Por WAGNER SOUSA*
No artigo “O Lobby de Israel” publicado na London Review of Books em 23 de março de 2006, os cientistas políticos norte-americanos John Mearsheimer e Stephen Walt examinaram as relações entre EUA e Israel e o apoio incondicional estadunidense desde a criação do Estado judeu, em 1948. Como destaca o resumo do artigo, sintetizando o argumento central: “O cerne da política dos Estados Unidos no Oriente Médio deriva das atividades do “Lobby de Israel”, que conseguiu desviá-la para longe do interesse nacional e convencer os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os de Israel são idênticos. O artigo sustenta que estratégias comuns ou imperativos morais inarredáveis não são explicações suficientes para explicar o notável nível de apoio material e diplomático fornecido pelos Estados Unidos”. Portanto, a tese de Mearsheimer e Waltz é a de que o alinhamento dos norte-americanos aos israelenses, no nível em que ocorre, não se justifica e prejudica o interesse nacional dos Estados Unidos.
O apoio dado a Israel não tem paralelo entre qualquer Estado que receba ajuda dos EUA. Em um trecho do artigo, os autores evidenciam esse empenho norte-americano: “Desde a Guerra de Outubro, em 1973, Washington deu a Israel um nível de apoio imensamente maior do que a qualquer outro Estado. Israel foi o maior receptor anual de assistência direta, econômica e militar, desde 1976, e é o maior receptor no total desde a Segunda Guerra Mundial, no montante de bem mais de US$ 140 bilhões (em dólares de 2004). Israel recebe por ano cerca de US$ 3 bilhões em assistência direta, aproximadamente um quinto do orçamento de ajuda externa, e cerca de US$ 500 por ano para cada israelense. Essa prodigalidade é chocante em particular porque Israel é hoje um Estado industrial rico com uma renda per capita mais ou menos igual à da Coréia do Sul ou à da Espanha”.
Essa aliança também se manifesta no suporte diplomático da maior potência do planeta à Israel. E, no primeiro governo Trump, várias iniciativas se deram neste sentido: a transferência da embaixada norte-americana para Jerusalém reconhecendo a cidade como capital (em oposição à reivindicação palestina de que a parte oriental da cidade deva ser capital de um Estado palestino), o reconhecimento formal do controle de Israel sobre as colinas de Golã, território sírio ocupado ilegalmente e os chamados “Acordos de Abraão” no qual os Emirados Árabes Unidos e, em seguida, Bahrein, Marrocos e Sudão reconheceram o Estado de Israel.
Contudo, a despeito da crítica dos autores, há o entendimento na maior parte do establishment norte-americano de que Israel funciona como um “pivot” na Ásia Ocidental, um “parceiro confiável” em meio à países árabes autoritários e instáveis. E a dominação desta parte da Ásia sempre esteve entre as principais prioridades da agenda externa dos EUA. Além de ter grandes reservas do insumo energético essencial da vida contemporânea, o petróleo, fundamental para o suprimento global e regulação do preço, esta parte do mundo desempenha papel importante na disputa por influência entre as grandes potências, que já foram compostas de países europeus, mas que hoje são os próprios EUA, Rússia e China.
A auto percepção do declínio relativo dos EUA frente à China e após as sucessivas intervenções malsucedidas no Iraque, Afeganistão e no momento, com a derrota na “guerra por procuração” contra a Rússia colocaram definitivamente a termo o projeto de supremacia global estadunidense seguido por todos os governos desde o fim da Guerra Fria. Donald Trump propõe abandonar este projeto e redesenhar a ordem geopolítica e geoeconômica mundial com o intuito de reafirmar a supremacia dos Estados Unidos. E como ficará a aliança com Israel neste novo contexto? O apoio inconteste a Israel se encaixa com os objetivos de política externa desta nova arquitetura de poder internacional desenhada pelo novo governo republicano?
Mearsheimer e Walt bem explicaram que os EUA apoiaram Israel mesmo que isso pudesse ir contra os seus interesses e o fator determinante para isso, segundo os autores, foi o poderoso lobby israelense interno nos Estados Unidos. E isso pode continuar, o que as primeiras ações de Trump tem reforçado, com o apoio a uma “solução” da questão da Faixa de Gaza, que pode implicar, na prática, em uma limpeza étnica, com a saída dos palestinos (os quais devem, segundo esta proposta, ser recebidos por Egito e Jordânia) de sua terra natal. Trump se alinha a algo já defendido há muito tempo pela extrema-direita israelense, hoje no poder como primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O republicano, depois de falar em “pressão máxima” sobre o Irã, “morde e assopra” ao propor negociações sobre o programa nuclear iraniano ao mesmo tempo alertando que um insucesso pode desencadear um devastador ataque militar dos EUA ao país persa, opção preferencial de Netanyahu. O recente conflito com os Houthis iemenitas fez aumentarem as ameaças à Teerã. Os iranianos não parecem, em princípio, inclinados a abandonar o seu programa nuclear, com o qual já estão muito perto da bomba atômica, depois do próprio Trump ter abandonado o acordo costurado por Barack Obama, que aliviava sanções em troca da manutenção de um programa nuclear civil inspecionado pela Agência Internacional de Energia Atômica. E a questão síria se coloca também como um problema para a estabilidade regional pela substituição da ditadura laica de Bashar Al-Assad pelos jihadistas sunitas do grupo HTS, que descende da Al-Qaeda e que já começou a promover limpeza étnica entre as minorias no país. Apesar do golpe contra Assad ter sido articulado pelos EUA e apoiado por Israel, e ter tido como resultado a destruição de um regime aliado do Irã e apoiador da Hezbollah e do Hamas, enfraquecendo, portanto, estes inimigos do Estado judeu, o que se soma ao território sírio além das colinas de Golã que Israel passou a ocupar como sua “zona de segurança”, a substituição da Síria mais previsível do regime de Assad pelo extremismo islâmico do HTS pode ser muito problemática em um prazo mais longo. Uma operação orquestrada pela CIA, que provavelmente não ocorreria no governo Trump, que em seu primeiro mandato retirou tropas dos EUA da Síria.
A resolução da questão palestina (que na atual conjuntura, de retomada dos ataques israelenses a Gaza parece algo distante), o reconhecimento de Israel pela Arábia Saudita e um acordo (ou capitulação mediante coerção militar) do Irã em relação ao seu programa nuclear configuram, em essência, a agenda dos EUA em relação à Israel e à Ásia Ocidental. Trump quer estabilizar a região para se concentrar na competição com a China. As complexidades destas questões e seus desenvolvimentos e a relação pessoal por vezes tortuosa de Trump e Netanyahu definirão se as políticas externas de EUA e Israel “seguirão como uma só”, ou se veremos mudanças nos próximos anos.
Publicado originalmente em Observatório Internacional do Século XXI.
*Wagner Souza é Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. Pós-Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. Idealizador e Editor do site América Latina www.americalatina.net.br. Colaborador do boletim Observatório do Século XXI.
Foto da capa :Amos Ben Gershom GPO
Uma resposta
_ Ótimo artigo! Como vários outros aqui publicados. Parabéns!