Bases Sistêmicas para o Enfrentamento da Desigualdade Social

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Markus-Spiske-on-Unsplash

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A busca por uma sociedade mais igualitária exige mais além de apenas políticas econômicas específicas — ela depende de uma infraestrutura institucional e cultural complexa. A coesão social, a cultura cívica, a estrutura tributária progressiva e o sistema de bem-estar social universalizante são requisitos sistêmicos para reduzir desigualdades de forma duradoura.

A coesão social é a base do pacto distributivo, isto é, a percepção compartilhada de pertencimento a um mesmo corpo coletivo, onde as diferenças são aceitas e os interesses comuns são reconhecidos. Sem ela a redistribuição é vista como “injusta” por quem paga e como “favor” por quem recebe.

As classes médias resistem a tributos progressivos por não se sentirem parte do mesmo sistema cujos maiores componentes são os mais pobres. Os ricos se descolam da realidade nacional e se “blindam” em enclaves financeiros, territoriais, educacionais etc.

Uma sociedade coesa é capaz de sustentar solidariedade fiscal e política de longo prazo. Ela acredita em todos contribuírem e se beneficiarem do coletivo. Países nórdicos exemplificam isso: tributos altos são aceitos porque há confiança mútua e legitimidade pública.

A cultura cívica é cidadania ativa e compromisso público. Refere-se ao hábito de participação consciente e comprometida na vida pública — não só em eleições, mas na cobrança de direitos, fiscalização de governos e solidariedade intergrupal.

Sem cultura cívica, a desigualdade se reproduz com naturalidade, como se fosse destino e não construção política. A elite econômica captura o Estado e manipula a legislação para seus interesses via lobby, isenções, “reformas” de flexibilização de direitos sociais conquistados outrora.

A população se torna cética e apática, abrindo espaço para populismos autoritários de direita ou tecnocracias insensíveis. A justiça distributiva exige a cidadania fiscal e política ser ativa, informada e conflituosa, pois a igualdade não emerge do consenso, mas do embate cívico sobre prioridades. Em uma estrutura tributária progressiva, quem pode mais, contribui mais. Não há como financiar políticas redistributivas sem um sistema tributário progressivo, ou seja, tributar mais quem tem mais. Isso inclui imposto de renda com múltiplas faixas crescentes, tributação de lucros e dividendos, grandes fortunas e heranças, e redução da carga sobre consumo penalizadora dos mais pobres.

No Brasil, por exemplo, a tributação é regressiva: mais de 50% da arrecadação vem de tributos indiretos (ICMS, IPI), e os mais ricos quase não pagam imposto sobre patrimônio. Sem estrutura progressiva, qualquer política social se transforma em “esmola de governo”, não em direito financiado pela coletividade.

Um sistema de bem-estar social fornece uma provisão universal de bens essenciais (saúde, educação, previdência, proteção ao desemprego, cuidado infantil e social). É o principal mecanismo de redistribuição indireta e geração de igualdade real, não apenas monetária.

Seus benefícios universalizam oportunidades de vida, especialmente para crianças e mulheres. Reduzem incertezas prejudiciais à classe média e aos trabalhadores informais. Reforçam a legitimidade do Estado como agente de proteção social.

Em vez de depender de O Mercado, como em planos de saúde, escolas privadas, previdência privada complementar para aposentadoria, o bem-estar social cria uma infraestrutura comum. Ela garante dignidade a todos, independentemente de renda.

Há interdependência desses quatro componentes. Eles se retroalimentam. Sem a coesão social não há base simbólica para repartir recursos com justiça. Sem cultura cívica        a população não exige, fiscaliza nem sustenta políticas redistributivas. Sem estrutura tributária progressiva o Estado não tem recursos nem legitimidade para financiar igualdade. Sem um sistema de bem-estar a desigualdade volta a crescer pelas vias do mercado.

Sem essa arquitetura interdependente, até medidas bem-intencionadas fracassam. Elas ou são desmontadas por pressão política, ou se tornam frágeis e simbólicas.

Portanto, alcançar uma sociedade mais igualitária exige algo mais além de decretos-leis ou transferências de renda: exige imaginação institucional, engenharia fiscal e mobilização cidadã. São necessárias décadas de construção de legitimidade distributiva, como demonstram as experiências dos países escandinavos, do pós-guerra europeu ou dos sistemas universais latino-americanos, desmontados nas décadas neoliberais.

Como diz o sociólogo Boaventura de Sousa Santos: “a justiça social exige a igualdade ser pensada não como ponto de partida, mas como horizonte político sustentado por práticas concretas de solidariedade.”

Sob demanda orientada, a Inteligência Artificial apresenta um quadro comparativo internacional entre países com sistemas mais e menos igualitários, com base em quatro dimensões fundamentais:

  1. estrutura tributária;
  2. sistema de bem-estar social;
  3. coesão social e cultura cívica;
  4. indicadores de desigualdade como Gini, mobilidade social, acesso a serviços públicos.

Comparativo internacional: sistemas mais e menos igualitários

DimensãoPaíses Mais Igualitários 🇸🇪🇩🇰🇩🇪🇨🇦Países Menos Igualitários 🇧🇷🇿🇦🇺🇸🇮🇳
1. Estrutura TributáriaImposto de renda altamente progressivo; tributação de heranças, grandes fortunas e lucros; baixa carga sobre consumoPredominância de tributos indiretos; baixa progressividade; isenções a lucros e dividendos;
alta regressividade fiscal
ExemplosSuécia, Alemanha, Dinamarca, FrançaBrasil, África do Sul, EUA (parcial), Índia
2. Sistema de Bem-Estar SocialUniversalista; saúde, educação, previdência e proteção social públicas e amplas; cuidado infantil e seguro-desemprego garantidosFragmentado ou focalizado; baixa cobertura de serviços públicos; mercado privado dominante em saúde e educação
ExemplosNoruega, Finlândia, Canadá, ÁustriaEUA (modelo liberal),
Brasil (modelo híbrido e subfinanciado), Índia
3. Coesão Social / Cultura CívicaAlta confiança institucional; baixa evasão fiscal;
cidadãos veem impostos como contribuição cívica
Baixa confiança no Estado; evasão/elisão fiscal elevadas; percepção de impostos
“não retornarem”
ExemplosDinamarca, Holanda, Nova ZelândiaBrasil, EUA, México,
África do Sul
4. Indicadores de DesigualdadeCoeficiente de Gini abaixo de 0,30; alta mobilidade social; acesso universal a bens públicosGini acima de 0,45;
mobilidade social travada; segregação territorial e educacional acentuada
ExemplosEslovênia (~0,24), Noruega (~0,28), Alemanha (~0,29)Brasil (~0,48), África do Sul (>0,60), EUA (~0,41)

Em uma interpretação sistêmica, nos países mais igualitários, há consistência entre tributação, proteção social e cultura política: os ricos são tributados progressivamente e os recursos redistribuídos por meio de sistemas públicos abrangentes. Nos países mais desiguais, o Estado funciona muitas vezes como mediador de privilégios, e não como promotor de direitos universais. Isso se traduz em políticas focalizadas, desconfiança pública e resistência à tributação progressiva.

Vale fazer os destaques específicos em posições extremas e intermediária:

🇧🇷 Brasil

  • Tributação regressiva: mais de 50% da arrecadação vem de tributos sobre consumo (ICMS, IPI).
  • Gasto social ambíguo: existe SUS e educação pública, mas com subfinanciamento crônico.
  • Alta desigualdade: concentração patrimonial, baixa mobilidade social e persistência de desigualdades raciais e regionais.

🇸🇪 Suécia

  • Altíssima carga tributária progressiva, com IR chegando a 60% nas faixas superiores.
  • Sistema universal de bem-estar: educação, saúde, previdência e creches públicas e integradas.
  • Alta coesão social: confiança mútua entre cidadãos e Estado, e baixíssima evasão fiscal.

🇺🇸 Estados Unidos

  • Modelo liberal: carga tributária moderada, pouca redistribuição direta.
  • Desigualdade elevada, mas com mobilidade intergeracional ligeiramente superior à do Brasil.
  • Sistema fragmentado: saúde e educação privadas, dependência de caridade e filantropia para compensar falhas do sistema.

A igualdade não nasce de uma única política, mas de um ecossistema institucional coeso. É necessário combinar tributação progressiva, provisão universal de bens públicos, cultura cívica e confiança no Estado, além de instrumentos potentes de proteção social.

Países com falhas em alinhar essas dimensões tendem a naturalizar a desigualdade como destino. Em paralelo, os capazes de construir esse projeto coletivo a reduzem não apenas via transferência de renda, mas pela garantia estrutural de oportunidades reais.


*Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Foto de capa:  Markus Spiske/ Unsplash

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Uma resposta

  1. Muito bom. Parabéns pelo texto. O que mais me marcou foi a importância dos dois primeiros conceitos, coesão social e cultura cívica. No caso do Brasil, falta esta base necessária, que precisaria ser construída antes de qualquer coisa. Mas aí pergunto: Como? Por onde começar? Como fazer este nosso povo voltar a acreditar no bem estar social?

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