Alcolumbre, a Democracia e o Impeachment de Alexandre de Moraes

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Por EDSON LUÍS KOSSMANN*

Soberania Constitucional em Defesa da Razão

A frase “soberano é o povo” ressoa como um mantra democrático, mas carrega uma armadilha perigosa se interpretada literalmente, ou tomada ao pé da letra, como se diz no jargão popular. A verdadeira soberania em um Estado Democrático de Direito reside na Constituição. É ela a pedra angular que estrutura o poder, define limites e garante que a vontade da maioria, expressa legitimamente nas urnas, não se transforme em uma “ditadura da maioria”. É neste contexto complexo e fundamental que a atuação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, diante das pressões pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, adquire relevância crítica.

A democracia não é um simples jogo de números. É um sistema delicado de pesos e contrapesos, onde o poder popular convive com instituições robustas e limites jurídicos intransponíveis. Esses limites – os “muros constitucionais” – existem precisamente para proteger minorias, direitos individuais e o próprio equilíbrio institucional contra a vontade ocasional das maiorias ou de grupos de pressão organizados. Ignorar esses limites em nome de uma suposta “vontade do povo” -muitas vezes interpretada de forma seletiva e barulhenta – é pavimentar o caminho para o arbítrio.

É aqui que a declaração de Alcolumbre se destaca. Ao afirmar que pautar um impeachment não é questão “meramente numérica, mas de avaliação jurídico-política”, envolvendo “justa causa, prova, adequação legal e viabilidade”, o presidente do Senado reconhece a natureza híbrida do papel do Senado nesse processo. Embora seja uma casa legislativa, ao julgar um impeachment (seja de membro do Executivo ou, mais raramente e complexamente, do Judiciário), o Senado exerce uma função jurisdicional. Esta função não pode ser reduzida a um plebiscito parlamentar. Exige rigor processual, fundamentação jurídica e estrita observância dos requisitos constitucionais.

Alcolumbre, portanto, coloca de forma correta e adequada que a “justa causa” e a “adequação legal” não são meros formalismos. São os freios constitucionais que impedem que o impeachment se transforme em instrumento de perseguição política ou de vingança contra decisões judiciais impopulares junto a certos setores, por mais contundentes que sejam. Exigir justa causa, provas robustas e a viabilidade legal do processo é um antídoto contra a tentação da arbitrariedade, tão evidente no trágico precedente do golpe-impeachment de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff, exemplo de como não se deve proceder.

A postura de Alcolumbre, até este momento, representa uma defesa concreta da democracia constitucional. Ele resiste à pressão de uma minoria transloucada que busca se apresentar como maioria e que pretende usar o mecanismo grave do impeachment como arma política contra um membro específico do Supremo Tribunal Federal (STF), descontentes com suas decisões em casos de grande impacto político. Capitular a essa pressão, ignorando os requisitos constitucionais sob o argumento de “atender ao povo” ou a uma suposta maioria parlamentar momentânea, seria um retrocesso perigoso. Seria substituir a soberania da Constituição pela tirania do clamor imediatista.

O debate sobre Alexandre de Moraes é intenso e legítimo. Críticas à sua atuação existem e podem ser discutidas nos fóruns apropriados. Contudo, o impeachment é uma ferramenta nuclear do sistema, reservada para crimes de responsabilidade graves e comprovados, não para desavenças políticas, divergências jurisprudenciais, ou caminhos para impunidade de criminosos. Usá-lo de forma leviana mina a independência do Judiciário e fragiliza todo o edifício democrático.

Portanto, insistir nos parâmetros legais e constitucionais é reafirmar um princípio vital: numa democracia, a Constituição é soberana. Ela é o escudo que protege todos – maiorias, minorias, instituições – da tentação do poder absoluto, seja ele exercido por um ditador, por uma assembleia descontrolada ou por uma maioria movida pela paixão momentânea. Defender essa soberania constitucional é defender a própria essência da democracia contra os cantos de sereia do populismo e do autoritarismo, disfarçados de vontade popular. A esperança é que os democratas se mantenham neste rumo, pois o equilíbrio das instituições brasileiras depende, na quadra histórica em que estamos vivendo, primordialmente, dessa coragem institucional.


*Edson Luís Kossmann é Advogado.

Foto de capa: Presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre — Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Tags:
Soberania constitucional, democracia, Senado, Davi Alcolumbre, impeachment, Alexandre de Moraes, STF, Estado de Direito, Constituição, Brasil

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