A Demolição da Ordem Multilateral

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Por MARIA LUIZA FALCÃO SILVA*

A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025 não representou apenas uma alternância política, mas sim um terremoto geopolítico de proporções históricas. Sua agenda unilateralista, baseada em tarifas punitivas, desprezo pelas instituições multilaterais e coerção política direta, reconfigurou as relações internacionais em um curto espaço de tempo, deixando um rastro de instabilidade e incertezas.

A Demolição da Ordem Multilateral

Trump não apenas retomou, mas ampliou, sua guerra comercial global. Impondo tarifas sobre os produtos importados pelos EUA, seu governo transformou políticas protecionistas em instrumentos de guerra geopolítica. Essa escalada tarifária não é mero economicismo. É uma estratégia calculada e deliberada para fragmentar a ordem internacional pós-1945, substituindo o multilateralismo por um sistema de alianças baseado em lealdades circunstanciais e temor.

A crise na Organização Mundial do Comércio (OMC), paralisada desde 2019, simboliza esse colapso. Sem um sistema funcional de solução de controvérsias, países como China e Brasil veem-se forçados a buscar alternativas como o MPIA (Acordo Interino de Apelação) ou retaliações diretas. O resultado é uma pulverização das regras do jogo, onde a lei do mais forte prevalece.

O Eixo China-BRICS como Contrapeso

A resposta chinesa tem sido astuta e expansionista. Enquanto Trump impõe barreiras, Pequim amplia sua influência na América Latina por meio de megaprojetos de infraestrutura (como o porto de Chancay no Peru, com US$ 3,6 bi) e investimentos em tecnologia 5G e energias renováveis. A guerra comercial EUA-China, longe de enfraquecer Pequim, acelerou sua penetração em regiões tradicionalmente alinhadas aos EUA. O Brasil, sob o governo Lula, busca diversificar parceiros, aprofundando laços com China, Índia, México e União Europeia.

 América Latina Entre a Coerção e a Oportunidade

A região tornou-se campo de batalha dessa nova guerra fria comercial. México, Colômbia, Venezuela e Brasil enfrentam escolhas difíceis: ceder às pressões dos EUA ou arriscar-se a retaliações. A Venezuela, por exemplo, se vê em situação de um quase boqueio como o imposto a Cuba. Foi promulgada a Ordem Executiva 14245 em 24 de março de 2025, em Washington, impondo uma tarifa de 25 % sobre todos os produtos importados pelos EUA provenientes de países que compram petróleo venezuelano, ampliando assim o impacto econômico e diplomático sobre Caracas.

Os EUA intensificaram sua presença militar no sul do Caribe, com vários navios de guerra e um submarino nuclear com o objetivo de combater o tráfico de drogas. A Venezuela reagiu fortalecendo sua defesa costeira e mobilizando tanto as forças oficiais quanto civis em milícias. A situação refletiu uma alta escalada nas tensões bilaterais, com ações militares e retórica agressiva de ambos os lados.

A Colômbia, recuou da recusa a deportados após ameaças tarifárias de 25%. O México, cujo 75% das exportações vão para os EUA, prepara retaliações contra produtos agrícolas norte-americanos e acelera a aproximação com a China e Brasil.

O Brasil, por sua vez, tenta equilibrar-se. Anunciou “reciprocidade” às tarifas de Trump, mas estuda medidas paliativas:

· Linhas de crédito do BNDES para agroindústrias 

· Programas de proteção ao emprego em setores afetados 

· Compras governamentais de produtos excedentes 

Ainda assim, 35,9% das exportações brasileiras para os EUA estão sob ameaça direta.

A Crise de Credibilidade Democrática

Internamente, Trump aprofunda o autoritarismo: assinou quase 80 “executive orders“, revogou tratados, e desafiou abertamente o judiciário. Seu alinhamento com autocracias (Rússia, Coreia do Norte) e a tentativa de forçar um acordo de paz espúrio na Ucrânia — comparado ao Pacto de Munique de 1938 — revelam um desprezo aberto pelos valores democráticos.

Essa guinada não é apenas diplomática; é ideológica. Trump lidera um bloco de extrema-direita global que fortalece movimentos similares no Brasil e na Europa.

 Um Futuro de Fragmentação e Conflito

A ordem pós-1945, baseada em instituições multilaterais, alianças estáveis e livre-comércio, está morrendo. Em seu lugar, emerge uma desordem internacional marcada por:

· Alianças voláteis (EUA com ditaduras e relação ambígua com a Rússia) 

· Guerras comerciais permanentes como instrumento de política 

· Corridas tecnológicas e por recursos (minérios críticos na Ucrânia) 

· Regionalização forçada do comércio  

Para países médios como Brasil, a saída não é simples. Exige agilidade diplomática, diversificação de parceiros, e fortalecimento de blocos regionais. O governo Lula tenta posicionar-se como mediador, como na presidência do G20, do BRICS e em dois meses na COP 30. Esse protagonista irrita mais ainda o Imperador do Mundo – Mister Trump.

O Mundo que Trump Herdou e o que Deixará

Trump não criou o mal-estar global, mas soube explorá-lo como ninguém. Sua volta ao poder acelerou tendências pré-existentes: o declínio relativo dos EUA, a ascensão chinesa, e a crise da democracia liberal. Seu legado será um mundo mais pobre, mais violento e menos previsível.

A pergunta que resta não é se a ordem multilateral entrará em colapso, mas quem será capaz de construir uma nova. A China tenta fazê-lo através do BRICS e da Iniciativa Cinturão e Rota. A Europa — ainda atordoada — tenta reagrupar-se e armar-se. O Sul Global, incluindo Brasil, oscila entre o pragmatismo e a resistência.

O mundo pós-Trump já não é bipolar ou multipolar. É caopolar—um sistema onde cada ator deve navegar na turbulência, sem bússolas confiáveis. A única estratégia possível é a resiliência.A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025 não representou apenas uma alternância política, mas sim um terremoto geopolítico de proporções históricas. Sua agenda unilateralista, baseada em tarifas punitivas, desprezo pelas instituições multilaterais e coerção política direta, reconfigurou as relações internacionais em um curto espaço de tempo, deixando um rastro de instabilidade e incertezas.


*Maria Luiza Falcão Silva é PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED). Entre outros, é autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England/USA.

Foto de capa:  Mandel NGAN / AFP

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