Por NORA PRADO*
Na semana três adolescentes de uma escola municipal de Caxias do Sul, na serra gaúcha, esfaquearam uma professora de inglês. Os jovens, entre 13 e 15 anos, atacaram a vítima pelas costas que teve ferimentos na cabeça e no pescoço. Felizmente a vítima foi atendida a tempo e passa bem. Os estudantes foram localizados e detidos. A menina de treze anos, que não teve participação direta, foi liberada enquanto os outros dois rapazes seguem presos.
Sim, a crônica policial continua firme, infelizmente, pois mostra a decadência de nossas instituições e a falência da família em promover os valores de respeito e empatia ao próximo. Ao que tudo indica os alunos já apresentavam problemas disciplinares e a direção da escola pretendia transferi-los para outra escola. Provavelmente a contrariedade com esta decisão foi a motivação que os levou a vingança. Eles pretendiam atacar o diretor da escola, mas não o encontrando, atacaram a professora que era a favor da medida. Ora, como é possível que professores não tenham paz nem segurança ao irem lecionar suas matérias em sala de aula, correndo o risco de serem mortos por pregarem um mínimo de respeito e disciplina? Por simplesmente se manifestarem a favor da civilidade e do bom senso?!
Outra notícia, estarrecedora, sobre o mesmo tema se refere aos pais de um aluno que agrediram a professora apenas porque ela exigiu que a criança, de sete anos, realizasse um exercício. Ela foi atacada na porta de casa e teve até os cabelos arrancados. O crime aconteceu em Salvador e, mais uma vez, mostra a família sendo cúmplice dos filhos e sem a menor noção de responsabilidade e respeito para com um professor.
A inversão de valores é gritante e mostra a fragilidade de adultos tomando as dores de uma criança e invalidando a autoridade de outro adulto, que no caso cumpria apenas o seu papel de educador.
Sinceramente não consigo entender essas reações extremas e violentas, sem choque nem revolta. Que sociedade monstruosa estamos criando para os nossos descendentes? Me considero uma pessoa progressista e a favor do diálogo, aberta as reinvindicações justas e pela democracia, sempre. Mas não posso deixar de me escandalizar com essas condutas agressivas e arbitrárias que ferem os relacionamentos humanos e põe em risco a vida de professoras e funcionários que prestam serviços fundamentais a educação.
Imaginem se estes mesmos adolescentes ao invés de um facão portassem a arma de fogo dos pais e, ao invés de facadas, disparassem tiros a queima roupa contra a professora? Teríamos mais um homicídio para aumentar a lista de horrores dentro das escolas. Sim, mais um argumento poderoso para derrubar a sanha de políticos, da extrema direita, ensandecidos para aprovar o porte de armas e a defesa pessoal dos civis. Uma sociedade adoecida como a nossa, com os valores de ponta cabeça, não tem a mínima sanidade para gerenciar a autodefesa.
Outra reflexão que vem de encontro a tudo isso é a desvalorização e os baixos investimentos aos profissionais da educação, baixos salários e falta de incentivo na formação continuada. Esse desleixo do Estado se reflete também na desqualificação profissional, diminuição da procura e formação profissional na área e precarização do ensino de forma geral. Isso afeta o rendimento escolar dos alunos e a sobrecarga generalizada de professores exaustos, estressados, acuados e desanimados. O círculo vicioso que torna a escola um verdadeiro inferno, ainda mais, se levarmos em conta famílias disfuncionais, onde o abuso de poder e a violência doméstica passam ser a regra. Evidente, que neste cenário desolador a escola vai potencializar a resolução de conflitos de acordo com a ordem estabelecida a partir de casa. E a casa, que deveria ser o lar, lugar de conforto, bem-estar e acolhimento também está esfacelada. O binômio casa-escola está de tal forma desestruturado que realmente fica difícil encontrarmos saída para sairmos do círculo da violência.
Pessoalmente só vejo saída através da arte. Numa proposta pedagógica que leve a Arte para o centro da educação e não como acessório periférico e sem comprometimento existencial. Não, digo Arte como projeto de leitura de mundo através do Teatro, Música, Dança e Artes Visuais como alfabeto de compreensão do humano, demasiadamente humano. Não é possível que um aluno saiba a fórmula de Báskara e a Tabela Periódica, mas não tenha nenhuma habilidade no trato pessoal, sem sensibilidade alguma para se colocar no lugar do outro nem empatia para respeitar as diferenças inerentes a um grupo social. Sem clareza e diplomacia para resolver conflitos, nem discernimento para perceber mensagens contraditórias ou zonas de perigo. E isso se alcança com mais consistência e eficiência através da arte. Pois ela aguça a nossa percepção, desperta os nossos sentidos, desperta o senso poético, aflora novas habilidades, nos faz transcender, nos reconhecer em nossa grandesa e frágilidade humana.
Mas creio que Educação, quanto mais, Arte e Educação, infelizmente ainda não estejam na pauta do dia dos nossos pragmáticos governantes. Até lá, enfrentaremos essa bancarrota diária, sem chances reais de mudança.
Até lá, assistiremos cenas dantescas como estas, mencionadas anteriormente.
*Nora Prado é atriz, Coaching para Cinema e Televisão, Arte Educadora, Poeta e Fotógrafa.
Foto de capa: Reprodução