Da REDAÇÃO*
Um grupo de senadores e deputados bolsonaristas protagonizou cenas inéditas de tumulto no Congresso Nacional ao ocupar as mesas diretoras da Câmara e do Senado, impedindo por mais de 30 horas o funcionamento das duas Casas. A iniciativa teve como estopim a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O protesto, de tom teatral e autoritário, incluiu uma encenação em que senadores simularam estar acorrentados à mesa do Senado, usando correntes falsas e discursos inflamados para dramatizar sua tentativa de pressionar o Congresso e mobilizar a opinião pública em defesa de Jair Bolsonaro.
Motivos do motim e as pautas radicais
O motim liderado por parlamentares bolsonaristas foi uma reação direta à decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. Aproveitando o episódio, os congressistas mobilizaram uma ação coordenada de obstrução, com o objetivo explícito de forçar a cúpula do Congresso a pautar projetos de seu interesse político e jurídico.
As principais exigências dos manifestantes foram:
- a anistia irrestrita ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023;
- o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado;
- o fim do foro privilegiado, com o intuito de retirar os processos contra Bolsonaro e seus aliados do julgamento no STF.
Essas pautas atendem exclusivamente aos interesses do ex-presidente e de sua base mais radical, ameaçada por decisões da Suprema Corte. A anistia enfraqueceria o sistema de responsabilização por crimes contra a democracia. O impeachment de Moraes serviria como retaliação ao avanço das investigações. E o fim do foro privilegiado, neste contexto, busca deslocar os processos para instâncias inferiores, consideradas mais suscetíveis a pressões políticas locais.
Ao usar a estrutura do Parlamento para tentar impor essas pautas por meio de coerção institucional, os parlamentares bolsonaristas expuseram o real propósito do protesto: criar um escudo legal e simbólico para proteger Bolsonaro das consequências jurídicas de seus atos enquanto presidente.
Quem são os protagonistas do protesto no Senado
- Magno Malta (PL‑ES): pastor evangélico, cantor gospel e ex-vice-presidente da CPI da Pedofilia, é conhecido por discursos inflamados e moralistas. Em um dos episódios mais controversos de sua carreira, acusou falsamente um pai de família de pedofilia no Espírito Santo, o que levou à ruína da vida do acusado. Foi investigado por suposto envolvimento em esquemas de corrupção e perdeu a eleição ao Senado em 2018, sendo posteriormente resgatado politicamente por Bolsonaro.
- Jorge Seif (PL‑SC): empresário do setor pesqueiro, tornou-se Secretário Nacional da Pesca no governo Bolsonaro, onde atuou promovendo flexibilizações ambientais e favorecimentos ao setor. É presença constante em atos de apoio ao ex-presidente e defensor de teses conspiratórias ligadas às urnas eletrônicas.
- Damares Alves (Republicanos‑DF): ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, notabilizou-se por declarações folclóricas, como a de que viu Jesus em cima de uma goiabeira. Advogada e pastora, Damares dissemina pautas ultraconservadoras e teorias de conspiração sobre “doutrinação” de crianças. Foi criticada internacionalmente por falas consideradas misóginas e desinformativas.
- Izalci Lucas (PL‑DF): senador ligado ao setor empresarial de Brasília, já foi citado em investigações sobre desvios em licitações educacionais. Atua como linha auxiliar do bolsonarismo no Senado.
- Eduardo Girão (Novo‑CE): empresário do ramo funerário, chegou ao Senado com pauta de segurança pública e moral religiosa. É adepto de práticas espiritualistas e conhecido por discursos contra o STF e a laicidade do Estado.
- Marcos Pontes (PL‑SP): ex-astronauta e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, teve atuação criticada pela comunidade científica durante a pandemia, especialmente por cortes no orçamento da área. Desde que entrou na política, alinhou-se totalmente ao bolsonarismo, aderindo a protestos e votações simbólicas.
Juntos, esses parlamentares formam uma frente parlamentar informal marcada pelo negacionismo, moralismo e defesa irrestrita de Jair Bolsonaro, muitas vezes à revelia dos preceitos constitucionais e da convivência democrática.

Obstrução e recuo tático
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enfrentou uma situação insólita: levou mais de seis minutos para atravessar o plenário até a cadeira da presidência, que estava ocupada pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). A cena foi marcada por empurra-empurra, negociações tensas e resistência simbólica, até que Motta fosse praticamente arrastado até seu posto pelo deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL).
Van Hattem, conhecido por sua postura agressiva e discursos moralistas, fez carreira se apresentando como um bastião do “conservadorismo limpinho”. Ex-aluno de intercâmbio financiado por fundações ultraliberais e fã confesso do Tea Party norte-americano, o deputado gaúcho combina retórica exaltada, aversão ao contraditório e um figurino que parece saído de um seminário da direita estudantil dos anos 1980. Durante 30 horas, os bolsonaristas bloquearam fisicamente o plenário. A retomada ocorreu sob ameaça de suspensão de mandato por seis meses. A sessão, aberta às 22h de quarta-feira (6/8), durou poucos minutos.
Lideranças de 17 partidos condenaram a ocupação e afirmaram que não aceitariam negociações sob chantagem. Ainda assim, o PL afirmou ter obtido compromisso para pautar a anistia e o fim do foro.
No Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) também foi pressionado, mas declarou que não pautará o impeachment de Moraes. Anunciou sessão virtual para contornar a obstrução e manter a pauta legislativa, como a votação da isenção do IR.
Postura antidemocrática
O comportamento dos parlamentares bolsonaristas durante o motim escancarou o desrespeito às regras mais básicas do funcionamento democrático. Ao se recusarem a dialogar com colegas da base governista e exigirem reuniões exclusivas com os presidentes da Câmara e do Senado, demonstraram uma tentativa deliberada de impor suas vontades por meio de isolamento institucional, rompendo com a lógica do pluralismo político que estrutura o Parlamento.
A recusa em participar de sessões conjuntas, em ambientes abertos ao contraditório e à divergência — que são próprios da democracia —, revela uma lógica autoritária, onde só há espaço para a própria narrativa. Tal postura nega a legitimidade dos demais parlamentares, igualmente eleitos pelo voto popular, e tenta sequestrar o funcionamento do Legislativo para interesses de um único grupo político.
Além disso, a ocupação física das mesas diretoras, símbolo da condução institucional das duas Casas, foi uma afronta direta à autoridade das presidências e ao rito democrático. Trata-se de uma tentativa de desestabilização que, embora contida, deixa claro o risco de erosão institucional promovido por setores que atuam deliberadamente contra o Estado Democrático de Direito.
O subtítulo desta matéria — “baderna e golpismo contidos” — justifica-se precisamente por esse conjunto de ações: houve tentativa explícita de burlar as regras democráticas para proteger Jair Bolsonaro e reverter decisões do Judiciário por vias ilegítimas. A desordem promovida no Congresso não foi um ato espontâneo de protesto, mas uma encenação com objetivos políticos autoritários, travestida de resistência institucional.
Os riscos de normalizar a desordem institucional
A recente baderna promovida por parlamentares bolsonaristas no Congresso Nacional vai muito além de um protesto teatral. Trata-se de uma tentativa clara de chantagear as instituições democráticas para obter vantagens pessoais e políticas em benefício direto do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados, investigados por tentativas de golpe de Estado e pelos ataques de 8 de janeiro.
A obstrução forçada das sessões legislativas impediu a tramitação de propostas urgentes, como a medida provisória que isenta do imposto de renda quem ganha até dois salários mínimos. Ao colocar interesses autorreferentes acima das demandas da população, os parlamentares demonstraram completo desprezo pelo bem comum e pelas regras do jogo democrático.
A teatralização com correntes, algemas e falas delirantes não só banaliza o ambiente legislativo, como também transforma o Congresso em palco de desinformação e extremismo. Esse tipo de comportamento mina a credibilidade das instituições e enfraquece a capacidade de resposta do Estado às reais necessidades da sociedade.
O ataque ao Supremo Tribunal Federal e a tentativa de pautar o impeachment de seus ministros configuram grave afronta à independência dos Poderes. São atitudes que reeditam práticas autoritárias vistas apenas em períodos de exceção, como a Era Vargas e a ditadura militar.
Por fim, a insistência em pautar anistia a golpistas e em desmontar o foro privilegiado com intenção de livrar aliados do julgamento no STF reforça o caráter golpista do movimento. Não se trata de defesa de princípios, mas de uma estratégia para contornar a Justiça.
Esse episódio deixou claro que há no Congresso uma minoria barulhenta que age contra as instituições democráticas. Sua contenção firme e legal é essencial para a preservação da ordem institucional e do respeito ao Estado Democrático de Direito.
*Com informações da Folha de São Paulo, O Globo e Zero Hora.
Foto da capa: Presidente Hugo Motta assume a cadeira após 30 horas de ocupação | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados.





Uma resposta
Todos os envolvidos nessa agressão e tentativa de desmoralizar o Congresso devem ser exemplar e rapidamente PUNIDOS.
Pessoalmente defendo a cassacao e perda de direitos de concorrer por 30 anos