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Opinião

Voto útil em Lula e Alckmin?

Voto útil em Lula e Alckmin?

Artigo por RED
17/09/2022 14:33 • Atualizado em 22/09/2022 11:44
Voto útil em Lula e Alckmin?
De MARIA DA GRAÇA PINTO BULHÕES*
Muitos eleitores de Ciro e Tebet posicionados no centro e na centro esquerda estão indignados com o pedido de voto útil em Lula e Alckmin no primeiro turno. E têm argumentos para isto.

O PT considerou Getúlio Vargas apenas “um caudilho” e Brizola e João Goulart “líderes populistas” até ser retirado do poder, em 2016, por forças semelhantes às que atacaram anteriormente os três líderes trabalhistas. Lula, perseguido e preso, passou a ser comparado a Vargas, como um estadista defensor de um projeto de desenvolvimento nacional, e a Goulart e Brizola, como líder da luta contra o entreguismo e pela defesa dos direitos dos trabalhadores e da democracia.

O MDB, nos anos 80, esperava contar com o voto da esquerda até a derrubada da ditadura militar. Parte dela, no entanto, considerou prioritário, naquele momento, fundar um novo e democrático partido para ser a voz e a vez dos trabalhadores na luta por melhores salários e condições de vida, o PT, que via na democracia liberal apenas um regime político burguês e a Constituição de 1988 como uma carta muito aquém do necessário.

O PT tornou-se governo e nele aprendeu, a duras penas, que as grandes mudanças econômicas, sociais e políticas prometidas não dependiam apenas da “vontade política” que o partido afirmava ter, em contraposição a todos os demais partidos do campo progressista. Até os comunistas eram acusados de não terem realizado anteriormente as mudanças radicais de que o Brasil necessitava por “falta de vontade política”.

A força de grandes grupos econômicos internacionais e nacionais, o poder das Forças Armadas, de grandes meios de comunicação e de setores do Poder Judiciário se impuseram acima da vontade política de mudança e o PT foi derrubado do governo em 2016. O movimento para depô-lo foi iniciado, no espaço da política, em 2014, pelo candidato do PSDB, partido defensor da democracia liberal, que, no entanto, quebrou um de seus principais fundamentos: o reconhecimento dos resultados eleitorais e o respeito à alternância no poder. O movimento culminou com a deposição da presidente eleita, sem que tivesse cometido crime de responsabilidade, e com a perseguição e prisão de Lula.

Neste momento, um tsunami já havia começado a correr o mundo, trazendo a globalização e a dependência econômica das nações, a concentração da riqueza em patamares do século XIX, a redução dos direitos trabalhistas e sociais e novas formas de autoritarismo. O projeto neoliberal se expandia buscando retroceder ao tempo em que o trabalhador era apenas uma mercadoria muito barata, sem direitos de cidadão.

Diante de um candidato defensor deste projeto, abertamente favorável à ditadura militar, nas eleições brasileiras de 2018 lideranças do MDB e do PSDB, defensoras históricas da democracia liberal, abandonaram sua tradição de luta democrática e abraçaram aberta ou envergonhadamente o candidato da extrema direita. Eleito, durante quatro anos ele atacou legislação, instituições e valores republicanos construídos desde o início do século XX, atuação por ele assumida como seu projeto para o país.

Quando a Suprema Corte brasileira passou a ser alvo de ataques visando eliminá-la como a última trincheira da garantia de direitos contra o crescente arbítrio e perseguição política, a correção de rumos jurídicos se iniciou, levando ao reconhecimento das ilegalidades cometidas contra Lula. Lula saiu da cadeia, após 580 dias de prisão, decidido a voltar à luta por um projeto nacional desenvolvimentista, com um estado de bem-estar social e democracia. E buscou para esta luta um antigo adversário membro do PSDB, que já o havia atacado no período de sua perseguição e prisão.

A mensagem de Lula é clara. A desigualdade social é a grande chaga do país, sempre atacada de forma central pelo PT, desde sua fundação, e secundarizada por vários partidos do campo democrático quando governo, por considerarem que o bolo não estava grande o suficiente para ser dividido. E a democracia liberal é uma condição para a luta pela justiça social. Ela não é apenas um regime burguês, mas importante arena de discussão e negociação dos diferentes e conflituosos interesses sociais, que precisa ser preservada.

Lula sabe que a Constituição de 1988 foi um grande avanço para o Brasil, razão pela qual as forças reacionárias vêm lutando contra ela, desde sua promulgação. Sabe que para implementar seu projeto de Nação precisará de um bloco de forças sociais e políticas amplo e forte e de um estado republicano, com a separação e equilíbrio de poderes, a liberdade de expressão e organização, sem o monopólio das grandes corporações midiáticas, e a não politização do Poder Judiciário e das Forças Armadas.

Para construir este amplo bloco de forças sociais, Lula foi em busca do diálogo, inclusive com quem apoiou sua perseguição política. Ele se dispõe a construir um tempo de tolerância, de respeito, de debate dos problemas e construção de soluções negociadas. Por isto seu discurso de campanha é o da paz, colocando, ao mesmo tempo, no centro da agenda pública o problema da fome e da desigualdade social.

Lula nestas eleições é muito maior do que seu partido, basta olhar as pesquisas eleitorais nos estados, é maior do que a toda a esquerda, porque acolhe o desejo de justiça social, de paz e de democracia que vai muito além de correntes políticas, partidos e lideranças individuais deste campo. Sua aposta é a reconstrução do país, destruído em todos os níveis pelo governo de quatro anos de uma extrema direita cultuadora da morte e da violência. Uma tarefa hercúlea, para a qual todos os partidos e lideranças republicanos e democráticos estão sendo chamados a participar de alguma forma desde agora.

O currículo recente dos principais partidos políticos brasileiros mostra que não há santos, isentos de erros, e que uma grande lição precisa ser aprendida: a civilidade, a tolerância e respeito são condições para que os diferentes projetos para o país possam ser explicitados, debatidos e negociados, sem violência e sob a proteção da lei.

Este é o significado da candidatura Lula e Alckmin: varrer do país a barbárie. Uma candidatura muito maior, portanto, do que a afirmação de identidade e força política de qualquer corrente, partido ou liderança. Ciro e Tebet têm o direito democrático de defender suas candidaturas, mas, às vésperas das eleições, com o baixo percentual de intenções de votos que possuem, votar neles significará, na prática, dar uma segunda chance ao candidato da extrema direita, levando-o ao segundo turno. Esta é a decisão diante da qual se encontram seus eleitores.

E a torcida majoritária no campo dos democratas é de que, já no primeiro turno, a barbárie seja derrotada pela civilização.

*Socióloga e professora aposentada da UFRGS.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

 

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