Por CHRISTIAN VELLOSO KUHN*
No final de agosto desse ano, Lula anunciou a indicação de Gabriel Galípolo para a sucessão de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central do Brasil (BCB), a partir de janeiro de 2025. Galípolo é atualmente diretor de Política Monetária do BCB desde julho de 2023, tendo sido antes secretário executivo do Ministério da Fazenda, chefiado por Fernando Haddad.
Existe muita expectativa com essa troca de presidente do BCB, que será a primeira desde que foi estabelecida a autonomia do banco através da Lei Complementar nº 179/2021, em fevereiro daquele ano no governo Bolsonaro, que define um mandato fixo de 4 anos para seu presidente e seus diretores. A mesma lei também criou o chamado “duplo mandato”, exigindo que além de perseguir uma meta de inflação, a gestão do BCB também busque o objetivo secundário de atenuar a variabilidade da atividade econômica e incentivar o pleno emprego.
Essa expectativa é decorrente tanto dos efeitos da autonomia do BCB, como também da postura do atual presidente Roberto Campos Neto. Como efeitos da autonomia, pode-se destacar a estabilidade no cargo da diretoria do Banco e a dissonância de opiniões e orientação na política econômica entre o Governo Federal e essa mesma diretoria. Adicionalmente, o objetivo secundário de busca do pleno emprego em nenhum momento foi regulamentado, sem, por exemplo, o uso de um indicador para medir a flutuação da atividade econômica (como o ICB-Br, do próprio BCB).
Por outro lado, a falta de liturgia no cargo e ética de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central brasileiro é um fenômeno sem precedentes desde a redemocratização do país. Campos Neto notoriamente é um militante do bolsonarismo, tendo inclusive saído às ruas vestido da camiseta amarela da seleção brasileira, símbolo nacional cooptado pelos idólatras a Bolsonaro, participa de eventos com presença de oposicionistas e dá declarações discrepantes da orientação da política econômica do atual governo. Se Campos Neto é “autônomo” em relação ao Governo Lula, o mesmo não se pode dizer sobre suas ligações com Bolsonaro, empresariado e setor financeiro.
Neto é o segundo presidente do BCB da história se manter mais tempo no cargo (seis anos), superado apenas por Henrique Meirelles, que ficou à frente da instituição por oito anos nas duas primeiras gestões de Lula (2003-2010)[1]. Na última reunião presidida por Campos Neto de sua gestão no BCB, o Conselho de Política Monetária tomou uma polêmica decisão de aumentar a Taxa de Juros SELIC de 11,25% para 12,25% ao ano, uma elevação de um ponto percentual (p.p.). Considerando que a taxa estava em 6,5% quando Campos assumiu, resulta num aumento de 5,75 p.p., quase o dobro do início de sua gestão. Nesse ínterim, chegou a estar 2,0% entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, por conta da crise econômica desencadeada pela pandemia da COVID-19.
Não obstante sua gestão tenha sido passível de críticas, devendo atingir somente três das seis metas de inflação entre 2019 e 2024[1], Campos Neto foi eleito, pasmem, três vezes seguidas o melhor presidente de Banco Central da América Latina entre os anos 2022 e 2024 pela revista LatinFinance[2], ou seja, dois anos durante o governo Lula, e o melhor banqueiro central do mundo em 2020 (em plena pandemia) pela revista britânica The Banker. Resta saber melhor para quem, certamente não foi para o povo brasileiro.
Mas, afinal, o que se pode esperar com a troca de presidente do Banco Central do Brasil? Aí é que reside a dialética, a mudança com continuidade. É uma situação diferente do popular “mudar não mudando”, pois implica a alteração apenas de comportamento sem troca de indivíduos. No caso em tela, os indivíduos não serão os mesmos, todavia, certos aspectos permanecerão inalterados ou sem modificação significativa.
Obviamente, a troca é por alguém mais identificado com o governo atual, podendo se manter por mais dois ou até quatro anos, caso Lula ou o seu sucessor vier a se reeleger. As bravatas e embates com o presidente, uma postura indigna de Campos Neto à frente do BCB, não tendem a se repetir. É possível que o Conselho Monetário Nacional (CMN), com três indicados por Lula, funcione em maior consonância.
Contudo, concomitantemente, haverá continuidade. Tal qual Campos Neto, que atuou durante muitos anos no setor financeiro (Bozano Simonsen e Santander) entre 1996 e 2018, Galípolo também teve experiência no Banco Fator, sendo presidente de 2017 a 2021, embora a ligação desse último com o mercado financeiro não seja tão umbilical. Mas Galípolo já teceu rasgados elogios ao seu futuro antecessor: “(…) pegar o caso do Roberto, por exemplo, ele entregou tanta coisa e foi uma gestão tão exitosa, que ele tá na volta da vitória realmente aqui no Banco Central (…)l”[5].
Igualmente, outra sinalização de que haverá continuidade na condução do BCB por Galípolo são suas declarações de apoio ao ajuste fiscal promovido pelo Governo Lula. Na opinião de Mateus de Albuquerque, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia/Representação e Legitimidade Democrática (INCT/ReDem): “Os juros altos servem como uma sinalização ao mercado financeiro sobre o comprometimento do governo com o ajuste fiscal. Eu acho que Galípolo manterá essa toada, e, portanto, os juros altos”[6].
Não é à toa que o próprio indicado de Lula reconheceu que precisa ganhar credibilidade e transmitir coerência na autoridade monetária junto ao mercado financeiro: “Temos que ganhar credibilidade. Eu pessoalmente, mas acho que os novos diretores [também], perante o mercado. Até porque a gente é menos conhecido que os diretores que estão lá”, manifestou em evento organizado por uma corretora em agosto desse ano[1]. Talvez para conquistar essa credibilidade junto ao mercado, Galípolo só tenha divergido uma vez do voto de Campos Neto nas 12 reuniões do COPOM que participou[8].Entretanto, transformou em uma meta contínua a ser observada mês a mês o acumulado de 12 meses[1]. E pasmem novamente, decisão tomada de forma unânime pelos membros do CMN (Haddad, Tebet e Campos Neto). Ou seja, o desafio para Galípolo atingir a meta definida pelo CMN será ainda maior do que de seu antecessor.
Também esse mesmo conselho poderia modificar o indicador, usando o núcleo da inflação como faz o FED nos EUA. Essa opinião é compartilhada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin[1], crítico do uso exclusivo da taxa de juros para combater a inflação, pois com o câmbio flutuante, somado às variações de preços de alimentos e de energia provocadas por um clima adverso, a taxa de juros não trata a causa do problema, somente as consequências. Nas palavras de Alckmin, “você só prejudica a economia e carece o custo de capital”. Essas mudanças, seja na meta de inflação, seja no indicador da meta, não dependem exclusivamente do presidente do Banco Central, mas em última instância da vontade política do presidente Lula. E se formos mais longe, o modelo do tripé macroeconômico (meta de inflação, meta de superávit primário e câmbio flutuante) instituído em 1999 no Governo Fernando Henrique Cardoso segue incólume por 25 anos.
Por conseguinte, a troca de presidente do BCB não deve mudar essa realidade. Não é somente Galípolo que buscará credibilidade junto ao mercado financeiro. Tanto Haddad, quanto o próprio Governo Lula (e o presidente) precisará estar comprometido com esse mesmo objetivo, uma vez que a legitimidade política do governo está sempre em xeque, dado a pequena margem que Lula ganhou de seu adversário, a força da oposição no Congresso e o alto grau de polarização do país. E através da política econômica, será o empenho por meio da austeridade fiscal e elevadas taxas de juros.
Referências:
[6] https://www.brasildefato.com.br/2024/12/12/campos-neto-deixa-bc-com-selic-em-alta-indicado-por-lula-galipolo-deve-manter-a-tendencia.
[1] https://www.poder360.com.br/poder-economia/galipolo-diz-querer-ganhar-credibilidade-do-mercado-financeiro/).
[1] https://www.poder360.com.br/poder-economia/indicados-de-lula-so-divergiram-uma-vez-de-campos-neto-na-selic/.
[3] https://www.poder360.com.br/poder-economia/campos-neto-deve-cumprir-metade-das-metas-de-inflacao-desde-2019/.
[2] https://www.poder360.com.br/poder-economia/campos-neto-ganha-pelo-3o-ano-premio-de-melhor-banqueiro-central/#:~:text=A%20revista%20brit%C3%A2nica%20%E2%80%9CThe%20Banker,PT)%20e%20aliados%20do%20governo .
[3] https://www.instagram.com/reel/C7wcnT8upXo/?igsh=aHZhMDNlMXYxcGF4.
[1] https://www.brasildefato.com.br/
2024/12/12/campos-neto-deixa-bc-com-selic-em-alta-indichttps:/www.brasildefato.com.br/2024/12/12/campos-neto-deixa-bc-com-selic-em-alta-indicado-por-lula-galipolo-deve-manter-a-tendenciaado-por-lula-galipolo-deve-manter-a-tendencia.
[10] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/12/03/alckmin-pib-mercado-
dolar-juros.htm.
*Christian Velloso Kuhr professor e economista do Instituto PROFECOM, autor de livros como Governo Figueiredo (1979-1985): política econômica e ciclo político-eleitoral.
Foto de capa: Marcello Casal JrAgência Brasil
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