A passo de caranguejo

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Por CELSO JAPIASSU*

Até há pouco, Portugal, Malta, Luxemburgo e a Irlanda eram os países da Europa que estavam livres de representação da extrema direita em seus parlamentos. Isto deixou de ser verdadeiro em Portugal com a fundação do partido neossalazarista Chegaem 2019.  Mais ainda desde quando uma crise política fez o governo do Partido Socialista se demitir e levou o presidente Marcelo Rebelo de Souza a convocar novas eleições. O Chega passou sua representação de 12 para 48 cadeiras na Assembleia da República e passou a ser a terceira força política do país. Há poucos dias, uma nova crise política derrubou o governo do PSD e foram convocadas novas eleições para o próximo dia 18 de maio. Teme-se novo crescimento do extremismo de direita.

Esta semana foi dado a público um relatório sobre o Estado de direito da União das Liberdades Cívicas para a Europa (Civil Liberties Union for Europe). Trata-se de uma organização de 43 entidades de defesa de direitos humanos de 21 países. O relatório relaciona cinco países que se destacam pela negativa: Itália, Bulgária, Eslováquia, Croácia e Romênia. São classificados como desmanteladores (dismantlers). É o conjunto de países que mais preocupam a consciência progressista do continente pois são exemplos da atual “recessão democrática” e da erosão gradual do Estado de direito. É comum entre eles a tentativa de criminalizar a dissidência e a oposição além de organizar ataques ao jornalismo crítico.

Os partidos com ideologia neofascista têm crescido na Europa por capitalizarem a crise geral do capitalismo, o aumento dos preços, o desemprego, a falta de moradias, os problemas no estado de bem-estar social e o desconforto da classe média com a imigração. É um voto de protesto contra os partidos políticos tradicionais que não têm conseguido dar respostas adequadas a esses problemas. Terreno fértil para os demagogos. A utilização de notícias falsas pelo uso certeiro das tecnologias da informação tem sido o principal instrumento de manipulação da opinião do eleitorado

Propostas

Distinta dos fascismos clássicos, com sua proposta de um futuro diferente para o capitalismo liberal, a extrema direita atual não tem proposta de futuro, mas de um regresso ao passado. Não se trata de um movimento revolucionário e sim reacionário.

Na Holanda, o Partido da Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, venceu as eleições legislativas antecipadas nos Países Baixos em novembro de 2023, por uma margem esmagadora. O PVV é um partido anti-imigração, anti-islamismo e anti-União Europeia.

A Frente Nacional (FN), de extrema-direita, liderada por Marine Le Pen, é o principal partido de oposição na França. A FN é um partido anti-imigração, anti-islamismo e anti-UE. Nas duas últimas eleições para Presidente ficou em segundo lugar.

A Liga Norte, ou simplesmente Liga, de Matteo Salvini, neofascista, é um dos principais partidos italianos. É anti-imigração, anti-islamismo e anti-UE. O Fratelli d’Italia, neofascista, de Giorgia Meloni, lidera o atual governo.

O Partido Lei e Justiça (PiS), de extrema-direita, tem a maioria dos votos na Polônia. É um partido nacionalista, conservador e populista.

Fidesz é o partido governante na Hungria. Da mesma forma que os outros de extrema direita nos demais países, é um partido nacionalista, conservador e populista.

O partido nazista alemão tomou forma logo após a Primeira Grande Guerra e, depois da Guerra Fria, reapareceu pelas mãos do neonazismo, a ideologia que volta a assombrar a Alemanha e outros países europeus com os fantasmas que traz consigo de violência e destruição, intolerância, o primado da crença na raça pura e a discriminação contra homossexuais, estrangeiros, negros e, mais uma vez, os judeus. Além do anticomunismo irracional e violento.

O crescimento desse radicalismo político fez do neonazismo objeto de estudos na busca de entender o que de fato representa. Os jovens deixam-se conquistar por estarem em busca de respostas para questões relacionadas a desajustes sociais ou familiares. Partem em busca de culpados e acabam apontando as minorias étnicas ou religiosas ou o partido político que se encontra no governo. O primeiro passo é a aceitação cega das teses e valores da extrema direita, como acontece com o fenômeno do bolsonarismo no Brasil.

A extrema direita, segundo as pesquisas de tendência de voto, tem chances de aumentar sua representação no Parlamento Europeu e em outros países como Áustria, Dinamarca, Finlândia, Suécia, República Checa, Eslováquia, Bulgária e Romênia.

Estratégia

A estratégia dos partidos nazifascistas é a formação de uma aliança para fortalecer sua influência no Parlamento Europeu e que dê suporte à conquista dos governos nacionais onde têm crescido na preferência dos eleitores. Foi realizada uma reunião em Budapeste entre os líderes da extrema direita da Itália, Mateo Salvini, da Polônia, Mateusz Morawiecki e da Hungria, Victor Orbán. Segundo um comunicado emitido depois desse encontro, a pauta tratou da proteção das raízes da Europa contra o “multiculturalismo sem alma”, decorrente da imigração, e da defesa da família tradicional.

Os partidos radicais de direita desenvolveram a habilidade de manipular os medos e fantasmas das classes médias da Europa. Sobre este medo a constroem a lógica de guerra em que a classe média já não aspira ser uma classe média alta e sim a não ser classe operária que, por sua vez, aspira não ser o imigrante submetido a subempregos humilhantes. Na sua lógica adversa, a extrema direita apresenta uma solução: vamos voltar ao passado. Sua ideologia caminha para trás, como os caranguejos. Se há escassez, que sejam expulsos os extratos sociais que não têm direito a um passado mítico, um tempo de fertilidade.


Publicado originalmente em Fórum 21.

*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: André Ventura discursa em Lisboa após conhecer resultados das eleições em Portugal | Rodrigo Antunes/Reuters

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Respostas de 2

  1. Está faltando nos governos democráticos comunicação com transparência, e em certos casos honestidade.
    A corrupção é uma doença progressiva, no início tem cura, na continuação é fatal, não tem mais cura.

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