Arranjos Produtivos como Estratégia para Enfrentar a Crise nas Universidades

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Por J. CARLOS DE ASSIS*

O professor João Carlos Salles, da Universidade Federal da Bahia, fez no site RED um artigo demolidor sobre um editorial com que a Folha de S. Paulo ataca violentamente a universidade pública brasileira e assume o ponto de vista retrógrado de que ela seria apenas um peso financeiro para o Estado. Salles reforça o manifesto conjunto da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências (SBPC) que sustenta que o contingenciamento de verbas ora definido pelo governo leva ao “desmonte da universidade pública em nosso país”.

No Editorial da Folha, segundo Salles, “as universidades aparecem como um projeto fracassado e caro, um inútil poço sem fundo, no qual, ademais, servidores docentes e técnicos atrevem-se a fazer greves, tendo o condenável benefício da estabilidade”. A Folha considera a universidade uma repartição pública qualquer, que não teria dignidade própria nem mereceria ser protegida das intempéries da economia. As universidades, afirma o Editorial, são meros “exemplos de distorções e vícios da gestão pública”. Já vai longe aqui o momento em que até a Folha reconhecia o valor das universidades, por exemplo, no combate à pandemia, diz Salles..

Faço essa longa citação para situar a crise financeira das universidades federais brasileiras como um caso exemplar do distanciamento entre políticas públicas essenciais e a especulação financeira improdutiva e desenfreada patrocinada pelo próprio Governo. Isso se aplica às  políticas monetária e fiscal que comprimem o orçamento primário para liberar verbas a fim de sustentar o serviço da Dívida Pública que já alcança por ano R$ 1,1 trilhão. Contudo, eu prometi, em artigo anterior, não tratar de macroeconomia, mas de soluções para o Brasil, preferivelmente “de baixo para cima”. Começo com as universidades.

Acho que as universidades federais, e as públicas em geral, podem construir uma bela saída para sua situação crítica. Já falei nela. São os Arranjos Produtivos Locais, Regionais e Vocacionais, articulando Capital e Trabalho, e estabelecendo as bases de uma nova sociedade não conflituosa entre Capital e Trabalho que estamos chamando de Sociocapitalismo. Hoje vou dar o passo a passo de um exemplo de APL que pode ser aplicado na UFRJ  e estendido a todas as universidades públicas em situação financeira crítica.

Antes, porém, destaco os casos concretos que a ABC e a SBPC apresentam como exemplos da degradação das universidades públicas por causa do corte de verbas. “Mais de 90% da pesquisa científica brasileira é resultado das pesquisas realizadas nas universidades públicas do país. A limitação orçamentária imposta não apenas ameaça a continuidade das pesquisas, como também compromete a formação de profissionais altamente qualificados, essenciais para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico do Brasil. Ao adiar e diminuir significativamente a liberação de recursos, o governo dificulta o funcionamento dessas instituições, comprometendo sua capacidade operacional.”

A corroborar o alerta sobre os riscos das instituições pararem de atender, continua Salles, o Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ tornou público na terça-feira (20/05) que “pela primeira vez em sua história está sem medicamentos para  distribuir aos seus pacientes ambulatoriais. Estamos sem recursos para manter nossas atividades acadêmicas e assistenciais”, frisou. Na sua nota o IPUB destaca ainda que “A verba do PRHOSUS destinada aos hospitais universitários não chegou e não há previsão de chegada.”

É uma ilusão pensar que isso vai mudar por força da pressão dos reitores sobre o presidente Lula. Não são os institutos e universidades federais que tem que ser atendidos pela generosidade da equipe econômica, mas toda a política fiscal e monetária teria que ser virada de cabeça para baixo, pois seu enquadramento no “arcabouço fiscal” e na Lei de Responsabilidade Fiscal que lhe deu origem exige cortes recorrentes no orçamento primário para que o País possa bancar o serviço da Dívida Pública. Diante disso, o melhor mesmo é criar uma alternativa “de baixo para cima” para salvar as universidades públicas, inclusive a UFRJ, a partir de sua conversão em APLs.

Organização de um Arranjo Produtivo na UFRJ.

  1. É importante começar pela a explicação por um especialista do funcionamento ideal do modelo de Arranjo para atrair eventuais participantes. Segue um exemplo prático sumário.
  2. No caso da UFRJ, seria necessária a realização de uma grande assembleia, presencial ou online, por todos os integrantes de faculdades ou departamentos – o que for mais prático – com participação das pessoas que trabalham na Universidade, desde professores, pesquisadores, cientistas a pessoal de apoio, a fim de consultá-las sobre a adesão ou não ao modelo de APL.
  3. Se a maioria aprovar, eleger na Assembleia geral a Diretoria Executiva com mandato definido, encarregada de tomar as seguintes iniciativas: 1) criar uma Sociedade Anônima tendo como acionistas todos os trabalhadores do Arranjo, de professores a pessoal de apoio, com participação igualitária nas ações ordinárias e preferenciais; 2) registrar a S.A. no CNPJ e criar uma marca específica para o APL; 3) fazer um acordo com o Governo pelo qual o Estado fica com 20% das ações ordinárias e preferenciais da S.A., cedendo as ações restantes (80%) ao próprio APL para gerenciar, distribuir aos participantes do Arranjo e colocar no mercado.

Operações Passivas

4. Definição dos salários básicos de todas as categorias de trabalhadores integrantes do APL para efeito de monetização e pagamento de seus serviços mediante a utilização de uma plataforma digital (salário básico+trabalho normal e extra, realizados por tempo determinado);

5. Outras despesas operacionais do Arranjo;

6. Despesas operacionais assumidas junto ao proprietário legal do APL (UFRJ) para investimentos, conservação, reforma e construções necessárias para o bom funcionamento dele;

7. Custos financeiros relativos a títulos de médio e longo prazos colocados no mercado para financiamento do APL.

      Operações Ativas

8. Receitas provenientes dos trabalhos realizados e monetizados, como indicado abaixo.

9. Receitas provenientes da colocação de títulos financeiros junto a alunos das classes médias que queiram formar um fundo para ser comercializado ou usado depois de formados.

10. Colocação de títulos junto à população em geral.

11. Receitas eventuais provenientes de alugueis de imóveis que não estão em uso pelo próprio Arranjo.

12. Receitas provenientes de sobras de energia elétrica eólica e solar produzida no APL.

13. Receitas relativas a serviços de consultoria prestados a empresas públicas e privadas pelo APL.

14. Receitas relativas ao desenvolvimento de projetos para empresas públicas e privadas.

15. Receitas relativas à criação e registro de patentes.

16. Receitas pela venda ao público da marca do APL em camisetas, anéis, pastas, material escolar e utensílios variados que acentuam sua identidade.

17. Receitas provenientes da produção e comercialização de outros bens produzidos na UFRJ por cooperativas associadas de micro e pequenos produtores.

Resultado Operacional e Lucro

18. Operações ativas menos operações passivas

19. Distribuição igualitária dos lucros aos sócios e aos investidores nas ações

20. Reserva de lucros para concessão a autores de pesquisas excepcionais que contribuem para o registro de patentes em nome do APL.

    Quem ganha com esse sistema.

    Todos. A começar pelo Governo, que em vez de destinar verbas para as universidades receberão 20% dos lucros delas em APLs. Participantes terão salários absolutamente justos, diretamente proporcionais ao seu trabalho. As diferenças salariais entre as categorias profissionais serão mínimas, na medida em que sejam compensadas pela participação igualitária no lucro. A difusão de APLs no Brasil por universidades eliminaria os conflitos históricos entre Capital e Trabalho, constituindo a base do Sociocapitalismo.     


    *J. Carlos de Assis é jornalista, economista, doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Política da UEPB, e atualmente economista chefe do Grupo Videirainvest-Agroviva e editor chefe do jornal online “Tribuna da Imprensa”, a ser relançado brevemente.

    Foto de capa: Reprodução

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    Respostas de 3

      1. Realmente, a proposta do articulista seria uma privatização dissimulada de uma Instituição Pública que serviria de modelo para as demais Universidades Públicas; o que seria inaceitável para professores, servidores e estudantes.

    1. Seria a proposta uma saida para a crise das universidades. Ou pelo menos uma tentativa!
      Melhor q o modelo atual de privatização.
      E seria um laboratòrio para outros òrgãos com problemas iguais.
      Seria parecido com o cooperativismo?
      A proposta foi feita. A bola com o Lula.

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