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Opinião

Vitória por saldo de gols

Vitória por saldo de gols

Artigo por RED
29/10/2022 07:28 • Atualizado em 31/10/2022 17:13
Vitória por saldo de gols

De BENEDITO TADEU CÉSAR*

Se, conforme já escrevi aqui fazendo uma metáfora com um duelo de box, Lula havia vencido o debate anterior, na Rede Bandeirantes, por pequena margem de pontos, com os juízes tendo dificuldade para decidir, no debate de ontem, na Rede Globo, Lula venceu com folga, sem que os juízes tenham tido qualquer dificuldade para tomar suas decisões.

Se preferirmos mudar a metáfora, realizando agora um paralelo com o futebol, mais ao gosto da maioria da população brasileira, o que vimos ontem foi a final de um torneio que se decide com dois jogos com placar contínuo, ou seja, o campeão é definido pela soma dos gols sofridos e marcados nos dois jogos finais. É o “saldo de gols” que define o campeão.

Como no jogo de ida (o debate da Band), segundo a maioria dos analistas, a totalidade das pesquisas qualitativas e os acompanhamentos das métricas nas redes sociais, Lula tinha vencido por margem estreita, pois, mesmo marcando tinha sofrido gols, Bolsonaro teria que vencer o jogo de volta (o debate na Globo) por um placar dilatado, marcando muitos gols e sofrendo poucos.

Não foi o que se viu. Bolsonaro entrou no campo de debate tenso, quase acuado, e demonstrou insegurança. Claro que isso tem muito a ver com a incapacidade de formular raciocínios com alguma complexidade e até de chegar ao final de suas frases, mas ontem a situação era excepcional e ele sabia disso.

Lula, que não é bom em debates e que se sai sempre muito melhor em entrevistas e palanques, entrou em campo demonstrando tranquilidade, com a confiança característica do jogador-debatedor que sabe que se encontra em posição de vantagem sobre seu adversário.

As situações anteriores ao jogo, incluindo o período de “concentração”, a preparação física, tática e psicológica do atleta, que são determinantes para o seu bom desempenho em campo, talvez tenham sido determinantes para o desempenho de Lula e Bolsonaro no debate-jogo de ontem.

Cientes das pesquisas de intenção de voto, divulgadas nos dias anteriores, da postura do TSE frente às investidas do presidente da República e da reação das cúpulas militares que, aparentemente, se negaram a prestar apoio a qualquer tentativa de melar o campeonato eleitoral, os dois adversários entraram em campo com posturas distintas.

Bolsonaro entrou em campo com o “emocional” baixo e deixou que todos percebessem seu estado. Lula entrou em campo com o “emocional” alto e deixou que todos, inclusive seu adversário, percebessem isso.

Ao longo dos primeiros blocos do debate, Lula foi marcando gols, sem sofrer nenhum. Bolsonaro xingava o juiz que o ameaçou com cartão amarelo ao final do primeiro tempo, tropeçava e, por duas vezes, quase caiu no chão (aqui, sem metáfora). Talvez, como o massagista não podia entrar em campo, ele não se deixou estatelar no chão para esperar uma maca que, se existisse, lhe possibilitaria “comer o tempo” do jogo-debate.

Nos blocos finais, Bolsonaro esboçou alguma reação e marcou alguns gols. Lula, em vantagem e, para poupar esforços ou por cansaço (que, aliás, já se manifestava também na plateia, que se retirava do estádio-sala-de-tv e diminuía a audiência), passou a jogar na retranca, o que permitiu que o adversário marcasse alguns gols, ainda que em lances de “contra-ataque” tenha conseguido marcar outros.

O placar final foi amplamente favorável a Lula, pois Bolsonaro, que precisava ganhar por um “saldo de gols” elevado sequer empatou a contenda. Abatido, Bolsonaro deixou-se trair pelo inconsciente e declarou, na fala final, que se sentia plenamente preparado para assumir mais um mandato de deputado federal!

Debates dificilmente definem eleições e, nesta, quando mais de 90% dos eleitores declaram que já definiram seus votos e quando os indecisos somam apenas 2% do eleitorado total, seus efeitos tendem a ser nulos.

O que pode definir o resultado e trazer alguma surpresa é a abstenção eleitoral daqueles cerca de 20% do eleitorado que tradicionalmente não comparecem às urnas e que, ironicamente, em sua imensa maioria, não assistiram nenhum debate, nem o da Band e nem o da Globo.

Quem quiser vencer a eleição de domingo terá que concentrar seus esforços numa tarefa dupla: convencer os absenteístas a comparecer às urnas e votar no seu candidato.


*Cientista político, professor aposentado da UFRGS e integrante da coordenação da RED.

Imagem – reprodução TV Globo.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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