Arte e Cultura no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos

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Por Antonio Lopes de Souza Neto*

São indiscutíveis os avanços no campo dos direitos humanos e na educação em direitos humanos que o Brasil vivenciou a partir de 2002 com a sequência dos governos de Lula e Dilma Roussef. Estruturas governamentais foram criadas como a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, ligadas à Presidência da República e posteriormente alçadas à ministérios. Vários conselhos de direitos, comitês e comissões foram criadas como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos e a Comissão Nacional da Verdade que investigou crimes cometidos durante a ditadura militar.

No Ministério da Educação foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), depois reestruturada e renomeada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), sendo responsável pelo programa de formação para profissionais da educação em todas as áreas dos direitos humanos (gênero, raça e etnia, diversidade sexual, povos indígenas, educação no campo, criança e adolescente e pessoas com deficiência dentre outras) e também pelo fomento à produção de materiais didáticos nestas áreas.

Vimos a construção de programas e planos nacionais como por exemplo o Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos 3 (PNDH3), o Plano Nacional de Educação em Direitos, o Plano Nacional de Política para as Mulheres e o Programa Bolsa Família. Também vivenciamos a construção de marcos legais como a Lei de Cotas no Ensino Superior, a Lei do Feminicídio e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. A participação social ganhou espaço movimentou as organizações e movimentos sociais. Foram realizadas inúmeras conferências nacionais, em diversas áreas, precedidas por etapas estaduais e municipais, visando a construção de políticas públicas. Quase tudo isso foi posto abaixo após o impeachment de Dilma em 2016.

A chegada de Lula ao seu terceiro mandato presidencial marca, então, o início de um processo de reconstrução nacional após seis anos de desmonte de políticas públicas e retrocessos institucionais. Os governos seguintes ao impeachment promoveram uma agenda de desregulação ambiental, desmonte das políticas de combate à fome, desarticulação de órgãos de participação social e enfraquecimento de políticas voltadas à igualdade racial, de gênero e educação em direitos humanos.

Não podemos nos esquecer de que o período foi marcado por um negacionismo deliberado na gestão da pandemia de COVID-19, o que resultou em milhares de mortes evitáveis e um aprofundamento das desigualdades sociais e que o país enfrentou uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023, quando extremistas bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, num ataque sem precedentes à democracia brasileira, pondo em evidência o fortalecimento da extrema-direita odiosa e carregada de todas as formas de preconceitos e discriminações.

No campo político-econômico, Lula enfrenta um cenário bem diferente dos seus dois primeiros mandatos num contexto de restrições orçamentária, agravadas pelo “sequestro” de recursos por um Congresso Nacional dominado por setores ultraconservadores e pelo chamado “orçamento secreto”, mecanismo que consolidou o desvio de verbas públicas sem transparência e controle adequado. O estrangulamento orçamentário imposto pela extrema direita tem dificultado a execução de programas sociais essenciais, como o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família e políticas voltadas à educação e aos direitos humanos.

Apesar dessas dificuldades, o novo governo tem avançado na retomada de políticas fundamentais. A recriação de ministérios estratégicos, como o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e o Ministério das Mulheres e ainda a criação do Ministérios dos Povos Indígenas demonstram um compromisso com a reconstrução da agenda de direitos humanos. O relançamento de programas de segurança alimentar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), busca combater o aumento da fome no Brasil, que voltou a assombrar milhões de brasileiros durante o governo anterior.

Outro aspecto que demonstra compromisso com a retomada das políticas voltadas aos direitos humanos é a recriação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) no âmbito do Ministério da Educação e a reativação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, agora renomeado para Comitê Nacional de Educação e Cultura em Direitos Humanos, no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC) avançou na institucionalização da educação em direitos humanos com a criação da Comissão Nacional de Políticas Educacionais de Educação em Direitos Humanos. Essa comissão tem o papel estratégico de formular diretrizes, monitorar ações e promover articulações interinstitucionais para garantir que os princípios dos direitos humanos estejam incorporados às políticas educacionais em todos os níveis e modalidades de ensino.

Composta por representantes da sociedade civil e gestores públicos, a comissão fortalece o compromisso do Estado com a construção de uma educação que promova a cidadania, a diversidade e o respeito aos direitos fundamentais. A Secadi/Mec, com muito esforço por conta o orçamento limitado, reiniciou no ano de 2023 o fomento à formação continuada de profissionais da educação com a oferta do curso “Educação em Direitos Humanos” por aproximadamente 15 instituições federais.

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, por meio do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, prepara-se para a revisão e atualização do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) que foi elaborado com o objetivo de promover uma cultura de direitos humanos no país por meio da educação. Sua primeira versão foi construída a partir de um amplo processo participativo e lançada em 2003, com atualização em 2006 que buscou ampliar seu alcance e efetividade.

Atualmente, o PNEDH está estruturado em cinco eixos fundamentais: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não Formal; Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança; e Mídia e Educação em Direitos Humanos. Esses eixos orientam políticas e ações voltadas para a formação cidadã e a promoção da igualdade e justiça social. É um avanço importante a inclusão de “cultura” na denominação do Comitê. No entanto, é fundamental que termo incluído na nomenclatura do Comitê tenha uma abordagem ampla que a palavra carrega, indo para além da “cultura dos direitos humanos”, incorporando efetivamente as artes e a cultura como dimensões essenciais para a educação em direitos humanos.

As artes têm o poder de sensibilizar, educar e transformar. Elas possibilitam a problematização de realidades sociais oferecendo novas perspectivas. Através da música, do teatro, da literatura, do cinema e das artes visuais, valores fundamentais dos direitos humanos, como a igualdade, a justiça e a liberdade, são transmitidos de maneira acessível e impactante. São, portanto, poderosas ferramentas para a educação em direitos humanos. Além disso, a cultura é uma manifestação viva da identidade dos povos, comunidades, grupo e coletivos sociais.

O reconhecimento e a valorização das expressões culturais são fundamentais para a afirmação de suas identidades e de seus direitos, especialmente para grupos historicamente marginalizados, como populações indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas, comunidades periféricas e grupos LGBTQIA+. Por tudo isso a inclusão do eixo “Artes e Cultura” no PNEDH fortaleceria políticas e práticas educacionais que combatam preconceitos, promovam o respeito à diversidade e ampliem o acesso à cultura como um direito humano fundamental. O novo eixo “Artes e Cultura” aproximaria os Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e Ministério da Cultura.

Outro aspecto relevante é o potencial das artes para a educação crítica e emancipatória. A cultura pode atuar como ferramenta pedagógica para a reflexão sobre temas como racismo, xenofobia, desigualdade de gênero e violência, contribuindo para a construção de uma sociedade mais democrática e plural. A presença do eixo “Artes e Cultura” no PNEDH incentivaria projetos educativos interdisciplinares, promovendo metodologias inovadoras que estimulem o pensamento crítico e a participação ativa dos estudantes na defesa dos direitos humanos.

Por fim, diante dos desafios contemporâneos, a inclusão desse eixo é uma estratégia para fortalecer uma educação que vá além do aspecto cognitivo, abrangendo dimensões éticas, emocionais e criativas. Somente por meio de uma educação integral e humanizadora poderemos formar cidadãos conscientes e comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Dessa forma, a defesa da inclusão do eixo “Artes e Cultura” no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos não é apenas uma necessidade, mas um imperativo para garantir uma educação que reconheça e valorize a arte como direito, como expressão da dignidade humana e como um poderoso instrumento para a promoção da justiça social e da cidadania.

Vitoria – ES, 02 de fevereiro de 2025

*Antonio Lopes de Souza Neto é servidor técnico-administrativo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Possui Especialização em Educação a Distância pela Universidade Federal de Mato Grosso e Licenciatura em Física pela UFES. É mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática do IFES-ES. Coordena a “Rede de Educação para a Diversidade da UFES” e Preside a Comissão de Ética Pública da UFES.

Ilustração: Barrigudos passeando, da série Barrigudos. Obra de Tiago César Instagram

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande um texto para redacaoportalred@gmail.com. Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia.

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