Por LISZT VIEIRA*
Os ventos do Norte não movem moinhos (canção “Sangue Latino” da banda Secos e Molhados).
Os mais jovens talvez não conheçam o termo quinta coluna, que traz um sentido de traição e conspiração interna. Essa expressão vem da Guerra Civil Espanhola (1936–1939), quando o general fascista que tentava tomar Madri afirmou que quatro colunas de tropas cercavam a cidade, mas havia uma “quinta coluna” já infiltrada dentro dela. A partir daí, “quinta coluna” passou a designar um grupo interno que age clandestinamente para sabotar uma organização ou nação, colaborando com forças inimigas. Hoje, o termo se ampliou e passou a ser usado no debate político para acusar opositores de agirem contra os interesses nacionais. Ou seja, o termo não se refere mais apenas a espiões que agem clandestinamente, mas a todos os que atuam contra os interesses da soberania nacional.
Em uma cena que se tornou comum em manifestações políticas da direita no Brasil, a bandeira norte-americana divide espaço com a brasileira. Os nomes de Donald Trump e Jair Bolsonaro aparecem lado a lado em faixas e cartazes, na lógica de uma cooperação internacional da extrema direita. No ano passado, segundo pesquisa do Datafolha (março de 2024), 31% dos eleitores que se identificam como bolsonaristas afirmam confiar mais em Donald Trump do que em qualquer outro líder político internacional. Entre os mais radicalizados, esse índice sobe para 47%. A mesma pesquisa revela que 26% desses eleitores consideram que os Estados Unidos deveriam servir de “modelo político e moral” ao Brasil — mesmo quando isso significa contrariar a Constituição brasileira.
Agora, com a guerra comercial decretada por Trump, taxando em 50% a importação dos produtos brasileiros, com a sanção aplicada ao Ministro Alexandre de Moraes e novas ameaças de retaliação se Bolsonaro não for anistiado, a Quinta Coluna está ativa, mas não é mais clandestina. Opera abertamente, como se viu nas últimas manifestações bolsonaristas levantando cartazes com a foto de Trump e com a tomada da direção da Câmara dos Deputados pelos parlamentares bolsonaristas de extrema direita. Há um clima de golpe no ar. A extrema direita sabe que conta com o apoio direto do governo dos EUA, o que não aconteceu na época da eleição presidencial de 2022, com Biden na presidência mandando recados aos militares brasileiros: Nada de golpe!
Boa parte do bolsonarismo, provavelmente a maioria, assumiu a defesa de Trump contra o Brasil, mas paga um alto preço com a perda da bandeira e do discurso patriótico. Há muitos bolsonaristas atônitos e perdidos. Afinal, a extrema direita defende os EUA contra o Brasil. Quem defende o Brasil é Lula e a esquerda, exatamente o contrário do que antes acreditavam. Enquanto os militantes e políticos bolsonaristas se comprometem com a defesa de uma agenda estrangeira, personificada em Trump, o Governo Lula e a esquerda em geral defendem a soberania nacional.
O ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, foi uma réplica do modelo do Capitólio americano, invadido em 6 de janeiro de 2021. A extrema direita se internacionaliza e o “patriotismo” é dirigido contra o próprio país, contra suas instituições, contra o STF, contra o Congresso, contra o sistema eleitoral. O bolsonarismo age como uma extensão da política americana de extrema direita. Bolsonaro e Trump, ambos atacaram a imprensa, questionaram resultados eleitorais, rejeitaram medidas sanitárias durante a pandemia e se colocaram como bastiões do conservadorismo cristão. Além disso, o alinhamento com a extrema direita americana influenciou posições em relação a temas vitais, como mudanças climáticas, vacinação, armamento civil e até política externa, propondo um afastamento do Brasil em relação a fóruns multilaterais e parceiros estratégicos históricos.
No que se refere às Forças Armadas, predomina a perplexidade, segundo tudo indica. Conforme as poucas informações que vazaram, muitos militares brasileiros estão dispostos a manter os tradicionais acordos militares com os EUA, mesmo no quadro de guerra comercial dos EUA contra o Brasil. Formados no quadro da guerra fria e do anticomunismo do século passado, a lealdade dos militares brasileiros com os militares norte-americanos sempre foi inabalável. Mas, tudo indica que teremos fissuras e conflitos, pois não tem sentido o Brasil manter acordos militares e fazer exercícios militares conjuntos com o país que lhe desfecha uma guerra comercial com enormes prejuízos à economia nacional.
Pior ainda: Trump autorizou o Pentágono a fazer operações militares no mar e invadir territórios de outros países a título de combater cartéis de drogas estrangeiros (O Globo, 9/8/2025). Ele já havia anunciado sua intenção de invadir Fernando de Noronha e Natal com o pretexto de se ressarcir dos investimentos norte-americanos feitos nesses lugares durante a Segunda Guerra Mundial. Parece bazófia, mas, se isso vier a ocorrer, o que farão os militares? Vão ignorar, vão apoiar dizendo que é para o bem do Brasil ou combater? Os militares brasileiros foram formados para combater o fantasma do comunismo, mas quem está atacando o Brasil é o capitalismo norte-americano.
Trump botou o elefante na sala. Provavelmente, vai negociar e deixar um bode, cujo tamanho depende da negociação. O vice presidente Alckmin está negociando o bode que ficará na sala. Tudo indica que se trataria de vantagens para as big techs e acesso às Terras Raras, aos minerais estratégicos para a comunicação digital contemporânea. Enquanto Lula faz um discurso patriótico de defesa da soberania nacional, Alckmin demonstra abertura para negociar esse acesso às Terras Raras e as vantagens exigidas pelas Big Techs, que não querem ser reguladas. Lula articula com a Índia e com o BRICS, Alckmin articula com as autoridades do Governo americano ligadas a comércio.
A pressão de Trump é política e econômica. No plano político, joga pesado pela anistia a Bolsonaro, estimulando as manifestações bolsonaristas e a tomada de poder na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, uma espécie de ensaio geral do golpe que está sendo tramado. No plano econômico, mantém o elefante na sala até obter concessões para as big techs e o acesso às Terras Raras. E, sabemos agora, paira no ar uma ameaça de ataque militar sob o pretexto de combater cartéis de drogas.
Os EUA não são mais uma democracia. No mínimo, tornaram-se um Estado de Exceção caminhando para uma ditadura. Trump foi eleito, mas Hitler, Mussolini, Salazar, Erdogan, Netaniahu, Dukerke, Orbán e outros déspotas também foram. Sem a separação de poderes, sem o sistema de freios e contrapesos, não há democracia. E Trump controla o Executivo, o Legislativo e parte do Judiciário. Todos esses ditadores têm votos, mas governam sem lei. Não são democráticos, porque lhes falta o primado da lei que garante o respeito aos direitos previstos na Constituição, como os direitos humanos e as garantias das liberdades democráticas. Esses ditadores frequentemente ignoram os direitos de primeira geração (direitos civis), de segunda geração (direitos sociais) e de terceira geração (direitos coletivos).
Os ventos que sopram do Norte são frios e violentos, segundo a mitologia grega. No Brasil, sabemos que os ventos do Norte não movem moinhos, mas hoje, além disso, trazem a mensagem da tirania e da supressão da democracia.
*Ļiszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92, secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (2002) e presidente do Jardim Botânico fluminense (2003 a 2013). É sociólogo e professor aposentado pela PUC-RIO.
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