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Opinião

Vamos falar de política

Vamos falar de política

Artigo por RED
16/05/2023 05:30 • Atualizado em 18/05/2023 07:09
Vamos falar de política

De GILSON LUIZ DOS ANJOS*

Política e futebol não se discute – este foi um ditado muito repetido na minha infância/adolescência/juventude nos anos 70/80, especialmente por pessoas das gerações anteriores a minha. Mas qual a mensagem embutida neste ditado? A mensagem de que a classe trabalhadora deveria se abster de discutir e, mais que isso, querer saber dos assuntos tratados pela classe com representação política nas instituições ditas republicanas.

Foi desta maneira que a burguesia conseguiu se perpetuar nos espaços de poder¹, alijando a maioria da população do país das condições de dignidade social. O povo trabalhador, sem dúvida alguma, era a classe mais prejudicada por sua alienação e aversão a política. Limitava-se a comparecer às urnas e votar em candidatos que só conheciam das matérias jornalísticas.

Lembro de ter comparecido ainda muito jovem em alguns comícios² regados a comida e bebida em que estes políticos sim, políticos no gênero masculino, pois eram homens brancos aparentemente héteros, letrados, que usavam palavras difíceis para demonstrar uma inteligência acima da média. Geralmente estes políticos eram apresentados por cabos eleitorais da própria comunidade e que via de regra recebiam alguns trocados para mobilizar seus vizinhos.

As pessoas que como eu cresceram com o apelo de amor à pátria, a qual deveríamos amá-la ou deixá-la. Mas como deixá-la se mal tínhamos dinheiro para chegar na esquina? O povo trabalhador nunca teve recursos ou contatos para se transferir para outra nação e nem tão pouco desejava abandonar sua pátria mãe.

Política era coisa de Coronel na Velha República. Posteriormente, para doutores, fossem eles de direito ou da área da saúde. Ao povo analfabeto, mulheres, pessoas negras, todos e todas excluídos dos bancos escolares, restava batalhar e cumprir os desígnios determinados pelos homens da política. Iria dizer brasileira, mas nem isso podemos dizer, pois muitos destes senhores eram e continuam sendo “criaturas” dos interesses estrangeiros nas nossas riquezas minerais, materiais e humanas.

Mas política não é e nem deveria ser conhecida como função dos letrados. Política é tudo que envolve a vida humana em sociedade. Ela decide o preço do arroz, feijão, carne, salada. Decide também o preço do café, da cerveja, da passagem escolar e do aluguel. Se você e sua família terão ou não acesso à escola, saúde e segurança…

A política é tão importante que a classe burguesa (os ricos) financia campanhas de pessoas em ascenção para cooptá-las e deixar as mesmas comprometidas com seus interesses. Esta mesma classe burguesa que financia os canais de imprensa para poder manipular as informações de maneira que o povo vote nos heróis construídos por estes canais de “(des)informação”.

Estamos no início de uma nova era, na qual os donos do poder se utilizam das redes sociais para propagar notícias falsas, influenciado os eleitores a escolher políticos que representem seus interesses. A classe trabalhadora organizada em sindicatos de corporações de trabalhadores ou em organizações não governamentais lutam por melhores condições de trabalho e dignidade em suas atividades laborais. Entretanto, suas conquistas se limitam ao espaço de trabalho. Foi a partir desta constatação que muitos trabalhadores começaram a se organizar em partidos políticos.

Partidos de esquerda vem crescendo e aumentando sua participação nos espaços de poder, mas ainda precisamos ampliar e qualificar ainda mais esta representação. Precisamos superar nossas pequenas diferenças e compreender o quão importante é que consigamos unir-nos para não apenas conquistar estes espaços de poder, mas de mantê-los e não se enredar nas tramas da corrupção ou de discussões mesquinhas que atrasam a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa e perfeita, não para todos, mas para maioria da população do nosso país.

Devemos sim falar de política e aprender sobre o quão importante é ter conhecimento dos limites de cada instituição republicana. Eleger pessoas que irão nos representar e tomar decisões em nosso nome. Manter estreito contato com estes representantes podendo influenciar as suas atuações no exercício do cargo em que ocupa.

Precisamos eleger mulheres, pessoas negras, membros da comunidade LGBTQIA+ e tantas outras pessoas não apenas por seu gênero, cor ou orientação sexual, mas por seu comprometimento com a luta em defesa da construção de sociedade alicerçada no Estado Democrático de Direito. Em que as relações econômicas estejam focadas no ser e não no ter, e em que homens e mulheres possam andar livremente, mas que respeitem o direito dos outros. Em que as crianças cresçam aprendendo a respeitar e recebam o carinho e afetividade das comunidades em que vivem.

Construir um espaço social flexível para possibilitar a inclusão e rígido para coibir a exclusão; construir uma sociedade em que as pessoas sejam felizes com suas conquistas e não pela exploração que promove a miséria. Construir uma sociedade em que as pessoas sejam verdadeiramente cidadãs e que politicamente discutam e tomem decisões sobre seu passado, presente e futuro, conseguindo divergir sem se agredir. Onde possamos falar tanto de política como de futebol!


*Mestre em Educação. Professor Educação Básica / Lajeado. Email: contato.gilsonanjos@gmail.com

¹Espaços de decisão políticas, pelos quais por exemplo se decide sobre o acesso a cidadania, do qual a maioria do povo brasileiro sempre esteve excluída.

²Reunião de pessoas geralmente em salões ou bares e no qual o publico era atraído para conhecer e ouvir algum político e posteriormente comer churrasco e tomar algumas bebidas, tudo patrocinado pelo próprio político, ou por alguns de seus apoiadores.

Imagem em Pixabay.

As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.

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