Opinião
Vai Passar
Vai Passar
De FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Em um tempo com página infeliz de nossa história, ½ da nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber ter sido subtraída em tenebrosas transações por desvio de verba parlamentar, para compra com dinheiro vivo (e sujo) de imóveis para a famílicia, apenas acusa um antecessor preso por lawfare. Isto se refere a uma forma de guerra na qual o Direito é usado como arma.
Basicamente, o lawfare foi o emprego de manobras jurídico-legais como substitutas de Forças Armadas, visando alcançar objetivos ideológicos, inclusive “anticomunistas”. Depois do fracasso eleitoral, essa metade do eleitorado perdeu “a vergonha na cara”.
Desesperada pela derrota eleitoral, assumiu clamar pela quebra do Estado de Direito com um Golpe Militar. A extrema-direita prega a volta do autoritarismo com prisões e torturas contra os adversários de esquerda. Em provocação, apresentou suas armas em quebra-quebra e atentado terrorista em Brasília.
O relatório da Equipe de Transição para o novo governo Lula já anunciou, talvez na ordem de prioridade, as revogações e revisões na área da política pública de armas e na área da política pública do meio ambiente. Fará revisão de atos com sigilo indevido de 100 anos em documentos de acesso público, revogações de atos em processos de desestatização e os prejudiciais a direitos sociais e econômicos. Entre outras revogações e revisões de atos, destacam-se os limitantes do direito de participação social.
A primeira proposta é a revogação de oito Decretos e uma Portaria Interministerial do governo do capitão reformado/expulso, apoiador da ditadura militar. Ele incentivou a multiplicação descontrolada das armas no Brasil, sem fiscalização rigorosa e adequada. O descontrole coloca em risco a segurança das famílias brasileiras e, portanto, deve ser revertido pelo Ministério da Justiça, em diálogo com o Ministério da Defesa.
O gabinete de transição governamental, em seu relatório final, sugere uma revisão rigorosa do conjunto de tais atos normativos. Desmontou a política pública de controle das armas no país. Propõe uma nova regulamentação para a Lei 10826/2003 – Estatuto do Desarmamento, como uma das primeiras medidas do novo governo.
Mas qual será a passagem desbotada na memória das nossas novas gerações? Eu poderia listar uma imensidão de temas a serem lançados no lixo da história: devastação ambiental, desmatamento, garimpos ilegais, sucateamento da fiscalização, grilagem, queimadas, genocídio indígena…
Vou tentar colocar em ordem alguns dos inúmeros crimes políticos, sociais e econômicos, cometidos nesses longos quatro anos, perdidos pelo retrocesso em todas as áreas. O genocídio sanitário com o atraso na vacinação destaca-se como o principal efeito da extrema politização ideológica também na gestão da saúde.
Houve contínua troca de ministros incapazes – na intervenção militar até general foi nomeado como ministro da Saúde –, cloroquina, falas absurdas. Adotou postura anticiência e viralizou sua base política ser contra a vacina para “a imunidade do rebanho” – e contaminar o restante da população. O conflito contra governadores foi apresentado como estratégia de gestão!
Diante da ascensão de óbitos por covid, o governo parou de divulgar dados acumulados. Com o “apagão de dados” faltaram informações sobre quantos brasileiros tomaram imunizantes por município, estoques e validade de medicamentos e vacinas. O país deve perder R$ 2 bilhões gastos em vacinas contra covid a vencer no início de 2023.
Com o atraso no diagnóstico de doenças, sem exames preventivos, o paciente descobre o problema de saúde em um estágio mais avançado, quando o tratamento é mais difícil. A redução orçamentária afetou o Farmácia Popular, a atenção primária, exames e consultas, programas de prevenção, controle e tratamento de Aids, hepatites e tuberculose. Aumentou a internação de bebês por desnutrição e a mortalidade infantil.
A falta de recursos para os mais diversos serviços públicos, neste fim de governo desastroso, e o esfacelamento do teto de gastos indicam a lógica eleitoreira ter predominado até contra a ideologia ultraliberal proposta pelo “ministro vendedor de terrenos na lua”. Mingou seu 3D: desvincular, desindexar e desobrigar…
O governo federal usou recursos fora da Regra do Teto a fim de aumentar o valor do Auxílio Brasil e corte de impostos dos Estados para distribuir benesses populistas para sua base de apoio, como auxílios para caminhoneiros e taxistas. Não à toa muitos se tornaram golpistas.
Na verdade, foi iniciativa do Congresso a aprovação da reforma da Previdência Social e a autonomia do Banco Central do Brasil, assim como as diversas medidas adotadas para combater os efeitos econômicos da crise sanitária. Explodiram tanto o déficit primário – de -R$ 152 bilhões em dezembro de 2018 a -R$ 892 bilhões em janeiro de 2021 – quanto o estoque da dívida pública. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), principal indicador do endividamento público, subiu quase 15 pontos percentuais em relação ao PIB, atingindo 89% em outubro de 2020.
Com a inflação importada pela quebra das cadeias produtivas e comerciais globais e o crescimento em V pela comparação com a base abaixada pela Grande Depressão, a arrecadação fiscal se elevou. A elevação do PIB nominal resultou em melhora do resultado primário e a queda da relação DBGG/PIB. Poderá atingir 73,7%, comprovando a importância crucial da retomada do crescimento sustentado em longo prazo.
No fim de 2022, com o crescimento das despesas obrigatórias, os gastos discricionários, formados por custeio e investimentos foram cortados mais facilmente para obedecer à Regra do Teto. Isto levou à paralisação governamental ou à diminuição de atividades de serviços, programas ou órgãos como IBAMA, CAPES, CNPQ, Universidades, emissão de passaportes, Farmácia Popular e Seguro de Crédito à Exportação (SCE). Praticamente, não existiu o Ministério de Educação, desmantelando o Ensino Público gratuito.
A privatização da Eletrobras, um órgão estratégico para a política energética, foi realizada a um custo elevado, por causa dos “jabutis” incluídos pelo Congresso Nacional na lei para aprovação a operação. Por exemplo, um deles determina a instalação de térmicas a gás em áreas onde não existem gasodutos, um investimento de valor elevado.
O populismo de direita levou à intervenção na política de preços da Petrobras e na distribuição máxima de seus dividendos em desfavor de reserva de lucros para os investimentos programados. Da mesma forma, a Caixa foi convertida em um “braço político-eleitoral” – isto sem falar no assédio sexual e moral cometido por seu preposto. O banco público ofereceu crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, em um elevadíssimo risco de perda com os miseráveis, cuja parte da renda ficou comprometida.
O desgoverno não avançou nada nas tão propaladas reformas neoliberais, seja a administrativa, seja a tributária. Em sua propaganda enganosa, anunciou a “melhoria do ambiente de negócio”, mas não entregou as promessas de maior abertura externa e redução do “custo Brasil”.
O Brasil segue rota descendente na sua posição no ranking global de valor adicionado da indústria de transformação. Em 2005, o país tinha a nona maior indústria de transformação do mundo. Em 2020, caiu para a 14ª posição e, em 2021, para a 15ª. A participação da indústria de transformação brasileira no PIB caiu 10,2% em 2021.
A agenda ideológica “antiglobalista”, orientada pelo preposto do Olavo de Carvalho, foi responsável por rebaixar o Brasil à pária internacional. O responsável pela estúpida política externa caiu quando o presidente incapaz para o cargo foi pressionado pelo Centrão no Congresso, preocupado com a repercussão da retórica do ex-chanceler sobre a pauta de exportações do agronegócio.
O presidente só foi bem recebido por países governados pela extrema-direita. Os demais o isolaram em reuniões internacionais como um pária. Logo nos primeiros meses de governo, o idiota sem consciência do mal feito a si e ao país promoveu um alinhamento automático à Casa Branca, comandada à época pelo republicano golpista Donald Trump.
Ele e seu filho se comportaram de maneira submissa e humilhante frente ao reles Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, e atualmente condenado por participação no ataque ao Capitólio. Com a morte do “olavismo”, adotaram o guru da extrema-direita mundial.
Bateu continência para a bandeira norte-americana, disse “I love you” ao indiferente Trump. O capacho prorrogou a isenção do imposto de importação sobre o etanol americano e estendeu, sem contrapartida, a isenção de visto para cidadãos dos Estados Unidos. Em contraponto, Trump anunciou barreiras ao aço brasileiro.
Destratou os presidentes eleitos nos países vizinhos, além do francês. Mais grave: seus prepostos acusaram a China de criado o coronavírus em laboratório e o espalhado intencionalmente. Aí o agronegócio disse basta: deu um cala-boca e passa-fora moleque. O fracassado militar então se submeteu ao Centrão e seu orçamento secreto.
Bem, o resto é a história do Brasil já sendo reconstruída, de maneira democrática, em defesa do pacto político e socioeconômico estabelecido na Constituição de 1988. Os três Poderes Republicanos eliminaram o orçamento secreto e aprovaram com 331 votos contra 168 a Emenda Constitucional de modo o novo governo deixar de fora do teto de gastos R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023 para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular. Lula está governando mesmo antes da posse!
*Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com.
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