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Opinião

Virgínia Woolf: Flush e Mrs Ramsay

Virgínia Woolf: Flush e Mrs Ramsay

Artigo por RED
20/11/2022 19:01 • Atualizado em 21/11/2022 22:56
Virgínia Woolf: Flush e Mrs Ramsay

De VERA HAAS*

Para aqueles que participam de uma geração cuja inovação literária assenta em nomes que procuraram novos protagonismos, Virgínia Woolf é o nome de uma literatura necessária. A crítica assegura à escritora um lugar de destaque na renovação do romance, em particular no que se refere aos experimentos com as vozes narrativas e os fluxos de consciência, recursos cujos efeitos transformam os protagonismos.

Flush – uma biografia (1933) utiliza o discurso indireto livre para expor o ponto de vista do cocker spaniel ruivo e desenhar as profundas diferenças entre os seres humanos e o animal doméstico e o amor possível entre eles. O narrador biógrafo reúne experiências íntimas ou prosaicas dos personagens de modo a ironizar as convenções sociais. Descobrimos como Flush ajusta-se à solidão da poeta Elizabeth Barrett e, depois, ao afastamento de Mr. e Mrs. Broowing e ao mundo de novos cheiros aos quais se dedica após o nascimento do bebê. Visto como um sujeito que pensa, sente e sonha por meio de habilidades que lhe são inerentes, o protagonismo de Flush renovou o papel do animal na literatura contemporânea. O romance, relegado a segundo plano frente a obras como Orlando (1928) e As ondas (1931), hoje faz parte de estudos acadêmicos sobre a representação de animais na literatura.

A escrita de Woolf evidencia movimentos internos que se realizam nas consciências dos personagens. Em Ao farol (1927), durante a narração da cena em que Mrs. Ramsay mede a meia marrom destinada ao filho do guarda do farol e consola seu próprio filho, James, frustrado pelo pai em suas expectativas de um alegre passeio, são narrados acontecimentos secundários e pretéritos como a tristeza da criada na iminência da orfandade ou a comoção de Mr. Bankes ouvindo a voz de Mrs. Ramsay ao telefone. Um narrador observador parece meditar sobre o enigma insolúvel da imagem bela e triste de Mrs. Ramsay por meio de comentários ouvidos de terceiros (“Nunca ninguém pareceu tão triste”, “Mas, não era nada mais do que aparência? perguntavam as pessoas”.), os quais também compõem a cena do colóquio entre mãe e filho. O processo de reflexão de múltiplas consciências colhe, no gesto materno do tricot, o sentido da vida daquela mulher em busca da harmonia, a elegia à família Ramsay. O tratamento polifônico da imagem esquadrinha uma realidade mais profunda deixando entrever a dura consciência de que um ser humano pouco ou nada pode fazer pela solidão de outro.


*Doutora e mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Originalmente publicado em Virginia Woolf: o esplendoroso abismo da imaginação [Concepção, projeto e edição Luiz Coronel]. 1 Ed. Porto Alegre : Mecenas, 2009.

Imagem da homenagem a Virgínia Woolf feita por Gemdiaz em 2012 – Wikimedia Commons.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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