A força da resistência

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Por LÉA MARIA AARÃO REIS*

Cinéfilos e espectadores do mundo inteiro ainda se encontram em estado de choque diante do atentado sofrido por um dos diretores do documentário Sem Chão/No Other Land, o palestino Hamdan Ballal, espancado por colonos que ocupam ilegalmente a Cisjordânia, e ferido na sua casa, na vila de Susiya, onde mora. Preso em seguida, retirado por soldados do exército de Israel de uma ambulância chamada por sua família para socorrê-lo, e em seguida levado preso para uma delegacia. Ballal é nada menos que Prêmio Oscar de 2025 pelo roteiro e pela co-direção do filme.

A agressão inominável, noticiada ao mundo pelo seu amigo e companheiro israelense, o jornalista Yuval Abraham, outro co-diretor de Sem Chão, originou vários pedidos de leitores solicitando mais informações sobre o doc oscarizado. Por este motivo, atualizamos a resenha do filme e divulgamos onde ele pode – e deve – ser visto.

Ballal passou a noite sendo surrado, vendado, em uma base do exército de Israel. As últimas notícias anunciam que em seguida teria sido levado para a delegacia de polícia de Kiryat Arba, Cisjordânia, onde está detido neste momento em que escrevemos.

Abaixo, o texto do dia 07 deste mês:

Força da Resistência

“Trabalhamos durante cinco anos em No Other Land, e Basel arriscou a sua vida. Eu o vi quase sendo baleado duas, três vezes”, lembrou o foto-jornalista israelense Yuval Abraham, em discurso de improviso, ao receber o Oscar deste ano de Melhor Documentário, em Los Angeles.

Ao seu lado, no palco da festa, Basel Adra, o amigo palestino e co-diretor de Sem Chão, comentou: “O filme reflete a dura realidade que temos suportado por décadas. Pedimos ao mundo que assuma ações concretas para acabar com essa injustiça e interromper a limpeza étnica do povo palestino”. Basel era habitante do vilarejo de Masafer Yatta, na Cisjordânia, destruído pelas forças israelenses. Trabalhava para pagar seus estudos. ”Sou construtor de casas”, diz ele. ”Aquele tipo cara da mão de obra barata”.

O anúncio da vitória de Sem Chão foi um dos momentos mais tocantes da festa do Oscar, com a equipe desse doc aplaudida e alinhada no palco, recebendo as estatuetas. Depois de batalharem durante meses procurando um distribuidor que aceitasse estrear o filme em cinema norteamericano antes da festa, como é obrigatório no regulamento do premio, No Other Land entrou em cartaz no cinema do Lincoln Center, em Nova Iorque, conseguiu cumprir a exigência, candidatou-se e ganhou a estatueta. Sem Chão somente recebeu a sua surpreendente indicação para o Oscar poucas semanas antes da festa.

Os outros dois autores do roteiro, companheiros de Basel e de Yuval são Hamdan Balla, palestino, e Rachel Szor, uma israelense. O filme de autoria dos quatro foi premiado também no Festival Internacional de Cinema de Berlim, em 2024, e considerado Melhor Filme Não-Ficcional do prestigiado Círculo de Críticos de Cinema de Nova York.

O filme é duro, bem realizado, tocante, mostra a determinação e a crueldade das tropas israelenses dedicadas a destruir ou pelo menos atacar, desde 1967 (imagens da época), os modestos pertences das populações de cidadezinhas da Cisjordânia ocupada com o objetivo de forçá-las a deixarem as terras de sua propriedade. Brinquedos de playgrounds comunitários, residências, postos de gasolina, crianças no pastoreio das ovelhas, currais dos animais vizinhos à casa familiar, e a perversa destruição sistemática de ferramentas e de material que lhes permitiriam a reconstrução das residências.

Em outro momento do filme, em 2019, as famílias desalojadas das casas em Masafer Yatta se refugiavam e se reinstalavam nas cavernas milenares existentes na região. São tocantes as cenas de Basel e Yuval tomando café com gengibre, um hábito regional, conversando sobre os acontecimentos com a família do palestino. Yuval revela seu desejo – e a sua ilusão: ”Os Estados Unidos podem mandar Israel deixar a ocupação daqui”, diz ele.

Os dois companheiros e amigos revelam a perfídia dos militares instruídos com ordens de Tel-Aviv para a limpeza da área. Antes de começarem a derrubar as moradias com tratores proibiam mulheres e homens palestinos de salvar qualquer pertence dentro de suas casas, antes da operação. Roupa, objeto, comida ou o que quer que fosse. “Mas nós vamos reconstruir tudo escondido deles”, diziam, chorando, as mulheres mais idosas, consolando as crianças, em um terceiro instante do vídeo, nas sequências filmadas durante o inverno de 2020. Vê-se um morador alvejado e ferido, na disputa por um gerador elétrico quebrado propositadamente pelos soldados do governo israelense para deixar a região às escuras. O homem sobrevive já hospitalizado, mas ficará com o corpo inerte pelo resto da sua vida.

Durante o Oscar, Yuval Abraham proclama os objetivos do filme e reitera críticas à violência, ao massacre, ao genocídio praticado na Faixa de Gaza, que parece se repetir, no atual momento, também na Cisjordânia ocupada e rumo à concretização do projeto Israel grande. “Fizemos esse filme, palestinos e israelenses, porque juntos nossas vozes são mais fortes. Vemos, uns e outros, a destruição atroz de Gaza e do seu povo que deve acabar, assim como a violência com os israelenses feitos prisioneiros pelas suas ações da resistência palestina em sete de outubro de 2023”.

“A política externa de Israel está ajudando a bloquear esse caminho da paz. Vocês não percebem que estamos interligados? Meu povo só estará verdadeiramente seguro se o povo de Basel for verdadeiramente livre e seguro. Não há outro caminho”, conclui Yuval.

Lamentàvelmente, não é o que pensa a ex-ministra da Cultura do governo alemão, Claudia Roth, na época presente na Berlinale de 2024, ao ressaltar que aplaudia o premio concedido ao filme Sem Chão; mas apenas a Abraham Yuval. Incivilizada, poderia ter ficado calada. Não deve ter ouvido falar da operação do governo de Israel que forçou mais de 40 mil palestinos a deixarem suas casas na Cisjordânia, há menos de três semanas, segundo as Nações Unidas, nem dos soldados que mataram mais de mil palestinos na região e em Jerusalém Oriental desde outubro de 2023, de acordo com o Ministério da Saúde palestino.

*No Brasil, atualmente em cartaz nos cinemas, Sem Chão chegará ao catálogo da plataforma Filmelier em abril.


Publicado originalmente no Fórum 21.

*Léa Maria Aarão Reis é jornalista.

lustração de capa: Reprodução

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Respostas de 3

  1. Considero os Israelenses monstros assassinos nunca os perdoarei quem gosta de guerra que faz guerra tem o meu total desprezo oa Americanos os Europeus o Zelinsk tem de mim uma cusparada na cara

  2. A destruição da escola é uma das cenas mais brutais do filme, em si mesma e pela que representa: o impedimento dos estudos das crianças, a tentativa de destruir seu futuro. Como não foi mencionada?

  3. A destruição da escola é uma das cenas mais brutais do filme, em si mesma e pelo que representa: o impedimento dos estudos das crianças, a tentativa de destruir seu futuro. Como não foi mencionada?

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