Por MARIA LUIZA FALCÃO SILVA*
O ano de 2025 vai terminando como começou: inquieto, fragmentado e profundamente desigual. Não há outra forma de descrevê-lo sem reconhecer que vivemos um período em que as guerras voltaram a pautar a política internacional, o clima passou a ditar a diplomacia, e o Sul Global assumiu responsabilidades históricas enquanto o Norte Atlântico parecia perder sua bússola moral. Cada continente viveu o seu próprio drama e seus lampejos de esperança. O mundo, em disputa, nos obrigou a olhar simultaneamente para catástrofes humanitárias, deslocamentos geopolíticos e novos projetos de futuro.
Este é o balanço possível: um planeta que se contorce, mas ainda tenta respirar.
América do Sul: Entre a guerra importada e a liderança climática inesperada
O pior da América do Sul em 2025 foi a militarização vinda de fora. A operação “Lança do Sul”, conduzida pelos Estados Unidos, transformou o Caribe em uma zona de tensão permanente. A hostilidade de Trump contra a Venezuela, amplificada por seu interesse explícito no petróleo do país, criou um ambiente em que qualquer embarcação pode ser rotulada como “ameaça” e destruída sem investigação. A narrativa do narcoterrorismo tornou-se uma licença para matar. A Venezuela voltou ao centro das disputas globais, desta vez não apenas pelo petróleo, mas pela tentativa norte-americana de reconfigurar a geopolítica do hemisfério à força.
Mas, enquanto o Norte aumentava a temperatura dos conflitos, o Brasil resgatava o multilateralismo. A COP 30 em Belém reposicionou a América Latina como protagonista da política climática global. O continente, tantas vezes à margem, tornou-se essencial. A defesa da Amazônia — e do Fundo Florestas Tropicais para Sempre — recolocou o Brasil como referência ética e diplomática. Em meio à tempestade militar, surgiu um caminho verde, com apoio amplo da Organização das Nações Unidas (ONU) e de países do Sul.
A América Latina viveu, portanto, o conflito e a esperança — simultaneamente.
O Norte em Conflito com Ele Mesmo
Em 2025, a América do Norte viveu um de seus anos mais paradoxais. Os Estados Unidos, ainda a maior potência militar do planeta, pareciam simultaneamente fortes e frágeis, expansivos e isolados, agressivos e profundamente desorientados. Sob o segundo governo Trump, o país aprofundou um ciclo regressivo que combinou neomacartismo interno, militarização externa, retórica inflamada contra migrantes, e a retomada de uma guerra tarifária global que atingiu parceiros estratégicos e desorganizou cadeias produtivas inteiras.
Em nome de uma suposta “segurança nacional”, Trump reinstalou tarifas pesadas — de 30% a 60% — sobre produtos chineses, mexicanos, europeus e até de países latino-americanos, incluindo o Brasil. A guerra tarifária não buscou reindustrializar os Estados Unidos, como prometido, mas produzir efeitos políticos internos: alimentar o nacionalismo econômico, enfraquecer adversários geopolíticos e tensionar alianças tradicionais. A economia americana absorveu impactos mistos, mas o cenário internacional sofreu rupturas profundas. O comércio global desacelerou, empresas americanas fragmentaram cadeias de valor, e países emergentes foram obrigados a redesenhar suas estratégias comerciais, industriais e cambiais.
A política externa estadunidense também foi marcada por contradições. Enquanto o governo ampliava a escalada militar no Caribe contra a Venezuela — com porta-aviões posicionados em rota de ataque e assassinatos seletivos justificados como “combate ao narcotráfico” — Washington reduzia sua contribuição para a reconstrução da Ucrânia e deixava aliados europeus inquietos. No Oriente Médio, o apoio irrestrito ao governo de Israel sob o comando do genocida fascista Netanyahu aprofundou a tragédia em Gaza e isolou ainda mais os Estados Unidos na opinião pública global. O país que já foi referência moral para o chamado “mundo livre” tornou-se, em 2025, um ator errático e imperial.
Mas o conflito mais profundo era interno. A radicalização trumpista alimentou ataques a instituições, universidades, cientistas, ONGs, jornalistas e minorias. A demolição parcial do aparato ambiental construído desde os anos 1970 corroeu proteções históricas. Estados como Califórnia, Nova York e Illinois passaram a operar quase como contrapoderes institucionais, resistindo à regressão federal e defendendo políticas climáticas, de direitos humanos e de governança mais alinhadas ao mundo contemporâneo. Foi um ano em que os Estados Unidos pareceram duas nações dentro de um mesmo território.
Ao lado desse cenário turbulento, o México viveu um 2025 decisivo — e impossível de dissociar do caos norte-americano. A eleição de Claudia Sheinbaum, primeira mulher presidente do país, marcou uma virada histórica e consolidou a continuidade da agenda social, energética e nacional-desenvolvimentista de López Obrador. Ao mesmo tempo, o México tornou-se um dos principais alvos indiretos da guerra tarifária de Trump.
A fronteira mais dinâmica do Hemisfério Ocidental sofreu com o endurecimento migratório, com tarifas unilaterais e com medidas que afetaram diretamente o setor automotivo e eletrônico, pilares da economia mexicana. Ainda assim, Sheinbaum manteve firmeza diplomática. Criticou ações militares no Caribe, defendeu cessar-fogo imediato em Gaza e manteve diálogo constante com países da América do Sul, reforçando o papel do México como ponte estratégica entre o Norte e o Sul. Em 2025, o país mostrou que, mesmo sob intensa pressão dos Estados Unidos, podia manter uma agenda própria — soberana, moderada e cada vez mais latino-americana.
O Canadá atravessou 2025 tentando preservar a racionalidade em meio ao caos do vizinho do sul. O governo manteve uma política externa independente, criticou publicamente os excessos militares dos Estados Unidos (EUA) no Caribe e reforçou sua posição em defesa de um cessar-fogo imediato em Gaza e de negociações para a Ucrânia. Ao mesmo tempo, buscou ampliar laços econômicos com Europa e Ásia, reduzindo sua vulnerabilidade ao humor errático de Washington.
A América do Norte de 2025 foi um continente dividido: um Estados Unidos em guerra com o mundo e consigo mesmo, um México que buscou, com equilíbrio raro, preservar estabilidade democrática e presença internacional e um Canadá que demonstrou que não é, como gostaria Trump, mais um estado dos EUA. Se a região continua sendo o coração econômico do planeta, seu pulso político revela um sistema nervoso em espasmos — um Norte que já não dita sozinho o rumo do século XXI e que, pela primeira vez em muitas décadas, parece incapaz de oferecer direção ao resto do mundo.
Europa: A guerra permanente e a crise de identidade
O pior da Europa em 2025 é evidente: a continuação de duas guerras simultâneas.
Na Ucrânia, a guerra entrou em seu quarto ano, sem perspectivas de resolução diplomática. A fadiga europeia tornou-se visível, e a dependência militar dos Estados Unidos tornou-se problema estratégico. A ofensiva russa se manteve, e a contraofensiva ucraniana estagnou, alimentando debates internos sobre soberania, custos e o próprio futuro europeu.
Em Gaza, o continente assistiu — impotente e dividido — à destruição massiva e ao colapso humanitário. A hesitação inicial da Europa, o alinhamento acrítico de alguns governos ao governo de Netanyahu e a incapacidade de influenciar o cessar-fogo expuseram uma União Europeia sem voz própria. O genocídio palestino — nomeado como tal por vários parlamentos nacionais e organismos de direitos humanos — marcou profundamente a imagem europeia no Sul Global.
Mas a Europa também viveu alguns raros bons momentos: avanços importantes em transição energética, políticas de hidrogênio verde, uma tímida reindustrialização estratégica e reaproximação diplomática entre França, Alemanha e países do Sul da Europa. Ainda assim, o continente passa por uma crise identitária — dividido entre o velho atlanticismo e o desejo de autonomia que não se concretiza.
Ásia: Crescimento, guerras silenciosas e o novo centro do mundo
A Ásia vivenciou um 2025 ambíguo: foi o continente que mais cresceu economicamente, mas também o que mais conviveu com tensões militares e rivalidades estratégicas.
No Japão, a ameaça norte-coreana, os exercícios militares chineses e a nova doutrina de segurança japonesa reacenderam debates sobre eventual capacidade militar ofensiva. A região vive um equilíbrio delicado, com alianças cruzadas envolvendo Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Filipinas. O Indo-Pacífico tornou-se o tabuleiro central da geopolítica mundial.
A Índia ampliou sua presença diplomática e econômica, reforçando sua posição como potência global emergente. O Sudeste Asiático manteve estabilidade e crescimento acelerado, tornando-se o motor econômico do planeta.
A China, ampliou sua influência mundial, especialmente na África e na América Latina, com projetos de infraestrutura, energia e tecnologia verde. Pequim consolidou sua liderança na transição climática global, mesmo enfrentando pressões militares externas.
A Ásia, com suas contradições, foi o continente mais decisivo de 2025 — e continuará sendo o centro estratégico de 2026.
África: Crescimento, conflitos persistentes e a nova diplomacia global
O melhor da África em 2025 foi sua ascensão histórica como polo diplomático. O continente recebeu investimentos robustos em energia, infraestrutura e tecnologia, consolidou parcerias com China, Brasil, Índia e países árabes, e recuperou poder no G20 e no BRICS. A presença africana na COP 30 foi decisiva e articulada — especialmente em temas como financiamento climático, agricultura sustentável e adaptação.
Mas o pior não pode ser ignorado: as guerras africanas por minerais estratégicos essenciais à transição energética e às cadeias de alta tecnologia — como cobalto, lítio, coltan, níquel, urânio e terras raras. Corporações e potências externas financiam facções locais, exploram instabilidade e favorecem golpes para garantir acesso barato a esses minerais. Assim, conflitos no Sahel, Congo, Sudão e em partes da África Central, tornam-se parte de uma geopolítica maior, onde quem controla esses insumos controla a economia do futuro.
Deslocamentos forçados aumentaram em várias regiões, e choques climáticos agravaram crises humanitárias. Ainda assim, a África de 2025 foi mais protagonista do que vítima — e este é um dos grandes deslocamentos simbólicos do ano.
Oceania: A linha de frente do colapso climático
Oceania, especialmente o Pacífico, viveu um ano devastador. O aumento do nível do mar, ciclones extremos e crises de água provocaram deslocamentos populacionais históricos. A diplomacia das ilhas do Pacífico tornou-se urgente e combativa, denunciando a negligência climática dos grandes emissores.
A Austrália e a Nova Zelândia tentaram equilibrar políticas climáticas ambiciosas com a pressão geopolítica crescente dos Estados Unidos no Indo-Pacífico. O continente, embora distante dos grandes centros de poder, tornou-se símbolo do futuro climático global.
Um planeta que disputa o próprio futuro
De Gaza à Ucrânia, do Caribe ao Indo-Pacífico, das ilhas do Pacífico à guerra por minerais estratégicos na África, 2025 foi o ano em que o planeta se fragmentou em disputas simultâneas. Mas também foi o ano em que o Sul Global se tornou ator — e não mais objeto — da política internacional.
O grande desafio não é apenas buscar paz onde há guerra, mas formular um projeto global capaz de enfrentar, ao mesmo tempo, desigualdade, colapso climático, militarização e autoritarismos. Se 2025 deixou cicatrizes profundas, também abriu portas para novos pactos internacionais — e o Brasil, ao assumir a COP30, o BRICS e o G20, mostrou que há caminhos alternativos para um planeta exausto.
O mundo está em disputa, mas ainda não perdeu sua capacidade de escolha.
*Maria Luiza Falcão Silva é PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED). Entre outros, é autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England/USA.
Foto de capa: Nasa




