As Esferas do Prefeito Melo

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Por SOLON SALDANHA*

Como parte integrante do longo processo de revitalização do centro da cidade de Porto Alegre, em julho de 2025 foram instaladas esferas feitas de concreto no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público. Cada uma delas pesa 52 quilos e seu objetivo é delimitar as áreas usadas por pedestres e impedir o acesso indevido de veículos. Seu custo foi de aproximadamente R$ 700 mil. Informação não confirmada assegura que isso foi custeado pela construtora Cyrela Goldsztein, como contrapartida a um empreendimento a ser erguido na Rua Marquês do Herval.

A primeira controvérsia surgida após sua colocação veio do fato de uma total e inexplicável insensibilidade: algumas ficaram sobre o piso podotátil existente, prejudicando a acessibilidade de pessoas com deficiência visual. Esses pisos são aqueles texturizados, postos no chão para que oriente quem deles necessite, alertando sobre a existência de algum obstáculo e indicando caminhos. Eles possuem relevos que podem ser sentidos com os pés ou com as bengalas. Nas ruas em geral são trilhas, os chamados direcionais. Mas, existem também os de alertas, feitos com bolinhas, que indicam riscos como escadas, rampas e as beiradas de plataformas. Sua instalação é regida por normas técnicas da ABNT, que estabelecem diretrizes que não podem ser ignoradas. Só que foram.

O segundo problema causado pelas bolas que o prefeito Sebastião Melo achou por bem autorizar a instalação foi notado na última quarta-feira. Houve incêndio de razoável proporção, que atingiu dois casarões que são históricos (um deles é de 1884), na Rua Marechal Floriano, onde funcionavam duas lojas, uma de artigos natalinos e outra de calçados. Para atender essa ocorrência, os bombeiros tiveram dificuldades em movimentar viaturas, devido aos tais obstáculos esféricos. O ponto em questão fica entre a Rua Voluntários da Pátria e a Av. Otávio Rocha, justamente próximo ao Mercado Público.

Antes de controladas, as chamas se propagaram atingindo os prédios vizinhos – Edifício Phoenix e Edifício Praça XV –, que são muito altos. Ocorreram danos até o 13º andar, com o desplacamento de paredes e a queda de pedaços de concreto. Pelo menos 23 pessoas precisaram ser socorridas e algumas foram encaminhadas para atendimento hospitalar, felizmente sem que nenhuma estivesse em estado grave. A maioria por inalação de fumaça, com um homem encontrado convulsionando e uma mulher com broncoespasmo.

A questão é saber porque não foram consultados os responsáveis pela segurança pública, antes da instalação ser feita. Não ocorreu a ninguém na Prefeitura, que deve ter responsáveis técnicos para avaliar todo e qualquer procedimento, que o suposto embelezamento não pode colocar em risco a população? As esferas são encaixadas no solo por intermédio de uma barra roscada. O que pensaram foi esmaltar todas com verniz, para facilitar a retirada de eventuais pichações. Agora, sobre saber da sua conveniência, ninguém fez nada? E existe ainda a intenção de colocar os mesmos balizadores em outras áreas da cidade. Uma seria a orla de Ipanema, onde talvez atrapalhem menos. O mobiliário teve sua criação a cargo da italiana Metalco, sendo produzido na filial da empresa em Flores da Cunha, na Serra Gaúcha. A mesma indústria tem colocado bancos em formato de pedra em alguns parques e praças da Capital.

Um outro problema escancarado pelo incêndio da quarta foi estar Porto Alegre sem uma Escada Magirus – seu nome vem da empresa alemã de 1864, pioneira no desenvolvimento de escadas mecânicas para combate a incêndios. Só que esse problema está afeto ao Governo do Estado. Se tivesse sido necessário o resgate de pessoas nos andares altos dos prédios laterais, seria um problema complicadíssimo. Tiveram que pedir emprestada uma para os bombeiros de Caxias do Sul, que acabou sendo fundamental para controlar novos focos que surgiram durante a noite e para realizar o trabalho de rescaldo. Mas que não teria chegado a tempo de salvar vida alguma.

Se fosse feito um convênio entre a prefeitura de Porto Alegre e o Estado, as bolas do prefeito Melo pagariam cerca de dez por cento do custo de uma Magirus dessas, que são imprescindíveis se levarmos em conta o número de prédios que temos e suas alturas. E, com as mudanças que estão propondo ao Plano Diretor, eles ficarão ainda mais altos e muito mais perigosos. É totalmente inaceitável que não se tenha uma em operação, sendo insuficiente a explicação de que a única existente está desativada, sem previsão para seu retorno, enquanto se espera uma peça que foi encomendada na Alemanha. 

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*Solon Saldanha é jornalista e blogueiro.

Texto publicado originalmente no Blog  Virtualidades.

Foto de capa: As esferas instaladas no entorno do Mercado Público – Foto: Jonathan Heckler/RBS

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Uma resposta

  1. Continúa à constatação da ignorância dos moradores de POA.
    Elegeram um personagem suspeito de ignorância URBANA, primeiro as inundações, e agora às bolas do cara.

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