A Marcha das Sombras

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Por CELSO JAPIASSU*

Palco privilegiado dos grandes acontecimentos que traçaram os destinos da Humanidade, a Europa viu e sofreu guerras infindáveis, ódio entre seus povos, doença, miséria e todas as danações de que a nossa espécie é capaz. Foi também o espaço humano onde floresceram a arte e as melhores criações do espírito humano. Na crença de ser possível o entendimento entre nações nascidas e criadas em conflito, o castigado continente inaugurou com a União Europeia uma experiência política em busca de finalmente garantir paz e cooperação em seu território.

Mas as contradições humanas estão ativas e continuam a conspirar contra a uma convivência harmônica e produtiva.

O projeto da União Europeia, por muitos definido como um grande avanço no processo civilizatório, é acusado de não passar de um jogo geopolítico de dominação do continente por um consórcio formado pela Alemanha em sociedade com a França.

A maior ameaça à existência da Europa unida está presente no seu próprio interior e toma corpo nas teses e na ação da extrema direita, que tem cada vez mais fortalecido a sua presença no Parlamento Europeu, feito crescer seus partidos e conquistado o poder em alguns países enquanto se prepara para vencer eleições em outros. O exacerbado nacionalismo da direita é eurocético, o que significa posicionar-se contra a existência da União Europeia. O assalto ao poder, que antes se dava através de revoluções, hoje ocorre em golpes dentro de um rito de aparência democrática. Os meios oferecidos pela tecnologia são capazes de conquistar as mentes da classe média. A classe operária, desmanteladas as suas associações e sindicatos, deixou de fazer revoluções.

Direita unida

A extrema-direita com fortes características neofascistas governa hoje a Hungria, a Polônia, Itália, Países Baixos, Finlândia, República Tcheca, Croácia e Eslováquia enquanto se fortalece na França e na Alemanha. Na Espanha o Vox, criado em 2013, continua seu movimento de unificação dos movimentos conservadores reacionários e Portugal viu surgir o Chega, seu primeiro partido claramente populista de extrema direita.

É o avanço da Onda Marrom, como já foi chamado o avanço da extrema direita.

Esta semana houve uma reunião em Madri, no Palacio Vistalegre, organizado pelo partido neofranquista Vox, um evento a que deram o nome “Patriotas pela Europa” que reuniu os principais partidos europeus de extrema direita. A pauta foi a de sempre: insultos, vitimismo, ataques à esquerda e aos imigrantes, à “religião climática”, à ideologia de gênero e ao globalismo, reivindicações do conceito de Nação em oposição à União Europeia, soberania, tradição e família.

Esse movimento que ocupou o Palacio Vistalegre tem como objetivo a formação de uma aliança que fortaleça a influência da extrema direita no Parlamento Europeu e dê suporte à conquista dos governos nacionais.

Não é a primeira vez que o neofascismo ensaia uma aliança transnacional. Em 2017 o AfD (Alternative für Deutschland), neonazista alemão, promoveu uma convenção à qual estiveram presentes a francesa Marine Le Pen, o italiano Matteo Salvini e o holandês Geert Wilders. Em 2019 Salvini reuniu-se com Orbán, viajou até à Polônia e depois organizou um comício em Milão ao qual estiveram presentes outros onze líderes neofascistas. Ampliando para fora da Europa a sua articulação, Salvini cultiva estreitas relações com os também neofascistas Jair Bolsonaro do Brasil e o primeiro-ministro da Índia, Narenda Modri. Nessas articulações conta com o suporte do sinistro Steve Bannon, sua influência e seus contatos internacionais.

Uma dificuldade que surge nessa ensaiada aliança reside nas diferentes posições desses movimentos em relação à Rússia. O polonês Lei e Justiça posiciona-se firmemente contrário a Putin e seu governo enquanto cultiva relações estreitas com os países ocidentais, especialmente com os Estados Unidos. O italiano Liga, o francês Rassemblement National e o alemão AfD por sua vez opuseram-se às sanções americanas contra a Rússia e seus representantes já visitaram várias vezes a Crimeia anexada por Moscou. Delegações do AfD tiveram várias e recentes reuniões com representantes do governo russo. Marine Le Pen encontrou-se pessoalmente com Vladimir Putin, o que foi interpretado como um apoio a sua campanha presidencial na França.

A pauta

Existem os temas que são comuns à extrema direita internacional. Começam com xenofobia e as políticas anti-imigração, passam pela polarização, guerra cultural, ataques à imprensa, “fake news”, defesa da família tradicional, repressão a movimentos sociais, repressão jurídica e policial a dissidentes, controle dos tribunais, manipulação de sistemas eleitorais, supremacismo e racismo.

 O crescimento dos partidos extremistas de direita tem sido alcançado com o uso de algumas estratégias particulares.

O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) cresceu com sua retórica xenofóbica, guerra cultural e suspeitas de financiamento estrangeiro.

O Reagrupamento Nacional na França cresceu com a pressão eleitoral que levou à dissolução do Parlamento e o fortalecimento de políticas ultranacionalistas.

O Partido pela Liberdade (PVV) nos Países Baixos com suas propostas radicais de redução da imigração e ameaças de ruptura governamental.

Donald Trump e o Projeto 2025 nos EUA com suas propostas de radicalização institucional, ataque ao banco central e remoção de proteções legais para minorias.

Chega em Portugal com suas campanhas ostensivas contra imigrantes, exposição de nomes de crianças muçulmanas e pressão parlamentar por leis de endurecimento migratório.

O bolsonarismo no Brasil e suas tentativas de deslegitimar o sistema eleitoral, com articulação internacional para pressionar em eleições futuras e o reforço da polarização social.

Os impactos sociais das políticas da extrema direita global incluem aumento da intolerância, polarização social, erosão de direitos humanos, repressão a minorias e enfraquecimento das instituições democráticas. Esses efeitos são sentidos de forma distinta em cada país, mas seguem padrões comuns que conduzem à exclusão social, violência política e aprofundamento das desigualdades.


*Celso Japiassu é autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

Foto de capa: IA

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