metafísica, quando ele falou do “fetiche da mercadoria” [2]. Segundo Marx, logo que um bem de uso torna-se mercadoria pela sua entrada no mercado, ele adquire um valor espúrio, ou seja, ele passa a valer mais do que realmente vale como valor de uso. Esse valor espúrio – que é na verdade o valor no sentido do presente texto – não era para Marx algo positivo ou mesmo desejável, já que é falso, não advém do trabalho, mas de uma espécie de ilusão social ou fetiche (feitiço). Por isso, para Marx, o socialismo impunha a extinção do mercado, como algo criado artificialmente pela burguesia com o objetivo de obter lucro e acumulação, criando necessidades supérfluas. Porém, a história – essa ditadora – mostrou da maneira “peremptória” que ela costuma usar que, neste particular, Marx estava equivocado. O erro de Marx e em alguma medida de todos nós é não perceber que esse ilusório que às vezes reputamos negativo (nos outros), é o que queremos para nós. Ou seja, o fetiche que o ser humano cria é a sua magia e ela tem um sentido que ainda cabe ser descoberto. A racionalidade presente é limitada para compreender o mundo e a nós mesmos na plenitude, mas ela, racionalidade presente, não é a única possível, houve outras antes dela e possivelmente haverá no mínimo outra depois dela. Mas este é um assunto para outro artigo, no futuro.
No que tange ao Bitcoin e ao valor em geral, não há limites para a sua criação, pois o lado obstaculizado é ilimitado. Marx não está aqui sozinho, mas acompanhado de todo aquele que julga real apenas aquilo que pode ser compreendido à luz da racionalidade presente. Por isso ele se autodeclarou um cientista e ofereceu ao mundo o socialismo científico, julgando que o socialismo existente em seu tempo era utópico, algo irrealizável aos seus olhos e, como toda a metafísica, baseava-se em fantasias que só serviam para manter o status quo de desigualdade, prometendo felicidade apenas num outro mundo futuro. E Marx queria felicidade agora, uma felicidade material, não espiritual e no futuro, por isso, sua ciência também se denominou materialismo histórico. Em função de seu tempo e de seu lugar, era impossível para Marx perceber que aquilo que ele relegou a mero feitiço era, sim, uma espécie de feitiço, mas um feitiço que está inseparavelmente ligado às possibilidades latentes verdadeiramente mágicas (de um ponto de vista da racionalidade presente) do ser humano e do próprio mundo.
Não podemos saber o futuro do Bitcoin, já dissemos. Todavia, independentemente do que venha a acontecer, o seu presente já demonstra que a criação do valor não depende do trabalho, nem da utilidade, mas apenas da valoração, a qual sustenta o mercado e é uma das faces da magia do ser humano, um ser mágico, mas que se encontra cego para todas as suas possibilidades. Então, ele sofre e labuta, até o dia em que puder tirar a venda sobre os seus olhos, e compreender. O autor que vos escreve tem uma ideia de como o ser humano pode fazer isso, mas esse não é o assunto de hoje.
NOTA FINAL: Por que “Investindo ao som dos canhões”? Esse é um jargão do mercado financeiro para dizer que devemos investir quando houver tumulto, guerras, sangue nas ruas, pois nessas horas os ativos caem de valor, mas fatalmente o recuperarão no futuro. Porém, aqui foi apena uma “brincadeira”, querendo dizer que, no texto, o autor investe ao som dos canhões, pois ele justifica o valor do Bitcoin justamente quando a criptomoeda sofre uma das maiores desvalorização de sua ainda curta existência.
Referências
[1] O que é absolutamente coerente com a afirmação de Aristóteles: “De nada nada vem”. Contudo, talvez tudo venha.
[2] “Pobres sempre existirão”, disse Jesus. Não sabemos a que se referia exatamente o Nazareno, mas nos parece que a pobreza sempre existirá como opção de vida. Muitos, possivelmente, sempre preferirão viver na rua, usar roupas e comida doadas e apanhadas, como era, ao que tudo indica, no início da humanidade. Porém, o ser humano só poderá ser livre quando isso for mera opção de vida.
[3] Aqui possivelmente repita-se o fenômeno dos saltos de níveis da eletrosfera, no átomo que recebe calor, descrito em “O que fazer? Pergunte à física quântica”. O que demonstraria, mais uma vez, que fenômenos aparentemente diversos obedecem às mesmas leis subjacentes.
[4] “A gente não quer só comida” Titans
[5] Descrevo aqui o fenômeno, o motivo “teleológico” e, portanto, subjacente ao fenômeno, é que os EUA deveriam assumir a cabeça do Ocidente, de modo que se conseguisse um avanço mais veloz da produtividade.
[6] Para esse momento a história desejaria o fim das hegemonias e o estabelecimento de um governo global único, por motivos que ainda explicaremos, mas estão fora do âmbito do bem e do mal, o qual a história ignora.
[7] Enquanto bem de uso, uma mesa de madeira não passa de coisa prosaica, material. Mas logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as ideias fixas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria. (O Capital)
*João Batista Mezzomo, possui graduação em Filosofia pela pontifícia universidade católica (2003) e graduação em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983). Atualmente é quadro permanente – Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul e formado em Economia pela UFRGS.
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