Por ARLINDO VILASCHI*
Vivemos tempos em que a reflexão sobre a realidade mundial e nacional não pode ignorar a combinação de crises que se aprofundam e ameaçam a vida em escala planetária. O olhar sobre a Amazônia continua sendo fundamental, não apenas por sua importância ambiental e sociocultural, mas também por ser um território onde se expressam de forma dramática as contradições de um modelo econômico que concentra riquezas, amplia desigualdades e ameaça a própria sobrevivência humana.
A Amazônia é um espaço vital para a biodiversidade mundial. Seu ciclo das águas, seus solos e sua floresta regulam fluxos de umidade, energia e carbono em escala planetária. Mas, ao mesmo tempo, é palco de exploração predatória, de violência contra povos originários, camponeses, quilombolas, seringueiros e extrativistas. Povos que resistem, afirmando modos de vida em comunhão com a natureza, praticando a sustentabilidade socioambiental e valorizando saberes ancestrais. Ainda assim, sua existência é permanentemente ameaçada pelo avanço de fronteiras legais e ilegais de mineração e agronegócio, e pelo descaso com direitos fundamentais, como a demarcação de seus territórios e a autodeterminação dos que lá vivem há séculos.
A crise climática coloca a Amazônia como uma das regiões mais vulneráveis do planeta, ao lado do Ártico. Mas sua devastação não é apenas uma questão ambiental, é também social e política. A vida de milhões de pessoas é posta em risco por políticas que privilegiam o lucro imediato de poucos, em detrimento do bem comum. São interesses financeiros e geopolíticos que tratam florestas, rios e populações como mercadorias descartáveis.
Essa lógica não se restringe ao Brasil ou à América do Sul. O mundo vive distopias concretas que mostram até onde pode chegar a barbárie de um sistema pautado na indiferença à dignidade humana. Nada simboliza mais essa lógica do que as atrocidades cometidas, há décadas, contra o povo palestino em Gaza. Sob a proteção explícita dos Estados Unidos e o olhar complacente da maioria dos países europeus, perpetuam-se massacres, apartheid e negação sistemática de direitos. É presenciada uma tragédia humanitária que, em vez de comover consciências e mobilizar mudanças, é absorvida pela rotina cínica da geopolítica e pelo cálculo frio de interesses estratégicos.
Da Amazônia a Gaza, passando por tantas outras regiões em conflito ou em processo de devastação, emerge um mesmo fio condutor: o desprezo pelo bem comum e pela vida. O resultado é um mundo onde as distopias já não pertencem ao campo da ficção, mas ao cotidiano de bilhões que enfrentam fome, violência, deslocamentos forçados e a degradação acelerada da natureza.
A urgência é clara: romper com a surdez coletiva diante do grito da Terra e dos povos. Não se trata apenas de ajustar modelos econômicos, mas de transformá-los radicalmente. É necessário um pacto global pela vida, capaz de frear a destruição, enfrentar os interesses imediatistas de elites financeiras e devolver centralidade ao que deveria ser inegociável: a dignidade humana e o convívio harmonioso entre humanos e demais seres viventes.
O que está por vir será resultado de posicionamentos e de escolhas que forem feitas no presente. Cada ato de resistência, cada mobilização coletiva, cada política que reconheça a centralidade da vida sobre o lucro imediato, é um passo na construção de outro horizonte possível. Amazônia, Gaza e tantos outros territórios mundo afora, onde a devastação e a degradação se tornaram norma de dor, podem se transformar em espaços de esperança.
Para tanto, há que se ter coragem para enfrentar poderes estabelecidos, que operam sob a lógica do muito para poucos e pouco ou nada para a vasta maioria. É preciso acreditar em um projeto civilizatório fundado na justiça social, na solidariedade entre os povos e no cuidado com a Terra.
Arlindo Villaschi É Professor de Economia.
Foto de capa: Leonardo Milano/ICMBio




