A minissérie Adolescência e o alerta sobre o esfacelamento social

translate

arzh-CNenfrdeitjaptruesyi
download (20)

Por JANETE SCHUBERT*

A minissérie Adolescence assistida no mundo inteiro tem sido analisada por profissionais de distintas áreas. Nesta produção acompanhamos a investigação sobre o brutal assassinato de uma adolescente, cometido por outro adolescente de 13 anos, seu colega de escola.

A maioria das análises sobre a minissérie, tem se concentrado na construção da masculinidade tóxica ou da denominada “machosfera” e como o ódio contra as mulheres se espalha em chats e grupos nas redes. Tecerei outras considerações, em que pese, eu concordar que sim, este é um atravessamento importante na trama.

Uma das questões relevantes apontadas na série é que os familiares não sabem o que está se passando com seu filho adolescente, no imaginário dos pais o filho está seguro porque está no quarto. Na vida real, muitos pais têm esta mesma impressão, mas hoje o mundo está em uma tela, desta forma, os filhos não estão seguros no quarto. Para aqueles que são mães e pais de adolescentes, eu perguntaria, você sabe ao que seu filho assiste, de quais grupos ele faz parte, quais são os jogos que ele joga? Diria que a maioria dos pais não tem a menor noção das incursões digitais realizadas por seus filhos.

A transição da infância para adolescência é uma fase complexa e cheia de desafios, em tempos idos à socialização se dava de forma distinta, existia uma maior convivência com a família extensa e em outros espaços, nos quais os adolescentes podiam desenvolver suas habilidades sócio-afetivas. Agora questões como: o tempo, o dinheiro e a segurança, impactam diretamente na socialização, incluindo as opções de esporte, cultura e lazer dos jovens. Eu perguntaria quais são os espaços de socialização dos adolescentes hoje? Quais locais eles podem ter aprendizados significativos? Existem espaços privados como aulas de dança, de idiomas, de música ou algum esporte, que além de estar disponível para os quem pode pagar, não podem ser considerados, no strictu sensu, espaços de socialização.

Muitas famílias hoje estão sobrecarregadas pelo trabalho ou pela falta dele. A sobrecarga de trabalho ou a falta dele e as decorrentes questões financeiras, impactam na comunicação e na conexão dentro das famílias. Quando os adultos estão sobrecarregados enfrentando dificuldades financeiras, pode ser difícil encontrar tempo e energia para se conectar, dialogar e para fortalecer os laços afetivos na família.

As ciências humanas e sociais já nos ensinaram que somos seres sociais, precisamos nos sentir parte do grupo, necessitamos de socialização para aprender os códigos culturais do grupo ao qual pertencemos. Os espaços de socialização com trocas afetivas significativas têm se reduzido. Eu perguntaria, quem está educando nossos adolescentes? Parece-me que grande parte dos aprendizados de crianças e adolescentes se dá no âmbito das redes sociais. Durante dois anos fui professora de um Instituto Federal e neste tempo, fiz uma espécie de laboratório com as turmas, esta convivência me permitiu fazer uma escuta ativa das angústias, desejos e insatisfações dos adolescentes. Muitos me diziam que não queria estar no IF, que eram obrigados pelos pais, então, eu perguntaria, qual é o sentido da escola para os adolescentes hoje? A escola não se modificou nos últimos 50 anos, mas outras instituições se transformaram radicalmente.

Nosso cérebro só atinge a completa maturidade aos 25 anos, diferente de outros animais, o ser humano é muito complexo e multifacetado, aprendemos com os outros, requeremos acompanhamento, atenção, cuidado e afeto, para o nosso pleno desenvolvimento. Neste sentido, penso que estamos falhando, como sociedade, com nossas crianças e adolescentes, talvez a luta desenfreada pela sobrevivência, em uma sociedade competitiva, de hiperconsumo e hiperindividualismo, seja, em parte, o motivo para a falta de tempo para o diálogo, a conexão e as relações de afetividade nas famílias. Muitas famílias tentam suprir a ausência com bens materiais, mas as crianças e adolescentes precisam de nosso olhar atento, de acompanhamento, de tempo de qualidade para fazer atividades que desenvolvam suas habilidades sócio-afetivas. Para além da família nuclear é necessário recuperar espaços comunitários de convivência.

Quero problematizar a falta de conexão e pertencimento dos adolescentes. Num curto espaço de tempo parece que perdemos o sentido de “comunidade” que é fundamental para a convivência humana, pois envolve a conexão e o apoio mútuo entre indivíduos que compartilham interesses, valores ou um local em comum. Uma comunidade pode ser formada por pessoas que vivem na mesma área, que têm afinidades culturais, ou que se reúnem em torno de uma causa. Esse sentimento de pertencimento promove a solidariedade, a colaboração e o desenvolvimento de laços sociais, criando um ambiente onde as pessoas se sentem valorizadas e compreendidas. Além disso, comunidades fortes podem ser uma fonte de recursos e apoio, ajudando seus membros a enfrentar desafios e celebrar conquistas juntos. Em resumo, pode-se dizer que pertencer a uma comunidade é essencial para o bem-estar e a coesão social.

É urgente rever a forma como temos nos relacionado como sociedade, uma pesquisa recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou o isolamento social, como um dos fatores de adoecimento mental. Reafirmo, somos seres sociais, precisamos de interação para aprender, para amadurecer, para nos transformar.

Podemos considerar que a série Adolescence traz um alerta sobre partes problemáticas do esfacelamento social, este processo pelo qual as estruturas sociais, laços comunitários e redes de apoio se desintegram ou se tornam fracos. Esse fenômeno pode ocorrer devido a diversos fatores, como: a desigualdade econômica, a mobilidade urbana, as mudanças culturais, a relação indivíduo versus coletivo e os conflitos e a violência.

Podemos pensar como cada um destes fatores impacta o esfacelamento social. A desigualdade social se refere a crescente disparidade entre ricos e pobres que leva à fragmentação da sociedade, onde diferentes grupos vivem em realidades completamente distintas.

A mobilidade urbana, o deslocamento de pessoas para áreas urbanas em busca de melhores oportunidades que resulta na perda de laços comunitários, especialmente em comunidades tradicionais.

A globalização e a influência da tecnologia podem criar um ambiente onde valores e tradições locais são desvalorizados, levando a um sentimento de desconexão.
A relação indivíduo versus coletivo com a ênfase crescente no individualismo que enfraquece os laços sociais, fazendo com que as pessoas se sintam isoladas e menos propensas a se envolver em suas comunidades.

A instabilidade política e social, como guerras ou violência urbana, pode desintegrar comunidades, levando ao medo e à desconfiança entre os indivíduos.

O esfacelamento social pode ter consequências graves, como aumento da solidão, deterioração da saúde mental, e a dificuldade em mobilizar esforços coletivos para resolver problemas sociais. Para combater esse fenômeno, é fundamental promover iniciativas que fortaleçam os laços comunitários, incentivem a inclusão social e promovam a solidariedade entre os indivíduos.

É urgente repensar a forma como temos vivido e nos organizado como sociedade, estamos fraturados, indubitavelmente, é necessário empreender esforços para que possamos imaginar outros mundos, outras formas de ser e estar na contemporaneidade.


*Janete Schubert – Doutora em Sociologia pela UFRGS e pesquisadora associada a Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais.

http://lattes.cnpq.br/6526295561623149

E-mail: janete.schubert.js@gmail.com

Foto de capa: Reprodução

Os artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da RED. Se você concorda ou tem um ponto de vista diferente, mande seu texto para redacaoportalred@gmail.com . Ele poderá ser publicado se atender aos critérios de defesa da democracia..

Gostou do texto? Tem críticas, correções ou complementações a fazer? Quer elogiar?

Deixe aqui o seu comentário.

Os comentários não representam a opinião da RED. A responsabilidade é do comentador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress

Gostou do Conteúdo?

Considere apoiar o trabalho da RED para que possamos continuar produzindo

Toda ajuda é bem vinda! Faça uma contribuição única ou doe um valor mensalmente

Informação, Análise e Diálogo no Campo Democrático

Faça Parte do Nosso Grupo de Whatsapp

Fique por dentro das notícias e do debate democrático