A República: Gesto e Processo

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Por PAULO TIMM*

Passou o feriado da Proclamação da República e eu fiquei observando na imprensa, na sociedade, na instituições públicas quais as reações diante do feito. Praticamente nada, a não ser uma tradicional manifestação militar aqui em Porto Alegre defronte o Quartel General, com toques de corneta e cantoria da soldadesca dando VIVAS ao Brasil. Nem mesmo a Feira do Livro, ponto de encontro da intelectualidade na capital e que teve no dia 15 seu último dia, teve o cuidado de propiciar um debate público ou lançamento de livro concernente à data.

Hoje cedo, porém, recebo um artigo com o título acima, de autoria de Lincoln Penna. Apresso-me a lê-lo. Decepção. Mais uma catilinária sobre as desventuras do regime republicano no Brasil, repetindo, mais ou menos aquele observador da Proclamação no 15 de novembro de 1889, Aristides Lobo: ““O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Com tal estado de espírito não é de estranhar que os brasileiros não só desmereçam a importância da Proclamação da República para a germinação democrática e progressista dos princípios que a norteiam, como acabem enaltecendo, na idealização do Imperador D. Pedro II, a monarquia por ele sustentada e que significou o sufocamento do liberalismo jacobino que proliferara nos movimentos pela independência anteriores e posteriores a 1822 – Revolução Farroupilha -, entre eles, como emperrara a economia do país nos limites do modelo primário-exportador-externo.

Alguns acadêmicos vão mais longe e chegam a afirmar que houve mais democracia no Império do que no período republicano. Um absurdo. Falam e repetem ad nauseam os detratores da República no Brasil que ela foi um mero ajuste institucional que permitiu aos grandes oligarcas regionais, inclusive gaúchos (!), comandados pelo Café com Leite, assumirem o controle de seus interesses. Desconhecem o “castilhismo”. O resultado é um veredito quase disseminado de que tudo não passou de uma manipulação senhorial para manter o Brasil do jeito que sempre foi (e será…!). Consequência: O veredito de que o Brasil é um fracasso, não deu certo.

Duas exceções a esta análise: A extensa obra do historiador, general Nelson Werneck Sodré, com ênfase no papel renovador dos militares, cujo auge foi o Florianismo, sintetizada numa coleção denominada a História Nova do Brasil cassada pelo regime militar no golpe de 1964 e o livro do jornalista Jorge Caldeira, hoje ocupante de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras: “A História da Riqueza no Brasil”. Mas quem os leu neste país de tantos intérpretes e poucos leitores…? Mais recentemente “Paulistas e Gaúchos na construção do Brasil Moderno, Ed. Mottironi, Torres, de autoria de L.R. Peccoits Targa.

O mesmo não acontece na Europa, sobretudo na França, e até mesmo nos Estados Unidos, onde viceja um consciência propriamente republicana. Aqui, volta e meia um manifesto, uma fala solta do Presidente Lula, um artigo do ex governador Tarso Genro, lembram os princípios republicanos, mas a grande maioria das gentes pouco sabe a respeito.

A transição das Monarquias Absolutistas para as Repúblicas foi uma Revolução que sepultou dez mil anos de culto ao direito divino dos reis como fundamento do Poder de Estado, aos quais os súditos acumulavam apenas deveres, em benefício da ideia imortalizada por Lincoln de que o Poder emana do povo, pelo povo e para o povo, aperfeiçoada por Jean J. Rousseau e pelos sucessivos gerações de direitos que consagrariam no século XX a Doutrina dos Direitos Humanos. Essa máxima se complementa com as exigências de construção de uma arquitetura do Estado, concebida por Montesquieu, de separação dos poderes entre Governo x Sociedade Civil, Executivo x Legislativo x Judiciário e Estado Central x Poderes Locais. Foram tão fortes estas aquisições civilizatórias que mesmo sob o impacto das revoluções populares do século XX, países delas emergentes não abdicaram da denominação República: URSS e China. Se tudo isso ainda não foi absorvido pela sociedade brasileira que não percebe os avanços que tivemos no século XX sob regime republicano e continua banalizando-o, é uma pena. Eu me orgulho de dizer: Antes de tudo, sou republicano. VIVA A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL!

Isso não significa que não tenhamos uma visão do processo republicano em curso no Brasil: Primeiro, a Proclamação da República, em 1889; depois, a Consolidação Republicana voltada à construção de uma Nação verdadeiramente soberana, com a Revolução de 1930; finalmente, a abertura do caminho para a soberania popular capaz de fazer da Nação uma democracia plural, com a Constituição de 1988.

Como dizia um famoso Coronel Firmino, um dos fundadores do Batalhão Pés no Chão, comandado pelo Coronel Aparício Borges em apoio às forças federais no golpe paulista de 1932 e merecedor de um monumento defronte à Academia da Brigada Militar em Porto Alegre: “ Primeiro, a República; depois a Democracia.!”


*Paulo Timm é economista, funcionário aposentado do IPEA, poeta, romancista, professor universitário e editor da Rádio Resumo publicado em A FOLHA, Torres em 31 de janeiro de 2025

Foto de capa: Stock

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Uma resposta

  1. É isso aí. “Primeiro, a República; depois a Democracia!” É uma pena vivermos numa época que pouco valoriza esse tipo de coisa. A grande maioria não se atenta para o grande valor histórico de uma conquista de tal envergadura. Viva a República!!!

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