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Volta às Bases
Volta às Bases
Por EDISON VLADIMIR MARTINS TERTEROLA*
Um tema recorrente nas correntes de esquerda trata-se da necessidade de retorno “às bases”, principalmente pelo maior partido de esquerda, que é o Partido dos Trabalhadores, o PT. Meu ponto de partida é o artigo “Volta às bases, com que base?” [1], do professor Benedito Tadeu César, no qual coloca a questão de que as esquerdas perderam seus referenciais. O autor baseia-se na constatação de que a classe média e o operariado que formavam a base do PT dos anos 80 a 2000, “já não existe mais”.
O PT foi fundado e cresceu apoiado no sindicalismo combativo e em movimentos populares, dentre eles as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica. Estes movimentos, porém, sofreram profundas mudanças nas décadas seguintes. O PT alcançou a Presidência da República durante uma crise econômica que levou ao nível de desemprego recorde, fruto de uma política neoliberal que promoveu a desindustrialização do país na década de 90. Para vencer, o PT utilizou uma estratégia de aliança com uma parcela do empresariado industrial representado por José de Alencar, como vice em sua chapa.
Após quatro vitórias consecutivas para a Presidência da República, o capital internacional passou a apoiar alternativas golpistas que resultaram na operação Lava Jato, no golpe contra a presidenta Dilma e na prisão do ex-presidente Lula. Neste período algumas correntes de esquerda questionaram o método petista por seu afastamento de suas origens sindicais e populares, ao privilegiar o jogo político.
Após o golpe contra a presidenta Dilma, foi implementada uma política econômica que promoveu o desemprego, o rebaixamento dos salários e a ampliação da terceirização, medidas que criaram as condições propícias para o surgimento do trabalhador por aplicativo de plataformas digitais.
No trabalho por aplicativo, temos uma nova “alienação” (derivando do conceito de alienação de Marx), na qual o trabalhador é convencido de que ele é um “empreendedor”, sem perceber que a exploração continua, só que agora, de forma mais inteligente e dissimulada. Para o Professor Tadeu, a esquerda utiliza um discurso que estigmatiza o trabalhador por aplicativo como “precarizado”. Temos que entender, que, para este trabalhador, as plataformas digitais representam a busca por alternativa de renda num mercado de trabalho em crise.
Da mesma forma, o trabalhador terceirizado também passa por esse estigma de “precarizado”. Numa realidade onde as empresas aplicam a terceirização, os sindicatos combativos devem tomar cuidado nos discursos para que não coloquem estes trabalhadores contra a entidade sindical. Os sindicatos devem buscar representar a todos, sejam próprios ou terceirizados. O modelo de sindicalismo brasileiro na atualidade, porém, dificulta a união dos trabalhadores e, consequentemente, o crescimento da consciência de classe.
No campo sociocultural, nas últimas décadas, uma parcela da classe trabalhadora foi sendo influenciada pelos mais diversos aparelhos ideológicos das classes dominantes tais como a religião, o judiciário e os meios de comunicação. No aspecto religioso, as Comunidades de Base foram perdendo espaço para a ala conservadora da Igreja Católica e para as igrejas neopentecostais que seguem o conceito protestante de que as pessoas têm sucesso econômico porquê são abençoadas por Deus.
É notável que as pautas chamadas identitárias, como a luta das mulheres, dos negros, dos LGBTQIPN+ e ecológicas vêm tomado relevância e obtendo avanços importantes embalados pelo crescimento da esquerda na primeira década do século XXI.
Por outro lado, observamos uma forte reação da direita, utilizando, principalmente, dois clássicos “aparelhos ideológicos”: os meios de comunicação e a religião.
Como reação à abordagem mais ousada das novelas da Rede Globo, surgiram programas com temas conservadores nos demais canais para disputar a audiência. O que antes era apenas uma disputa de mercado passou a servir como ferramenta de oposição à luta contra todas as formas de discriminação.
Paralelamente, vimos o crescimento das igrejas conservadoras, que compõem outro aparelho ideológico a favor das classes dominantes: o religioso. Estas igrejas avançaram com um discurso de que são escolhidas por Deus e que, portanto, são por ele protegidas, seja porquê encontraram um lugar para extravasar suas dores e ansiedades ou, seja pela promessa de que Deus faz milagres. O que tem em comum é o sentimento de proteção contra o mundo agressivo em que vivemos.
A busca pela proteção, batizada de bênçãos de Deus, de certa forma, se opõem à disposição de luta por direitos sociais, tais como saúde, segurança, educação, moradia e trabalho, pois estas lutas não oferecem a garantia de vitória (um milagre, ou a “salvação”) e são organizadas por aqueles mesmos que defendem as pautas identitárias que os líderes religiosos conservadores se opõem.
Durante as enchentes de 2024, no Rio Grande do Sul, as esquerdas se mobilizaram e promoveram diversas formas de apoio aos atingidos. No entanto, o resultado eleitoral foi desanimador. Em Porto Alegre, Sebastião Melo se reelegeu com 61,5% dos votos válidos, contra 38,5% da petista Maria do Rosário [2]. Para a Cientista Social Adriana Paz Lameirão [3], enquanto as esquerdas focaram seu apoio no fornecimento de alimento, os políticos de direita forneciam recursos para a reconstrução das casas e permaneceram em contato direto com os moradores. No entanto, para Adeli Sell [4], as “fake news” contra o PT foram mais determinantes para o resultado das eleições, apesar dos esforços do governo federal para ajudar os atingidos pelas enchente.
Enquanto isso, para quem tinha dúvidas da importância das redes sociais, a eleição para o município de São Paulo deixou claro que as mídias via internet são, hoje, mais influentes, que os canais de TV abertos. O “outsider” Pablo Marçal, fez 28,14%, contra 1,84%, de Datena, apresentador de TV aberta. Este foi um bom exemplo do real poder de influência que as redes sociais e a internet estão tendo na formação da opinião pública e nas eleições.
Os resultados das eleições de São Paulo e de Porto Alegre nos colocam novas questões a respeito da relação com as “bases”. O bom resultado de Boulos estaria relacionado com o seu papel enquanto militante do MTST, ou devido ao apoio recebido de Lula? A vitória de Melo em Porto Alegre está mais relacionada a falta de visibilidade das ações do Governo Federal e das esquerdas durante as enchentes, ou com as notícias falsas espalhadas pela internet?
A questão levantada de que a esquerda necessita de retorno às bases requer entender o que são e como pensam as bases atuais. Este tema sempre será, um ponto relevante, pois, somente a partir de uma análise de conjuntura que envolva os aspectos políticos, econômicos e socioculturais é possível definir estratégias de ação que venham a ter sucesso.
O PT, o PSol e os demais partidos de esquerda precisam abrir espaço para novas lideranças que surgem nos movimentos populares e sindicatos que mantenham seus vínculos com suas bases, bem como entender que o operário se tornou majoritariamente um trabalhador do ramo do comércio ou de serviços [5], possivelmente, terceirizado, ou por aplicativo, alguém que forma sua opinião baseado nas mídias digitais ou canais conservadores e que se identifica ou tem relações com as igrejas evangélicas [6].
Para vencer este desafio, portanto, vimos que é necessário criar espaços de participação popular e formas de comunicação que dialoguem com as massas de forma a contrapor o poder das mídias digitais e conservadoras. Paralelamente, no campo político, é necessário colocar as divergências de lado e buscar caminhos em conjunto, por isso, estou de acordo com a opinião daqueles que defendem o diálogo franco entre as esquerdas em vez do conflito fraticida que abre espaço para o partidos de extrema direita e “outsiders” bancados por empresários, assim como expos didaticamente a Manuela D’ávila [7] em seu canal no Youtube. Neste vídeo Manuela expõem um pensamento idealista: a esperança de que a esquerda unida pode vencer o capital. Um sonho coletivo pode se tornar realidade.
*Edison Vladimir Martins Terterola é Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Pós-graduado em Economia do Trabalho, Diretor do Sindipetro-RS
Ilustração: Redes sociais
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Referências:
1 – https://red.org.br/noticia/volta-as-bases-com-que-base/#_ednref1
4 – https://red.org.br/noticia/porto-alegre-por-que-os-inundados-nao-votaram-no-pt/
5 – https://datampe.sebrae.com.br/profile/geo/brasil
7 – https://www.youtube.com/watch?v=78SBnJDqs7Q
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