Opinião
Vamos (De)sucatear a Educação
Vamos (De)sucatear a Educação
De GILSON LUIZ DOS ANJOS*
Primeiramente, quero demarcar que, para mim, a educação é espaço de disputa. Disputa pelo controle do conhecimento que garante a manutenção do status quo da classe dominante e de seus intelectuais orgânicos como nos apontou Antonio Gramsci.
Tenho atuado na educação básica há mais de duas décadas e penso que posso considerar também todo tempo em que estive na escola como estudante para fundamentar meu lugar de fala, qual seja, de um Ser fruto da escola pública e que agora nela atua e nesta condição analisa o processo de educação. Também trago em minha análise meu pertencimento a esta negritude e, com ela, toda sorte ou azar desta condição em um país estruturalmente racista.
O Brasil possui a segunda maior população negra do mundo, ficando atrás apenas da Nigéria no continente africano, que tem 54 países. Mesmo sendo a maioria da população brasileira, os negros ocupam os mais insignificantes postos de trabalho e poder, geralmente não vinculados as atividades intelectuais.
Passados 135 anos da assinatura da “Lei Áurea Nº. 3.353 de 13 de maio de 1888 que declarou extinta a escravidão no Brasil”, os negros continuam em condições de inferioridade social neste país. Esta lei continha apenas dois artigos, a saber – Art. 1º – É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil; – Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário, – os quais não garantiram aos negros condições de vida digna, após 350 anos de trabalho (escravizado) em que produziram a riqueza da sua economia.
A população negra brasileira depende exclusivamente da escola pública para conquistar sua formação acadêmica e, mais do que isto, esta população depende exclusivamente de si para conquistar suas condições de subsistência. Esta equação não tem produzido um resultado satisfatório, principalmente em razão do sucateamento da nossa educação básica. São estruturas materiais desgastadas e recursos humanos desmotivados por baixos salários e, adoecidos pelas grandes carga horárias a que estão submetidos na busca de dignidade.
O período colonial se encerrou, mas ainda estamos, em pleno 2023, lutando para garantir a aplicação de fato e de direito das ações afirmativas tais como a Lei de Cotas, por acreditar que possibilitaram o acesso e a permanência dos negros na educação superior. Especialmente em universidades públicas que historicamente têm capacitado majoritariamente os filhos das classes sociais economicamente mais abastadas em detrimento da grande maioria da nossa população.
Milton de Almeida Santos, importante geógrafo brasileiro que teve que sair do país em busca do reconhecimento pessoal dizia: “O valor do homem depende do lugar onde ele está”.
Tomando a fala de Santos, lembro que as Universidades Públicas são subsidiadas por todos que pagam impostos, qual seja, a maioria da população deste país, mas que, no entanto, não consegue usufruir deste esforço cotidiano.
Diante desta situação, penso que devemos primar pelo desenvolvimento de uma pedagogia que promova o protagonismo, a autonomia, o respeito e o reconhecimento da totalidade de educandos(as) como pessoas portadoras de direitos. Utilizar uma pedagogia que entenda a luta como processo educativo e potencialize os excluídos do sistema educacional a lutarem por este direito. Sem o qual continuarão vitimizados pela educação bancária, voltada a formação de uma camada de analfabetos funcionais, desprovidos de criticidade e dignidade social.
A educação oficial tem se colocado como instrumento de manutenção da ordem social vigente. Sobre esta condição, Maria Esther Araújo e Vilson Sérgio Carvalho, no texto O lugar da reflexão na escola e a escola como lugar de reflexão (CARVALHO, 2003 pg. 14) nos apontam: “Poucas instituições têm a possibilidade de influir tanto no contexto social, no qual se refere a formação e o exercício de cidadãos, quanto a escola”.
E também Mészaros quando diz:
“A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário a máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, […]” (MÉSZÁROS, 2005, p. 35).
Para o desenvolvimento de uma pedagogia social comprometida com a transformação da sociedade e, da ascensão dos excluídos sociais, os cursos de licenciatura públicos ou privados devem interagir integralmente com as demandas da população do seu entorno buscando compreender, atender e contribuir com o espaço social.
Enquanto isto não acontece, é nosso dever buscar sensibilizar nossos colegas e amigos educadores, pedagogos, bem como as instituições de ensino superior a se engajarem na luta em prol de uma educação revolucionária pois, está no reconhecimento do outro diferente de mim a alternativa de uma sociedade que pretenda o bem viver para todos; pois dignidade, protagonismo, autonomia e inclusão social não podem ser artifícios simbólicos de uma sociedade justa.
*Mestre em Educação. Professor Educação Básica / Lajeado. Email: contato.gilsonanjos@gmail.com
Imagem em Pixabay.
Bibliografia:
CARVALHO, Vilson Sérgio. Pedagogia levada a sério. Rio de Janeiro: Wak, 2003. (Série Educação Consciente, vol. 2).
MÉSZÁROS, Istvan. A Educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo Editora, 2005.
SANTOS, Milton de Almeida. Por uma Geografia Cidadã: por uma epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre, Agosto 1996.
As opiniões emitidas nos artigos expressam o pensamento de seus autores e não necessariamente a posição editorial da Rede Estação Democracia.
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